No cabo das Três Forcas, os soldados fazem guarda ao farol, ao mar azul que o cerca e ao sol do meio-dia. A visita de estrangeiros interrompe-lhes a rotina e os binóculos de tripé para vigiar o mar transformam-se em miradouro improvisado. Não há barcos ou aviões suspeitos, só um bote e nele três pescadores a lançarem a rede. As enseadas e as curvas escondem as Três Forcas e o seu imenso azul do resto do mundo, que fica logo ali, do lado de lá do mar. Mas o recanto da costa sul do Mediterrâneo, ponta nordeste de Marrocos, consegue resguardar-se dele.
A cento e poucos quilómetros dali, as famílias de Berkane e arredores vão em programa domingueiro até às montanhas Beni Snassen e à gruta do Camelo, uma rotina raramente partilhada por estrangeiros. As tendas de pasto multiplicam-se, fazem-se guisados e grelhados de borrego ou cabra, o ar enche-se de fumo e poeira dos carros que passam, monta-se um mercado de montanha onde se vende de tudo, incluindo garrafões de plástico com gasóleo de contrabando vindo da vizinha Argélia. E rodas de gente seguem a reggada, dança que os guerreiros da tribo dançavam depois da guerra ganha. Nesta dança, mandam os músicos que marcam o ritmo, a sequência de saltos que o dançarino voluntário tem de adivinhar e pagou para isso. Se acerta, seguro e ágil, recebe palmas; se não, esquecem-no e venha o próximo, 20 dirhams por dança.
Quem viaja de Verão até à estância balnear mais oriental de Marrocos é garantido que vai de avião até Oujda, faz uns 60 quilómetros de carro e instala-se em Saidia, com um pé na piscina e outro no mar. E é quase certo que não vai ao cabo das Três Forcas nem às montanhas Beni Snassen, duas paragens que fazem parte do cartão-de-visita de uma região ainda por explorar e que os responsáveis pelo turismo de Marrocos querem colocar no mapa – toda a costa nordestina e o interior para sul até ao grande oásis de Figuig. Procuram mais turistas e novos mercados disponíveis para conhecer a região Oriental que existe para cá e para lá da praia de Saidia.
Hoje, 30 a 40% dos turistas estrangeiros são famílias portuguesas, não havendo outro grupo tão dominante, segundo o director do maior resort de Saidia, o Oriental Bay Beach. Por isso, o que se passa em Saidia interessará aos portugueses e o que se passa com os portugueses interessará a Saidia. Com o Verão a começar, os planos marroquinos serão testados e os turistas portugueses, pelo seu peso, contribuirão em muito para o resultado.
Os pacotes de férias dos operadores nacionais para esta temporada de Saidia conservam a oferta do sol e praia essencialmente destinada a famílias com crianças, uma receita com sucesso nos anos anteriores, e com preços que se mantêm baixos face à média dos destinos potencialmente concorrentes.
A combinação entre preços e rapidez de transporte explicará a razão pela qual os portugueses escolhem Saidia, a "pérola azul de Marrocos" das brochuras turísticas. Gerardo Fernandez, director do Oriental Bay Beach, o resort de 10 hectares de área junto à praia, admite que os portugueses têm o que falta para captar turistas de outros mercados, como Reino Unido, Alemanha e Escandinávia. "Têm voos [directos]", frisa. Em vez dos mercados ricos do norte, provavelmente ainda desconfiados com os efeitos das primaveras árabes e com a agitação que voltou à Turquia, por exemplo, Saidia vai recebendo outros turitstas: checos, belgas, espanhóis e marroquinos.
Os operadores portugueses trabalham com os três hotéis de topo de Saidia - Iberostar Saidia, Be Live Grand Saidia, além do Oriental Bay Beach -, todos sobranceiros ao mar, com um total de 1600 quartos. A linha de praia impõe-se à volta deles, apesar do campo de golfe, das piscinas, dos campos de ténis, do campo de tiro e de uma ciclovia acabada de fazer em Maio. O que Saidia tem sobretudo para oferecer fica do outro lado da rua: uma praia com 14 quilómetros de extensão, um mar raso por causa de um grande banco de areia, uma água azul com temperatura mediterrânica, uma marina com mais de 800 amarrações e o jet-ski como desporto aquático de eleição dos turistas e, ao que contam, do rei.
