Não contem comigo para fazer grandes elogios ou impiedosas críticas aos parques temáticos, são o que são, eu apenas vim para ver a praia. Enquanto a praia não abre, o melhor é dar mais um voltinha. La Aventura de Scooby-Doo, grau de intensidade suave. Tenho um Pase Correcaminos, pulseira mal educada que permite passar à frente de toda a gente, mas desta vez decido esperar na fila. Até porque não há fila.
- Olá.
- Olá.
- Como te chamas?
- Henrique.
- E tu?
- João.
- Estás sozinho?
- Sim. E tu?
- Também.
- Então podemos ir juntos.
- Não te importas?
- Não, mas tens que me ajudar a matar os fantasmas.
- Que fantasmas?
- O fantasmas que ameaçam o Scooby-Doo e o Salsicha.
- Quem é o Salsicha?
- O dono do Scooby-Doo
- Ah...
- Pega na arma.
- Está bem. E agora?
- Dispara...
- Para onde?
- Para os fantasmas. Tens que conseguir matar os teus fantasmas.
- Falar é fácil.
- Dispara, não tenhas medo. Eu já tenho 300 pontos.
- Estou a tentar...
- Não mates o Salsicha!
- Não matei o Salsicha!
- A minha arma não está a funcionar.
- Já acabou.
- Já acabou?
Bonito, bonito teria sido esperar 45 minutos, às vezes uma hora, como a maioria dos miúdos, mas o que é que um adulto há-de fazer?, trabalho é trabalho e estou aqui para experimentar o máximo de atracções possível. E ir à praia, é claro, mas isso fica para mais logo. Saio da Cartoon Village, casa dos Looney Tunes, o maior espaço infantil da Espanha, e sigo em direcção às Cascatas Selvagens. Está calor, cheira-me a água, a fila é enorme. Passo à frente de toda a gente, desta vez tem mesmo que ser, e colo-me à cancela da entrada, meio envergonhado, observado da cabeça aos pulsos.
- Quanto custa a pulseira? – arrisca uma menina mais arisca, 13 anos, porventura, cara de muitos amigos, muitos deles na fila, como ela.
- Não sei, foi oferecida.
- Que sorte.
- Há quanto tempo estão à espera?
- Meia hora – reponde, franzindo o sobrolho.
- Meia hora não, mais de 45 minutos – diz a amiga, a mesma idade, mais temperamental.
- E vale a pena?
- Vale. Já é a segunda vez seguida que fazemos.
É só fazer as contas.
É a minha vez, entretanto. Peço desculpa, eles dizem que sim com a cabeça e entro no comboio, juntamente com uma série de adolescentes, vários com Trissomia 21. Estão em grupo, um adulto a acompanhá-los. Um, dois, três, lá vamos nós, subida inclinada, ligeira paragem, momento de suspense, descida e... já está. Foi rápido, afinal, não custa nada, estou molhado da cabeça aos pés, estamos todos, mas não tarda já estou seco outra vez, assim é Madrid.
- Só mais uma. Só mais uma. Só mais uma – gritam os meus colegas com Trissomia 21, um sorriso de orelha a orelha que jamais conseguirei reproduzir.
Poucos metros ao lado, outro grupo, rapazes entre os 13 e os 18, porventura, trajados a fato treino azul e emblema do Atlético de Madrid ao peito. O objectivo aqui não é marcar golos, mas deitar abaixo três baldes de lata a pontapé. Duas tentativas por moeda, bola colocada a pouco mais de cinco metros de distância, o que é que poderá falhar? Um, dois três, quatro, cinco, meia equipa e ninguém consegue deitar os baldes abaixo, ficam sempre dois, ou apenas um, que futuros profissionais são estes?
- Devagar, devagar, não chutem tanta força – sugere o rapaz da barraca, ansioso por oferecer um peluche de consolação.
- Jogam no Atlético de Madrid? – pergunto a um deles.
- É uma filial – responde-me, sorriso cabisbaixo.
Há vários jogos do género, basta tirar umas moedinhas do bolso, que nos parques temáticos, como na vida, os desafios são pagos à parte. Não resisto a, também eu, tentar a minha sorte. Três euros a troco de um lançamento livre. Se meter a bola de basquete no cesto levo para casa um cão gigante. Simples mais simples não há. Terei que despachá-lo no porão, coitadito, mas compensa a indelicadeza e a demora. Seria bem engraçado chegar a casa com um rafeiro madrileno debaixo dos braços e sempre poupava uns quinze ou vinte euros no presente da praxe.
