De Cabo Verde, a "única coisa" que Helena Ramos sabia era a "paixão da Tânia" pelo país, veterana das férias no arquipélago a que já chama segunda casa. Agora, depois de dez ilhas percorridas e quase um ano de interregno, a fotógrafa "voltava para lá de olhos fechados", debatendo-se com Tânia Sarmento pelas descrições mais contagiantes das praias a perder de vista, das montanhas verdejantes, da cultura, da gastronomia, daquele "ritmo diferente, descontraído". Afinal, como Tânia revela na introdução do guia, "mais do que um cartão postal do paraíso, Cabo Verde é um estado de espírito que toma conta de nós: uma mistura de morabeza e alegria que nos faz sentir ‘sabe' [bem]".
Quando aterrou pela primeira vez no país - para passar o fim de ano na praia do Tarrafal com muito calor e música ao vivo - Tânia Sarmento não precisava de guias: os amigos cabo-verdianos sabiam melhor do que ninguém onde a levar. Mas quando quis regressar com portugueses não encontrou um único livro na língua de Camões que a guiasse pelas ilhas que não conhecia. Entretanto, a Lua de Papel, onde é coordenadora editorial, "publicou um guia de Moçambique e abriu-se a porta" para fazer o mesmo sobre Cabo Verde. "Contactei algumas empresas para serem nossos patrocinadores, sobretudo a nível de apoio à edição do livro (para ele poder ser a cores) e nas viagens. Foi deste modo que tivemos a parceria da Delta, da TAP e do [operador turístico] Soltrópico", conta Tânia Sarmento.
Logística tratada e malas feitas, a jornalista regressava ao país insular com a amiga Helena Ramos para uma desejada missão: reunir todas as informações práticas que um turista precisa e, ao mesmo tempo, contar pequenas histórias daquilo que iam vivendo em viagem, das pessoas que iam conhecendo. "É um gostinho para as pessoas também perceberem que há tantas histórias que podem realmente viver lá", diz Helena.
É assim que ao lado de descrições sobre o melhor de cada ilha relatam o passeio noturno no encalce das tartarugas na Boavista, no qual conseguiram ver "três ou quatro tartaruguinhas a ter bebés" (Cabo Verde é o terceiro local do mundo onde desovam mais tartarugas comuns ou cabeçudas); constataram que "basta uma gotinha de chuva e aquilo transforma-se, parece que a natureza se abre, é mágico"; ou contam como conheceram um casal de turistas que ficou para sempre de férias no Maio ou Constantino Cardoso, músico e compositor de São Vicente, que tem vencido as competições de músicas de Carnaval da ilha e escreveu canções para Cesária Évora e Ildo Lobo.
Amantes confessas de praia, elegem a Boavista como uma das ilhas preferidas: infinitos areais de dunas douradas ladeados de águas azuis-turquesa e temperatura amena, muitas vezes sem vivalma por perto. "Que mais se pode querer?", questiona Tânia Sarmento. Contudo, também se tornaram fãs do Maio, onde descobriram um destino de praia alternativo ao turismo mais massificado da Boavista e do Sal (juntas representaram mais de 90 por cento das dormidas turísticas em Cabo Verde em 2011). "Tem praias tão bonitas como a Boavista ou o Sal e é ainda um diamante em bruto", explica Tânia Sarmento. Na ilha descrita no livro como "um dos segredos mais bem guardados de Cabo Verde", ainda existe muito pouco turismo e há a familiaridade típica de uma pequena aldeia. "Ao terceiro dia já toda a gente nos cumprimenta, já conhecemos a senhora Fátima ou a dona Fernanda".