Mediterrânica é também a areia, fina e mais escura que a da costa portuguesa. Totalmente aberta a norte, com a cordilheira montanhosa do Rif a sul, Saidia tem dias de vento, com sopro morno a quente mediterrânico, distante do bafo saariano.
Gerardo Fernandez declara que este é um Verão de teste para a região e que "o futuro tem que se o ganhar", captando segmentos que procurem mais do que sol e praia. Acredita que o potencial de Saidia, baseado na "nobreza de uma praia virgem" e numa "mão-de-obra amável", precisa de uma oferta complementar ao turismo de família, sol e praia, que explore os recursos naturais e históricos da região.
Para lá dos muros dos hotéis e da praia, Marrocos é outra história. A região Oriental tem sempre um rio chamado Kiss a separá-la da Argélia, vizinha natural em toda a linha para sul a pouco mais de cinco quilómetros de distância. As montanhas argelinas vêem-se de qualquer ponto de Saidia e a vida transfronteiriça decorre pacatamente, apesar das fronteiras fechadas há 15 anos. Diz o povo de Saidia e Oujda que as fronteiras são uma "coisa política", fora do mundo das "pessoas" que continuam a atravessá-las para os casamentos transfronteiriços, para a celebração dos dias de festa comuns e para o contrabando de tachos de alumínio, gasóleo, gasolina e cigarros. Do lado de cá, o combustível fica por metade do preço, mas ouve-se logo o conselho de que não seja utilizado em carros de boa cilindrada ou novos, "como os dos emigrantes", porque é de menor qualidade e os motores acabam sempre por avariar.
Queixas velhas
Ainda circula na região um velho mas útil guia turístico de 1994 sobre o Oriental marroquino, que se queixa do "lugar bastante pobre" que a literatura turística consagra à região de mar, planaltos, planícies, muita terra fértil e deserto, cujo maior oásis é Figuig. Era assim há quase 20 anos e hoje não está muito longe disso. Fora das rotas das cidades imperiais do reino e de circuitos "facilmente acessíveis a partir das grandes cidades", o dilema do Oriental é fazer valer os "méritos" de Oujda, Nador ou Figuig em concorrência com Marraquexe ou Fez. E aí entram os trunfos dos recursos naturais da região que os quer usar como destino de evasão: as praias mais vastas de Marrocos, as enseadas que se multiplicam especialmente à volta do cabo das Três Forcas, algumas delas de acesso apenas pelo mar, as montanhas e os oásis e dunas. Para os visitar, é preciso atravessar as três grandes cidades da região e tudo à distância de uma centena de quilómetros, a partir de Saidia, descobrindo a única região do país a gozar de uma identidade tão mediterrânica quanto saariana, assegura o velho guia.
Em Oujda, que se reclama capital do Magrebe árabe e capital económica do Oriental marroquino, conserva-se a medina de uma cidade com mais de um milénio de história, orgulhosa de ter tido a primeira escola moderna do país em 1907 e descobre-se um mercado vivo mas sem o regateio, amado ou odiado, dos vendedores.
Pelas ruas da medina, uma padaria comunitária faz biscoitos com canela, os ghribia, e alinha no forno o pão que cada família traz para cozer. Os rapazes que já não vão à escolar parece que brincam na rua com fios coloridos de seda, usam as paredes exteriores das casas para esticar dezenas de metros de fios finos acetinados e enrolam-nos. Os tubos de cana dos fios espalham-se pelo chão e descobre-se que não é brincadeira, é trabalho, embora artesanal, de enchimento dos cordões que debruam as djellaba. Os rapazes enrolam os fios e as mulheres ajudam a costurar em casa. Desde o primeiro fio até ao último ponto de uma djellaba vão 15 dias a um mês.