Lançamento falhado, claro está, redondamente falhado. Não há cá cão para ninguém.
As montanhas-russas
Vim pela praia, eu sei, já lá vamos, mas enquanto não abre o melhor é mesmo experimentar as montanhas-russas, até prova em contrário os grandes embaixadores dos parques temáticos. Há dois tipos de pessoas (há várias, na verdade, mas dá sempre jeito utilizar esta expressão): as que adoram adrenalina, gente corajosa que faz fila para enfrentar o perigo; e as outras, aquelas que dispensam andar de pernas para o ar a mais de 100 km/h. Ficam por norma, sentadas, a observar, a guardar os pertences dos aventureiros. Os adolescentes, corajosos por defeito e natureza, não entram nestas contas. Eu sempre me inclinei mais para o segundo grupo, ainda que, por uma questão de imagem e bom senso, nunca guarde os pertences de ninguém, mas desta vez arrisco. Já dei uma vista de olhos ao press release que a organização distribuiu pelos jornalistas convidados e fiquei a saber que, além de ter sido inaugurado oficialmente na Primavera de 2002 por Christopher Lambert e Bo Derek (!), o Parque Warner Bros Madrid ostenta desde 2006 o título de parque temático mais seguro de Espanha. Não é agora que vai acontecer alguma coisa, pois não?
Começo pela Coaster-Express, uma das atracções-estrela, enorme construção em madeira, a maior e mais larga na Europa com este material, capaz de atingir os 95 quilómetros por hora num percurso que vai para além dos mil metros. De lá de cima vê-se o mundo, prometem-me. Não é bem o mundo, mas é quase todo o Parque Warner Bros, vejo-o agora que abro os olhos por um instante, só um instante. Cerca de 700 mil metros quadrados, seis zonas temáticas (Hollywood Boulevard, Warner Bros Studios, DC Superhéroes World, Old West Territory, Cartoon Village e o novo Parque Warner Beach), 38 atracções, um mundo a meus pés, ainda que os pés e as costas tremam e sofram mais do que seria expectável. Não é medo, é mesmo da madeira. Tal como nos carros, quanto mais moderno é o modelo, maior é a sensação de segurança, mesmo que a velocidade seja superior. A Coaster-Express é isso mesmo, uma espécie de carro de colecção, um Mercedes antigo em que apenas podemos andar de quando em vez. Seguro, é claro, a segurança aqui não é uma brincadeira, já o disse, mas de outro tempo.
Abro o mapa do parque à procura de mais opções. Andar ao acaso é fundamental, mas é sabido que os melhores momentos, mesmo os inesperados, carecem de alguma orientação. A lista de montanhas-russas e atracções radicais não é muito extensa, mas é de qualidade. Eis algumas delas: Batman, La Fuga, no coração de Gotham City, uma montanha-russa de tipo invertido com 31 metros de altura, cinco inversões, mais 500 metros de percurso que se completam em 40 segundos a uma velocidade de 83km/h. Só para valentes, avisam; La venganza del Enigma, “la torre de caída más alta de Europa y la segunda del mundo”, com 115 metros de altura, capaz de atirar os corpos para cima e para baixo a 100km/h; ou ainda Superman: La Atracción de Acero, a mais famosa da casa, anunciam. Simula um voo a mais de 100 km/h através de sete inversões e várias quedas livres, a primeira desde 55 metros de altura. A única na Europa onde os passageiros não podem colocar os pés, ficando a bailar (ou a espernear) durante mais de dois minutos. O mais alto, o mais extenso, todos os parques têm um fascínio pelo Guinness. Ainda assim, convencem-me.