Mas Cabo Verde não é só praia, afiançam. "As ilhas têm paisagens muito diferentes e há muita gente que não sabe isso", diz Tânia Sarmento. O Fogo, por exemplo, é pintado a negro por um "vulcão impressionante" ainda em actividade, onde "parece que a terra palpita e que chama por nós". Não é a ilha indicada para ir a banhos, mas descer o vulcão a correr a pique por entre a gravilha solta pode ser tão aventureiro como subir lá acima. E tem "um pôr-do-sol maravilhoso", garante Helena. Santo Antão ou São Nicolau são também boas escolhas para caminhadas, mas aqui as montanhas vestem-se de um verde exuberante, com cascatas e ribeiras. A pequena Brava é a ilha das flores, a Sintra cabo-verdiana.
As paisagens vão mudando conforme a ilha e desfilam pelo guia em textos de Tânia Sarmento e fotografias de Helena Ramos, trazendo colorido à listagem de informações úteis que incluem os melhores locais para dormir ou comer, transportes a utilizar, o que fazer e visitar em cada ilha ou como dizer algumas frases em crioulo. Há ainda uma aposta forte na história dos lugares: "há pessoas que vão querer ver o que aconteceu, perceber melhor a História, ver os fortes, ver onde os portugueses estiveram", explica Tânia Sarmento. A herança portuguesa é grande e isso vê-se nas procissões, nos edifícios ou na comida, dizem. "A maneira como fazem o peixe, o acompanhamento, mesmo a cachupa". Depois existem outras heranças, mais modernas, como a paixão pelo futebol ("quase todas as pessoas são de uma equipa portuguesa") ou até um velho autocarro da Carris com direcção a Buraca que ‘estacionou', talvez para sempre, na Cidade Velha, em Santiago.
Para Tânia e Helena uma viagem a Cabo Verde tem de incluir, sempre que possível, o melhor de três mundos: praia, montanha e cultura. É tentar "conciliar um bocadinho a praia com ilhas que são boas para fazer trekking e para ver a paisagem" e depois experimentar um pouco da cultura. "Quase toda a gente que vai a Cabo Verde tem de ir dançar ou tem que ver como é que se dança, tem que ir ouvir um bocadinho de música, comer uma cachupa ou um peixinho fresco ou lagosta", recomenda Tânia.
Segundo a jornalista, a ilha de São Vicente é a capital cultural: "há uma energia diferente, muitos autores, muitos escritores cabo-verdianos são de lá". "Encontra-se música em todo o lado, a toda a hora" na ilha, acrescenta Helena. Talvez por isso Cesária Évora cantava que "quem ca conchê Mindelo, / ca conchê Cabo Verde" [quem não conhece Mindelo - capital da ilha -, não conhece Cabo Verde]. No entanto, a música é uma constante em todo o arquipélago, um marco incontornável da cultura cabo-verdiana. É um "país de músicos": "todos tocam qualquer coisa, cantam e dançam".
Por isso dizem existir um ritmo diferente, um "clima de festa um bocadinho como no Brasil, em que as pessoas estão de havaianas, há festas, é tudo descontraído", diz Tânia. "Podes ir a Cabo Verde, não parar um dia e vir relaxado", avança Helena. E depois há a morabeza, a palavra mais cabo-verdiana de todas e de difícil tradução, que representa a amabilidade, simpatia e alegria de existir do povo cabo-verdiano. "Eles são descontraídos, querem é receber bem, que as pessoas estejam felizes, integradas", defende Tânia. "Se há coisa que os cabo-verdianos são é acolhedores, gostam muito de falar com as pessoas e são muito orgulhosos da sua cultura, portanto gostam imenso de mostrar e de convidar".
Para a jornalista, é essa alegria e hospitalidade do povo que fazem os turistas regressar. Cabo Verde "não é assim tão tropical como muitos outros países, portanto eu acho que as pessoas que voltam é sobretudo pelas pessoas, é porque se apaixonam pelas pessoas, se sentem bem recebidas, gostam daquela maneira de viver e de estar". Afinal, já o guia afiança que "Cabo Verde é o sorriso de África", "uma porta que se abre e acolhe de braços abertos quem o visita".
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"Cabo Verde"
De Tânia Sarmento (textos) e (Helena Ramos (fotografia)
Edição Lua de Papel, 304 pp
Preço de capa: 19,95€
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