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Quem participar no encontro de geocaching da próxima semana vai percorrer e descobrir paisagens como o Monte do Colcurinho

Quem participar no encontro de geocaching da próxima semana vai percorrer e descobrir paisagens como o Monte do Colcurinho

Na montanha. seguindo o mapa dos tesouros

Por Carla B. Ribeiro

Diz que é uma espécie de caça ao tesouro com coordenadas GPS. Mas o geocaching é mais do que isso: é uma forma de descobrir recantos secretos. E é por isso que a rede Aldeias de Montanha, dinamizada pelo município de Seia, se junta a esta comunidade que no próximo fim-de-semana se prepara para escrutinar a região.

«A gente não come do ver, mas alegra-se. Alegra os olhos. É como varrer teias de aranha da alma. Trepei lá cima esta manhã. Lá longe, a serra da Estrela nem sei o que parece…»
Aquilino Ribeiro

 

O senhor Adelino não sabe rigorosamente nada, além do que lhe vai sendo dito, sobre as caixas de plástico, hermeticamente fechadas, que vão sendo deixadas por Vide, freguesia do concelho de Seia. Já reformado, de há uns anos a esta parte que toma conta das propriedades: suas e dos vários irmãos que vivem fora da terra-natal. É assim que revela uma verdadeira sapiência no que diz respeito às terras onde nos encontramos. Por isso, é ele que nos guia pelos caminhos e pelas histórias de Vide, enquanto vamos traçando um geomapa - estamos aqui com a equipa que vai preparar o terreno para o evento de Geocaching nas Aldeias de Montanha que, de 2 a 4 de Novembro, coloca Vide e outras oito aldeias (Alvoco da Serra, Teixeira, Cabeça, Loriga, Sazes da Beira, Valezim, Lapa dos Dinheiros e Sabugueiro) entre os destinos desta actividade.

Com o objectivo de dar a conhecer e promover recantos da região, os "tesouros" ou caches vão sendo colocados em pontos estratégicos tanto no centro da freguesia como pela sua periferia, ainda marcada por campos de cultivo, vinhedo e árvores de fruto - medronhos já suficientemente vermelhos para os vermos cair nas nossas mãos e uvas doces que o senhor Adelino trata de nos arranjar de um quintal que está entre as suas responsabilidades.

"Em cada localidade haverá alguém para ajudar os visitantes. Os guardiões d'aldeia são verdadeiros guias turísticos ou, antes, amigos!", explica Paulo Loução, da editora Ésquilo, que, num trabalho encomendado pelo município de Seia, desenvolveu ao longo deste ano um projecto com vista a dar sustentabilidade e imprimir dinamismo à rede Aldeias de Montanha e cujo resultado pode ser consultado em livro (A Magia das Aldeias de Montanha, a ser lançado até ao fim do ano) ou no site www.aldeiasdemontanha.pt/ (disponível em meados de Novembro).

Antes ainda, a iniciativa que Loução acredita ser a solução para estes lugares: o evento de geocaching, que a cerca de duas semanas de distância já reunia mais de uma centena de inscrições. Geocachers que serão também um veículo de promoção ao criarem rotas que virão a ser partilhadas com os cerca de seis milhões de utilizadores do Geocaching.com, o portal que reúne toda a comunidade mundial. No fundo, uma forma de atrair gentes de todas as idades e provenientes de todo o mundo, que se movem em busca daqueles pequenos "tesouros", e que está longe dos critérios de um turismo em grande escala, que não é o desejável para estas aldeias. "Pretende-se garantir a genuinidade."

Mas antes de passar à prática, Loução passou pela fase de estudo - identitário e antropológico -, de forma a descobrir o que de mais relevante a região tem para atrair visitantes. Só que o historiador não se limitou a uma pesquisa teórica. Muniu-se de descontracção - "é impossível um estranho passar despercebido e não ser olhado com uma certa desconfiança" - e foi conhecendo as pessoas que fazem as aldeias serranas antes mesmo de se apresentar como estando ao serviço da câmara. Por isso, é com convicção que se move pelas ruelas e quelhos de Vide: ora cumprimenta este ora saúda aquele, misturando-se com as gentes da terra.

Entre passadas firmes de quem já fez quilómetros de deserto marroquino a pé, vai-nos contando, como se fosse testemunha viva dos factos, episódios da História destas pequenas aldeias, marcadas por terrenos de declives acentuados, entre cenas do quotidiano e marcos importantes que servem de pontos de referência a Nuno Veríssimo e Tânia Costa, a dupla que, desde 2009, mantém uma empresa especializada em geocaching. Nas pequenas caixas que estes dois carregam e que tratam de camuflar entre a paisagem beirã, umas tirinhas em papel, designadas de logs (por futuramente reunirem os dados de vida daquela caixa e de todos quantos se cruzarão com ela), explicam de forma sucinta a razão de se ter escolhido aquele local para uma cache.

Caches de rabo de fora

A prática de geocaching, embora não esteja associada a nenhuma actividade física em especial, por estas nove aldeias que compõem a rede pressupõe algumas caminhadas (ou incursões em BTT) e várias voltas de automóvel para fazer frente aos quilómetros que as localidades distam entre si. Mas se é verdade que o nível de dificuldade está entre os mais baixos, não são de desprezar os declives naturais que a montanha impõe, a começar pelo Monte do Colcurinho, ainda na serra do Açor, e caminhando em direcção à Torre que encabeça a Estrela.