Lá entro, mais uma vez sem passar pela fila, mas cada vez menos culpado — a culpa vai desaparecendo à medida que aumenta o cansaço, neste caso é precisamente o contrário da vida, ainda que a vida também seja isto — e sigo para o meu lugar, pezinhos no ar, uma rima fácil, um pensamento bom, para afastar o medo. Lá vou, lá vamos nós, desta vez todos iguais, com ou sem pulseira, crianças e adultos. Arrependo-me à primeira queda, 55 metros são 55 metros, abro os olhos, na esperança de me ver por ali, quero ir-me embora, penso em tirar o cinto que nunca sairia mesmo que quisesse muito, apresso-me a concluir que tudo isto talvez tenha sido um erro, e de repente lembro-me de uma passagem do livro A Paixão de Senna, de Rui Pelejão, que li recentemente, pela altura do 20.º aniversário da morte do piloto brasileiro. Narra uma qualificação para o Grande Prémio do Mónaco (1998), em que Ayrton fez uma sequência de voltas impressionante. Quando instado a comentar a sua prestação, deixou implícito que terá sido conduzido por Deus. “Eu estava superando-me a cada volta e, simplesmente, entrei em outra dimensão. Por causa da velocidade, as referências de espaço e de tempo se modificaram. Não via a pista, ela tinha virado um túnel. A distinção entre o homem e a máquina deixou de existir, me fundi com o carro, virámos a mesma coisa. Foi então que tive um despertar de consciência, senti uma agulhada e acordei para a situação de extremo perigo em que estava. Meu corpo ficou a tremer e fui para as boxes e fiquei morrendo de medo.”
Eu não tive nenhuma experiência extra-sensorial, não encontrei Deus nem sequer a mim próprio, mas recordar este momento foi o suficiente para fechar os olhos e deixar-me ir, corpo morto, cabeça bamba, empurrado por uma máquina de embalar sensações que, por mais falsa que seja, durante dois minutos teve o condão de me levar para uma planície onde, salvo raras e honrosas excepções, já não me encontrava desde a infância. Será por momentos como este que há tantos adultos viciados em parques temáticos? Há mesmo quem lhes chame de “Papa Disney”.
Praia de sonho
Mas isto não é a Disney, já se sabe, por muito que seja inevitável a comparação. Convencer uma criança a ir ao Parque Warner Bros em detrimento da Disneyland Paris será mesmo uma das maiores dificuldades dos pais, daí também a aposta num espaço como o parque aquático Warner Beach. A praia, finalmente. A praia que Madrid nunca teve. Mais de vinte meses de obras, um investimento de 8,5 milhões de euros, 30 mil metros de área e capacidade limitada a 4000 pessoas. Cabe à modelo e actriz espanhola Laura Sánchez cortar a fita, ela que não tem a fama internacional de Bo Derek, mas que é uma cara muito conhecida em Espanha. Elogia o projecto e promete voltar com os filhos. Para a zona VIP, certamente, uma área mais reservada com areias vindas directamente das melhores praias californianas.
Queria ver com os meus próprios pés, tirar a temperatura à água, medir o ambiente, mas não foi possível, uma vez que a abertura ao público está reservada para daqui a três dias (20 de Junho). Dá, ainda assim, para tomar o pulso às atracções. Além de areia, há relva, se não é parece; há palmeiras, não são nem parecem; espreguiçadeiras coloridas; duas piscinas de ondas, uma para adultos e outra para crianças; dois parques de jogos aquáticos animados pelos Looney Tunes; e ainda um rio (Río Loco) situado no centro do parque, com mais de 400 metros de cumprimento e três metros de largura, decorados com personagens Hanna Barbera. Para comer, dois espaços de restauração autónomos: um self-service dedicado aos Flintstones e uma cabana de praia com fast food à là Scooby- Doo.
Volto ao parque propriamente dito, cruzo-me com a Marilyn Monroe, em carne e osso, pose e roupas americanas, pernas espanholas — devidamente acompanhada pelos seguranças, como não poderia deixar de ser — e sento-me num banco, à sombra, que o dia já vai longo e chega de aventuras. É dia da semana, a altura é de férias da escola, mas não ainda férias de família, por isso o que mais se encontra são grupos. Grupos de crianças, grupos de adolescentes, visitas de escola, crianças aos pares, sozinhas, à solta, sem pais, esses chatos, especialistas em reprimir desejos a alimentar birras.
Pergunto a uma empregada se isto é sempre assim, ela diz que ao fim-de-semana e durante os meses de Verão as pessoas vêm mais em família, mas que, apesar de tudo, muitos combinam um ponto de encontro e deixam as crianças à vontade.
Quantos de vocês, quantos de nós, deixaríamos uma criança sozinha num grande parque temático? O Parque Warner Bross é um grande parque temático, mas não monstruoso o suficiente para que alguém se sinta verdadeiramente perdido.
