Fugas - Viagens

O miradouro triunfal do Arco da Rua Augusta

Por Por Luís J. Santos, Vera Moutinho (vídeo)

Habituámo-nos a olhar para ele sempre de baixo para cima. Aos 138 anos, mudamos a forma de veneração: o Arco da Rua Augusta abre o seu terraço e oferece a Lisboa uma panorâmica a 360º do centro histórico e ribeirinho. Um eterno, vivo e luminoso postal ilustrado.

José João queria mesmo "ser o primeiro". Às 9h já estava à frente da porta verde que agora mais olhares atrai na Baixa, a que dá acesso ao novo elevador que nos leva ao mais desejado dos miradouros de Lisboa. Mas, nesse dia de 9 de Agosto, a manhã era reservada apenas a convidados para a inauguração. Terminada a festa, a porta fechar-se-ia. E, para que o povo não esperasse mal informado, alguém até escreveu à mão e a esferográfica a informação vital numa página A4 afixada com fita-cola na porta. Tudo o que era preciso saber: "Reabre às 14 horas. Open at 2 pm. 2,5€".

Vai daí, o senhor José João, 60 anos, vindo do Pinhal Novo, teria mesmo que esperar cinco horas até poder tornar-se o primeiro cliente oficial a entrar, bilhete comprado, máquina fotográfica bem apetrechada a tiracolo, para o tão noticiado elevador do (agora) restaurado e imaculadamente limpo Arco da Rua Augusta. Mas o que são cinco horas face ao quase século e meio que a cidade teve que esperar para ter acesso público a este triunfal miradouro? Como muitos lisboetas e visitantes, o paciente José João habituou-se, diariamente, a ver o arco e a sua profusão de detalhes, de relógio a alegorias e esculturas, de baixo para cima. Particularmente, porque trabalhou muitos anos na Baixa, desde os anos de 1960. "É um momento muito importante para mim", diz-nos, já com a porta das visitas a entreabrir-se. A entrada oficial do primordial cliente até se atrasa uns minutinhos por causa da Fugas, que ainda ouve José João a confessar: "Uma das aspirações que eu tinha era poder subir lá acima". Eis chegada a hora da ascensão.


Rumo aos 360º

A experiência começa pela compra do bilhete numa recepção minúscula, contingências do espaço disponível. O que também faz desde já prever filas algo longas e bons tempos de espera - no primeiro dia, aguardavam umas dezenas, nos dias seguintes já vimos filas de uma centena de pessoas a crescer pela Augusta. A ajudar, refira-se que também há limitações quanto ao número de visitantes que podem estar no topo em simultâneo: por razões de segurança, não mais de 35. Antes do almejado clímax, uma rápida subida de poucos segundos num elevador vulgaríssimo. O que cria uma curiosa desilusão em alguns visitantes, esperançosos quiçá de um elevador panorâmico, por mais impossível que fosse a sua colocação no monumento ou nas estruturas adjacentes.

Há uma sensação de quase descobridores nos elementos do primeiro grupo que sai do elevador. Sente-se uma curiosidade (com adrenalina) no ar assim que nos apercebemos estar, finalmente, por trás das estátuas que encaram a Praça do Comércio. Mas ainda antes de chegarmos ao topo, tempo para descobrir que há mais a ver que as vistas: ainda há uma sala imponente a admirar e teremos dois lanços de escadas a cumprir - o que torna virtualmente impossível a visita para muitas pessoas de mobilidade reduzida, uma situação que seria explicada ao PÚBLICO pelo presidente da autarquia alfacinha, António Costa, com as "limitações impostas pela Direcção-Geral do Património Cultural" ao projecto de intervenção no monumento.

No Salão do Relógio, onde se concentra a maquinaria, a solidez da pedra é iluminada por uma transcendental clarabóia. Ao centro, um enorme painel expõe, em resumidas legendas e imagens, a história do arco triunfal e da Baixa, de como começou a ser planificado durante o período de reconstrução pombalina, avançando-se com a ideia da sua construção logo em 1758, mas que, atravessando o período de demissão do marquês de Pombal (em 1777) e o reinado de D. Maria I, só seria construído, na sua versão final, segundo um projecto do arquitecto Veríssimo José da Costa, entre 1873 e 1875. Mas os primeiros visitantes que acompanhamos já têm o seu plano de acção bem definido: guardar esta sala para o regresso, que a ansiedade panorâmica é forte de mais. Agora sim, um novo lanço circular de escadas vai levar-nos, como dizia um visitante, "ao céu".


Uma vista do arco-da-velha

Emergimos para o amplo terraço que nos abre a esta Lisboa histórica e ribeirinha, a Lisboa-símbolo do renascimento pós-terramoto, que guarda os sinais das conquistas, descobertas e revitalizações. Abrimos os olhos de par em par e recebemos um súbito postal que não deixa ninguém indiferente. A beleza a 360º deste organizado caos milenar, do casario a subir colinas, a desenhar-se nas perfeitas linhas pombalinas, numa visão única de toda a rua Augusta a abrir-se à nossa frente e cujo desenho de calçada é uma obra-prima que só daqui temos a oportunidade de admirar na sua plenitude pela primeira vez, do castelo a marcar o horizonte, ao Tejo em arco até à ponte e à foz... E, especialmente, estamos debruçados sobre esta nobre praça, de um imponente vazio real quebrado pela centralidade da (também restaurada) estátua equestre de D. José, que, no espaço traçado a pedra lioz, nos vira as verdes costas e, como nós, concentra as atenções no Cais das Colunas. É um novo olhar por este que foi o centro de todo o poder em Portugal e que é hoje a sala nobre de todas as visitas.