A forma como se faz geocaching não é, porém, linear. "Pode-se fazer geocaching de todas as formas: de carro, a pé, em escalada... até debaixo de água", explica Tânia Costa. Facto que ajuda a multiplicar os adeptos um pouco por todo o mundo e que em Portugal já reúne mais de 30 mil praticantes. Já caches activas, encontram-se assinaladas mais de 20 mil. Podem estar camufladas de tal forma - uma pedra da calçada, um caracol, um tijolo... - que passamos por elas diariamente sem as ver. É que, nesta coisa do geocaching, olhar não basta.

"O objectivo é levar as pessoas a conhecer os sítios mais marcantes destas aldeias - escolhidos ora pela beleza da paisagem ("cântaros monumentais, lagoas lendárias, vales esplendorosos, covões arcaicos, cascatas sublimes") ora por algum facto histórico - e dar-lhes informação sobre cada um desses locais", resume Paulo Loução. E é importante salientar que, "de outra forma, seria difícil indicar determinados aspectos", escondidos quer entre as novas edificações quer entre o pinhal. É o caso dos vestígios de arte rupestre que, não obstante a sua importância, continuam longe de atrair visitantes em números significativos.

À medida que se avança Estrela adentro e mais caches vão sendo deixadas, também a paisagem se altera. Já longe do pinhal de Vide, enfrenta-se uma paisagem cada vez mais despida, embora monumental, e sempre marcada pela água: por vezes em poços, cristalinos e serenos, outras em sobressaltadas e barulhentas quedas naturais.

Enquanto Nuno trata de esconder mais uma cache, Tânia ocupa-se com a recolha das coordenadas geográficas. "Neste tipo de situação, não pode ser de muito difícil acesso para não desanimar, mas também não pode estar à vista de todos." É que uma cache visível é uma cache desprotegida, estando mais susceptível de ser alvo de vandalismo. "E, infelizmente, há muitos casos." Por outro lado, com coordenadas que dão uma margem de erro de 3m, estando assim o perímetro de busca definido, também não será complicado a quem está à procura encontrar estes "tesouros". Que isto do geocaching é acima de tudo um jogo - quanto mais caches encontradas, mais pontos somados à estatística pessoal. Daí que caches de difícil acesso, "que também as há, especialmente as camufladas", não sejam incluídas nesta rota: "O objectivo é dar ânimo para ir em busca de outra e outra". Afinal, só nesta rede de Aldeias de Montanha, estão escondidas entre 70 e 100 caches

"Queremos que as caches sejam encontradas por geocachers, que sabem o que fazer com elas", resume. E se forem encontradas por outros? Nesse caso, só se pode esperar que quem as encontre leia as explicações contidas em cada recipiente: "Se encontrou esta caixa por acidente: Por favor não mude de lugar ou estrague esta caixa". Caso contrário, pode-se sempre contar com os guardiões das aldeias, cujos contactos são fornecidos pelo Centro Dinamizador, ou pelos vários amigos da rede, como o senhor Adelino, que garantem sensibilizar quem ainda não descobriu a razão de ser destas caixas.

Geocaching nas Aldeias de Montanha

Além de três dias em busca de perto de cem caches, os geocachers são convidados a participar em tertúlias, dois jantares e um almoço-convívio e workshops numa rota que invoca antepassados lusitanos e não esquece a transumância que marcou as vidas da região. A participação nas actividades de geocaching é gratuita, sendo possível tratar com a Quinta do Crestelo alojamento (há pacotes especiais para participantes: T0 para dois desde 46,50€/noite) e lugar para os dois jantares. O almoço-convívio, em Alvoco da Serra, pressupõe o pagamento de 9,50€ por pessoa.

Após o evento, para enveredar numa caça ao tesouro, além de ser possível encontrar as várias coordenadas das caches no Geocaching.com, é aconselhável contactar o Centro Dinamizador da Rede de Aldeias de Montanha (tel.: 238310246, ou centrodinamizador@aldeiasdemontanha.pt) que poderá ajudar nas várias rotas e ainda indicar os contactos dos guardiões das aldeias a visitar.

Na Internet

Site oficial: www.geocachingnasaldeiasdemontanha.com

Evento @ Geocaching.com: www.geocaching.com/seek/cache_details.aspx?guid=8a3c1ce7-df68-40cf-9176-01c97a90d3fe

Evento @ Facebook: www.facebook.com/events/547503801940861/?fref=ts

Onde comer

As iguarias serranas podem ser encontradas facilmente numa região em que a gastronomia tradicional continua a ser privilegiada. Entre a mais de uma dezena de restaurantes aderentes, a Fugas almoçou no Guarda-Rios, um espaço recuperado em xisto e como manda a traça da região, junto à praia fluvial da Barriosa, freguesia de Vide, que merece uma demorada visita: quer pela paisagem em que se insere quer para conhecer este projecto que ganhou o seu nome da profissão extinta de guarda-rios. Entre as entradas não faltam enchidos e os pratos principais são abrilhantados pelo cabrito serrano ou pelo bacalhau com broa.

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