Berkane, considerada a segunda grande cidade da província, é o cruzamento por onde passa praticamente toda a produção agrícola da região. É famosa pelas suas clementinas, o que deu origem a um festival anual da clementina. A pouco mais de uma dezena de quilómetros, as montanhas Beni Snassen oferecem pontos de passeio e escalada, para além da gruta do Camelo, cujo nome deriva da semelhança do seu recorte com um dromedário, mas por agora fechada. A gruta vale ainda assim uma visita, sobretudo ao domingo: a pequena piscina de água nascente cavada na rocha à entrada junta dezenas de pessoas, entre as que saltam e as que assistem. E os jovens tremem de frio quando de lá saem, mesmo que o sol brilhe.
Voltando em direcção a norte, depois do Cabo da Água e das Ilhas Chafarinas, os olhos param em Mar Chica e na lagoa de 75 quilómetros quadrados. Nos velhos guias, Mar Chica (pequeno mar em espanhol) ou Lagoa de Nador chamava-se Sebkha Bou Arg. É para lá que está apontada a segunda fase de expansão do plano de desenvolvimento turístico da província Oriental, a seguir a Saidia, depois da despoluição das águas e da construção de um projecto turístico com mais um campo de golfe. Há quem diga que Mar Chica é ainda hoje a mais bela baía do Mediterrâneo. Dali até ao cabo das Três Forcas, passando por Melilla, a distância é curta, mas a estrada piora e a irregularidade do piso e as falésias requerem uma condução mais lenta.
Para esquecer o mar, é preciso virar a sul. São quilómetros de planícies e planaltos, parte deles irrigados pela força da barragem Mohamed V e pelos rios mais pequenos (oued) que atravessam a região até ao alto Atlas, ao clima semidesértico e a um dos maiores oásis do país, com referências históricas que vêm desde 3000 a.C. Nos confins de Marrocos Oriental, a cidade-oásis de Figuig a 900 metros de altitude, ampara-se à sombra de palmeiras e do que resta de velhos castelos (ksars).
E por entre lagoas, enseadas e castelos, esquece-se a crise? Não totalmente, embora Marrocos mantenha a sua Visão 2020 de ser um dos 20 maiores destinos turísticos do mundo e duplicar as receitas do turismo, incluindo a região Oriental no plano.
Sinais da crise vêem-se sobretudo à volta de Saidia, estrada fora, nos aldeamentos parados no tempo, com construção inacabada ou fechados à espera de dono.
O futuro da estância balnear foi desenhado no pico de uma euforia financeira mundial que não contava com a sua derrocada. As sociedades imobiliárias espanholas apareceram nessa vaga de euforia e construíram milhares de apartamentos de primeiro e segundo andar à espera de lucros rápidos. Como o dinheiro que se multiplicava estancou e as empresas ruíram, o património ficou sem destino. O reino de Mohamed VI tenta agora acabar as obras interrompidas, através das suas próprias sociedades de desenvolvimento, encontrar compradores e tratar o assunto como um contratempo que a febre do dinheiro levou do Ocidente para Oriente, até ao Oriental.
Recuperar o Oriental
Dos três grandes hotéis de Saidia, que com a marina e o golfe compõem o coração da estância balnear mediterrânica, a grande expectativa deste Verão vai para a recuperação de imagem do Oriental Bay Beach. A gestão torna-se um desafio quando se tem 10 hectares de serviços, onde se localizam três blocos de três pisos (rés-do-chão a segundo andar) com 614 apartamentos, um campo de golfe, um segundo em construção, piscinas, restaurantes temáticos, um teatro, um clube infantil, um SPA e um cabaret.
O resort, que começou por ter propriedade marroquina e gestão concessionada a um grupo espanhol, é hoje integralmente marroquino. Há um ano, contratou o espanhol Gerardo Fernandez com a meta de elevar a qualidade de serviço do Oriental Bay Beach e dos seus 300 trabalhadores na época alta, cerca de 80 na baixa. As mudanças deram-se sobretudo ao nível da formação profissional, embora seja um tema difícil de resolver. Numa região rural, o novo sector do turismo tem de formar a mão-de-obra de que precisa e esperar que depois do Verão ela não fuja para Casablanca.