Também de olhos arregalados, e máquina fotográfica a metralhar fotografias, o senhor José João corre de um lado para o outro do terraço: "Superou todas as minhas expectativas", diz, elevando quase cada sílaba. O resto do grupo, curiosamente composto quase totalmente por portugueses, segue o mesmo ritmo, desfilando superlativos à mesma velocidade que capta fotos. "Deslumbrada!", confessa-se Isabel Machado, de Odivelas, com uma alegria contagiante. Mas mesmo "deslumbrada com esta maravilhosa vista". E, para o caso de ficarmos com dúvidas, ainda lhe há-de sair mais um "deslumbrante!". Ao seu lado, a cunhada, Maria do Rosário Machado, há meio século emigrada na Suécia, resume saudade e paisagem em poucas palavras. Atira o olhar em volta e lança-nos um "Portugal é lindo!". Está tudo dito.

Por aqui, estamos agora atrás da Glória, que coroa um alado Génio e o Valor, figura feminina protegida com leão - são as esculturas de Anatole Calmels que rematam o topo do arco. Mais abaixo, mas a admirar de fora, temos ainda Viriato, Vasco da Gama, D. Nuno Álvares Pereira ou o Marquês, ladeados por alegorias ao Tejo e Douro, tudo obra do escultor Vítor Bastos. No centro do terraço, um sino marca a hora (na verdade, cada meia hora, sincronizado com a máquina do relógio do arco).

Ali ao lado, um jovem casal madeirense, recém-chegado do Funchal, vai-se fotografando para mais tarde recordar. Gonçalo Aguiar elogia esta "perspectiva de Lisboa que nunca tinha tido" e Marta Freitas, que até estudou em Lisboa mas não vinha cá há algum tempo, confessa: "Agora, ao rever desta forma Lisboa, até pensei: "Tenho perdido tanta coisa"". Marta, já em avançado estado de gravidez, diz que o passeio ao topo do arco valeu bem a pena, com mais ou menos escadas, porque daqui percebe-se tudo, "a riqueza da arquitectura, o rio, a catedral, o castelo... Vir cá acima dá para colocar na memória os pontos principais da zona da Baixa". Ou, como uma mais sintética visitante espanhola nos diria, Marí Cruz, chegada de Madrid, é uma vista "muy bonita, muy espectacular, muy recomendable", é ver a cidade "como se estivesses "fora" da cidade".

Tudo em linha com o que personalidades como o autarca António Costa ou Vítor Costa, o presidente da Associação Turismo de Lisboa (que gere o espaço e investiu 950 mil euros na instalação do elevador, restauro do arco - que "antes estava todo preto", como lembrou o responsável - e demais trabalhos para o projecto), comentaram a propósito desta nova atracção: "Um miradouro extraordinário", disse o primeiro; "parece que estamos no primeiro balcão de uma sala de espectáculos", disse o segundo, referindo-se ao recuperado Terreiro do Paço.

E é um facto. Em poucos anos, com a saída de poderes vários, o Terreiro tornou-se uma "sala" de espectáculos, com a recuperação do Cais das Colunas e da vizinha Ribeira das Naus e com a reinvenção de vários espaços abertos ao público, quer museológicos e expositivos (particularmente, o Lisboa Story Centre, que conta as memórias da Baixa e da cidade, incluindo uma sala que treme o terramoto), quer restaurantes, lojas, bares ou até discotecas.

Agora, com o novo miradouro do Arco da Rua Augusta, temos, definitivamente, a cereja no topo do bolo. "Às Virtudes dos Maiores, para que sirva a todos de ensinamento", lê-se em devido latim inscrito sob a Glória e entre o Génio e o Valor.

__________
Informações

Horário: Abre diariamente das 9h as 19h 
Preços: 2,5€ (crianças até cinco anos grátis). Existe o pack Lisboa Interactiva que junta as visitas ao arco e ao Lisboa Story Centre (adulto 8€, sénior 6,5€, crianças até cinco anos grátis, crianças seis-15 anos 4,5€, família de dois adultos + duas crianças 24€)
Sites: www.lisboastorycentre.pt | www.visitlisboa.com

Luzes sobre o Arco
Até 18, é projectado um "show" multimédia sobre o arco e fachadas. Ascende a Glória às alturas, soldados tomam o Castelo, caravelas ondulam na pedra, formam-se mapas e alegorias, navegadores arriscam a vida sobre a Augusta que, com toda a área vizinha, logo se esvai em terramoto para depois reerguer-se numa Baixa ao esquadro. "Arco de Luz", de Nuno Maya e Carole Purnelle, tem diversas sessões nocturnas.
__
[Artigo actualizado com reportagem do primeiro dia das visitas ao miradouro]

--%>