É no 1.º de Maio que se celebra a tradição de partilha do Bolo do Tacho ou Bolo de Maio, que apenas se confecciona no concelho de Monchique, no Algarve. A receita deste bolo único, explica Ana Paula Almeida, presidente da junta de freguesia de Monchique, “varia de pessoa para pessoa, mas os ingredientes base são os mesmos”.
O Bolo do Tacho é feito “a olho”, mas leva sempre farinha de milho, banha de porco, mel e azeite. A quantidade de especiarias depende do gosto de cada um. O resultado é um bolo pequeno, achatado e redondo, de diâmetro variável e de cor escura, devido ao cacau e ao café que também constam da receita. O sabor varia, conforme se coloca mais de um ou de outro ingrediente, pelo que pode ser mais ou menos adocicado, mas a consistência é geralmente compacta.
O mais curioso, continua Ana Paula, é que “a própria pessoa dificilmente conseguirá fazer a receita igual”, quer faça na mesma altura ou em momentos diferentes. Para além disso, as opiniões sobre qual é o melhor bolo são também diferentes, conforme os gostos. E para celebrar as diferenças do bolo típico, a junta de freguesia de Monchique organiza todos os anos uma festa no dia 1 de Maio, a Festa M, em que a letra M se mostra apropriada para a celebração de Monchique, de Maio, e dos produtos típicos da região: mel, milho e medronho.
O evento, que pretende revitalizar a antiga tradição, consiste numa prova de bolos e num convívio realizado no espaço do quintal da junta de freguesia. Esta iniciativa, para além de promover a divulgação do bolo, faz com que as pessoas da região se reúnam, levem o seu próprio bolo e partilhem com as restantes, proporcionando uma enorme variedade, que se torna uma riqueza acrescida para a festa.
Nas outras duas freguesias do concelho de Monchique também se comemora o Dia de Maio, como é tipicamente chamado na região, embora as festas sejam em moldes diferentes.
Na freguesia de Marmelete, a celebração, com o nome de Dia de Maio e organizada pela junta de freguesia em parceria com o Clube Aventura de Marmelete, inclui um passeio de BTT e um passeio pedestre (de manhã), que se complementa com um baile com música de artistas locais (à tarde) no edifício da Casa do Povo. Aqui, será feita a partilha do bolo. O objectivo da iniciativa é incentivar uma prática desportiva saudável, promover as paisagens e divulgar os hábitos culturais e gastronómicos locais.
Já na freguesia de Alferce, há a Festa do Bolo do Tacho, integrando um passeio pedestre, uma mostra de produtos locais e concertos com artistas (no recinto de festas local). A exposição dos produtos locais, que abre de manhã e se prolonga ao longo da tarde, é muito valorizada. O presidente da junta de freguesia, Humberto Marques Varela, salienta que a festa “dá visibilidade à localidade", "traz visitantes" à aldeia, "faz com que haja movimento nesse dia" e "ajuda o comércio local”.
A festa permite ainda o convívio entre as pessoas da localidade e as pessoas de fora, entre elas quem era da região e volta neste dia para estar com os familiares e amigos. “Vem muita gente de fora, dos concelhos vizinhos: S. Marcos da Serra, Sines, Portimão, todo o baixo Algarve e o Alentejo”, enumera o presidente da junta de freguesia.
Um bolo simples, com origens centenárias
Relativamente à origem à festa, Marques Varela assegura que “é uma tradição muito antiga. As pessoas no dia 1 de Maio juntavam-se entre amigos, faziam um convívio, e para poder saborear os bons produtos como o medronho, levavam o bolo do tacho”. Adoptou-se a expressão de “ir desmaiar” aos campos, com o significado de no dia 1 de Maio, Dia do Trabalhador, as pessoas se juntarem para conviver e apreciar os produtos da região, celebrando o que de melhor tinham e o pouco descanso que lhes era concedido.
Ana Maria Duarte, proprietária da pastelaria Doce & Arte em Monchique, explica em detalhe a tradição: “Antigamente as pessoas juntavam-se todas e rumavam à Fóia, o pico mais alto. Era uma grande romaria, levavam [o bolo do Tacho], depois chegavam lá e começavam a distribuir umas pelas outras. Faziam a própria festa lá”.