Alguns passos parecem já ganhos, na organização, na qualidade do serviço e da alimentação. Na penúltima semana de Maio, por altura de uma visita de jornalistas portugueses, os restaurantes do hotel tinham uma oferta variada, fresca, por vezes requintada, e um atendimento amável.
Os outros dois grandes hotéis de Saidia diversificam em termos de comando. Ou têm propriedade marroquina e gestão concessionada a um grupo espanhol ou são totalmente espanhóis. Os próximos projectos pelos quais Saidia espera são dois hotéis de propriedade marroquina e de gestão concessionada aos grupos Pestana e Pierre & Vacances.
Guia prático
A linha de praia impõe-se à volta dos hoteis de Saidia, apesar do campo de golfe, das piscinas, dos campos de ténis, do campo de tiro e de uma ciclovia acabada de fazer em Maio
Quando ir
A estação do ano mais procurada é o Verão, por causa da praia e de esta ser o principal produto turístico da região, mas isso não é lei. A região Oriental vai desde o norte com clima mediterrânico ao sul pré-saariano, desde a imensa costa mediterrânica ao oásis de Figuig, desde a fronteira da Argélia à cordilheira central do Rif, uma diversidade climática e de paisagem apelativa.
Como ir
Há dois modos de ir, no Verão e fora do Verão. A diferença entre eles mede-se em número de horas gastas em viagem. De Verão, demora cerca de duas horas a chegar de Lisboa ou Porto até ao aeroporto de Oujda, em linha directa. No resto do ano, demora cerca de oito horas, saindo de Portugal com escala em Casablanca e depois Oujda.
Os dois voos directos semanais para Oujda, um de Lisboa e outro do Porto, recomeçaram no passado dia 12 de Junho e vão até 18 de Setembro, com charters operados pela Abreu, Viajartours e Soltrópico. Com os voos directos, a distância até à estância balnear mais oriental de Marrocos reduz-se de oito horas para hora e meia e evita a escala em Casablanca. Os preços para uma estadia de oito dias/sete noites com tudo incluído, nos três resorts de topo, começam nos 580 euros por pessoa e vão até aos 1200 euros, consoante o tipo de alojamento.
O aeroporto de chegada é Oujda, seja o voo directo ou com escala. A ligação de autocarro de Oujda para Saidia está incluída nos pacotes para Saidia. Fora do Verão, o hotel de destino pode ajudar a resolver o serviço.
Os guias locais são uma possibilidade para as excursões, com aluguer de transporte local e prévia negociação de preço. A outra alternativa é pedir o serviço ao balcão do hotel, desde uma viagem mais privada, e por isso também mais cara, ao aluguer de mini-autocarros para grupos de 15 pessoas com serviços de agências locais e até de uma associação especializada cujas receitas revertem para acções de alfabetização da comunidade. Um passeio de um dia num grupo pode rondar os 50 euros por pessoa. Qualquer que seja a opção, tratam-se de serviços em que a economia local é principiante, em contraste com o tipo de turismo em que aposta.
Para opções de férias fora de Saidia é preciso procurar alternativas como o aluguer de carro ou a negociação com um motorista local. Se preferir jogar mais pelo seguro, peça referências no hotel. A oferta turística da região está ainda pouco treinada para responder a férias fora da época alta e fora dos locais mais frequentados. Para muitos, esse é um motivo de atracção.
Onde dormir e comer
A oferta de qualidade está concentrada em Saidia (Be Live, Iberostar e Oriental Bay Beach) e em Oujda (Atlas Terminus e Atlas Orient), a preços acessíveis. Para o interior, os alojamentos são mais modestos, mas encontram-se locais acolhedores. Os domingos nas montanhas Beni Snassen são uma boa proposta para almoço e para conhecer os hábitos locais. O prato típico que as tendas e restaurantes da zona oferecem e que as famílias de Berkane procuram é o cabrito e borrego.