No entanto, a origem do bolo é muito anterior à tradição de “ir desmaiar aos campos" no 1.º de Maio. “Quando eu nasci, a tradição já era velha”, diz, num tom de graça, Paula David, funcionária da junta de freguesia de Alferce. “É uma coisa centenária”, acrescenta num tom mais sério, “porque o milho era uma cultura que abundava aqui”.
Há quem defenda que foram os frades franciscanos do Convento de Nossa Senhora do Desterro, em Monchique, que deram origem a este bolo, mas não é absolutamente certo. O que se sabe é que “começou por ser um bolo muito pobre, só com mel, com banha e farinha de milho, porque era o que as pessoas tinham”, explica Ana Paula Almeida. “Era um bolo muito simples, que tinha os ingredientes aqui da região”, mas que foi evoluindo. Com os Descobrimentos, foram introduzidas especiarias na receita do Bolo do Tacho, como a canela e o chá de erva-doce, esclarece a autarca.
O Bolo do Tacho adoptou também o nome de Bolo de Maio por tradicionalmente apenas se confeccionar neste mês. Porém, hoje em dia, “as pessoas procuram mesmo fora dessa época”, como afirma Cecília Medronho, funcionária da pastelaria Ana Maria, localizada em Monchique. Por isso, o bolo é confeccionado durante o ano inteiro, e principalmente em épocas festivas, como a Páscoa e a Feira dos Enchidos, no início de Março.
“Faz-se sempre fora da época. Antigamente não, antigamente era só em Maio”, confirma Ana Maria Duarte, da pastelaria Doce & Arte. A procura do bolo tem aumentado, e Ana Maria afirma que até os estrangeiros gostam do sabor único desta iguaria de Monchique. “É muito raro a gente encontrar uma pessoa que não goste”, assegura em tom de convite.
“Lembro-me que a minha mãe escaldava a farinha na noite e no outro dia fazia o bolo”, diz Cecília Medronho. Contudo, uma pastelaria tem de adoptar um método diferente: “Faz-se o bolo num dia e deixa-se a noite toda no forno. No outro dia de manhã, tiramos”.
Segundo Ana Maria Duarte, “demora à volta de duas horas a preparar tudo, e depois no forno leva uma noite inteira. O forno trabalha à volta de três a quatro horas, depois desligamos e ele fica lá a acabar de cozer a noite inteira, a apurar os sabores”.
Tal como o nome indica, o bolo é, claro, feito num tacho. “Nem gosto de fazer em formas, faço mesmo num tacho”, diz Helena Baiona, proprietária da pastelaria Helena Baiona, em Monchique. Tanto esta pastelaria, como as pastelarias Ana Maria e Doce & Arte fazem o Bolo do Tacho para venda ao público nos seus estabelecimentos, durante todo o ano, mas também o fazem em grandes quantidades para as festas locais, especialmente para as festas do 1.º de Maio.
Estas festas trouxeram um pouco dos antigos costumes de volta à vida da população local, mas Ana Maria Duarte, da pastelaria Doce & Arte, acha que a tradição merecia mais: “É tão antiga, tão antiga, que eu acho que devia ser mais divulgada”. Este ano, como a cada 1 de Maio, as três freguesias do concelho de Monchique voltam a festejar. O Bolo do Tacho é garantido, tal como bom medronho. E, se precisar, pode “desmaiar nos campos”.
A receita
Embora a receita do Bolo do Tacho não seja fixa, aqui fica um exemplo, fornecido por Paula David, caso queira experimentar:
Na véspera mistura-se farinha de milho com banha de porco, margarina, café, chá de erva-doce em grão, canela em racha, uma casca de limão, e uma pitada de sal. Vai-se escaldando a farinha até ficar líquida. No dia seguinte, junta-se o resto dos ingredientes. Pode acrescentar-se uma casca de laranja ou anis, baunilha ou medronho, conforme as preferências de cada um. Num tacho untado de banha coloca-se o bolo com um fio de azeite por cima, para não estalar, e vai cozer em forno de lenha.