- Levam dinheiro para comer e comprar água? – pergunta um monitor, provavelmente professor, a um grupo de pré-adolescentes. A conversa teve lugar por volta das onze da manhã, ainda o sol madrileno era uma criança.
- Sim – respondem em coro.
- Têm o telefone?
- Sim.
- Onde nos vamos encontrar?
- Aqui.
- A que horas?
- Às seis, depois dos espectáculo da Academia de Polícia.
- Todos têm chapéu?
- Sim.
- Não tirem o chapéu. Nem gastem as moedas todas nos jogos.
- Sim.
- Podem ir
E lá foram eles. Uns a correr, outros mais devagar, a controlar e disfarçar a excitação, porque já não são crianças, o que eles gostavam mesmo era de ter feito uma viagem de finalistas a uma estância balnear qualquer. Vejo-os chegar agora, quase um dia de trabalho depois, encharcados da cabeça aos pés, prontos para entrar no autocarro e fazer a viagem de regresso até à pequena cidade de Léganes.
No banco ao lado do meu, um rapaz e uma rapariga. Ele não mais do que dez anos, ela nunca mais do que quatro ou cinco. Têm ambos o número de telefone tatuado no braço, a letras bem visíveis. Estão cansados. Esperam alguém. Ela deita a cabeça sobre as pernas dele e adormece.
- Podemos voltar quando o parque aquático estiver aberto? – diz num espasmo.
- Temos que pedir aos pais.
GUIA PRÁTICO
Como ir
Indo em família e estando Madrid a uma mão cheia de horas de distância, o carro é sempre uma boa opção. O parque está situado a apenas situado a 28km a sul da capital espanhola, em San Martín de la Vega. Também há autocarros que fazem ligação com a cidade grande (www.busparquewarner.com/). O avião é outra das possibilidades. São várias as companhias com ligação directa desde Portugal, da portuguesa TAP às companhias de baixo custo. A Fugas voou na Air Europa (www.aireuropa.com/) a partir de Lisboa. Os preços para o mês de Julho rondam os 120 euros.
Quando ir
O Parque Warner Beach estará aberto até final de Setembro. As outras zonas continuam abertas até Dezembro, ainda que a partir da primeira semana de Setembro funcionem sobretudo ao fim-de-semana. As portas apenas estarão completamente encerradas nos meses de Janeiro e Fevereiro. Sabendo o tempo que faz em Madrid durante Verão, o melhor é preparar-se para muito sol e transpiração. Algo que o parque aquático vem ajudar a compensar.
Onde comer
Que ninguém vá para um parque temático à espera de comer comida tradicional ou pratos de autor (lá chegará o dia), mas a verdade é que parece haver cada vez mais cuidado no que se refere às refeições. O Parque Warner Bros não é excepção. Não faltam os mui simples cachorros quentes, pizzas e massas, mas também espaços onde é possível comer calzones caseiros, saladas variadas e uma espécie de cantina com vários pratos do dia, do frango assado no forno à paella, até um ou outro prato de peixe.
Onde dormir
O parque não tem hotel integrado. Ficar no centro de Madrid é sempre uma boa opção. Ainda assim, para aqueles que quiserem evitar a confusão, há várias opções à disposição nas redondezas, se bem que não tenham o mesmo charme. Nós ficámos instalados no Ab Ribas (www.hotelabrivas.com/), a cerca de vinte minutos de distância. Hotel que tem pacotes especiais em conjunto com o parque. Uma noite em quarto duplo com direito a entrada está disponível a partir dos 108 euros.
Parque
O Parque Warner Bros é dividido em seis zonas temáticas: Hollywood Boulevard, com edifícios estilo art déco e um teatro (Teatro Chino) que é uma réplica do que se encontra em Hollywood; Warner Bros Studios, inpirada nos estúdios de produção da Warner Bros, em Burbank, na Califórnia; DC Superhéroes World, a terra dos Super-Heróis, da Metrópolis de Super-Homem à Gotham City de Batman; Old West Territory, espaço que recria os cenários de filmes como Río Bravo ou Wild Wild West; Cartoon Village, a maior zona infantil de Espanha, onde é possível encontrar personagens como o Pato Lucas, Bugs Bunny ou Silvestre; e o recente Parque Warner Beach, parque aquático autónomo com praia, areia e um rio que tenta transportar os veraneantes para as paisagens da Califórnia e das Caraíbas. No total são 38 atracções (divididas em três graus de intensidade, suave, moderada e intensa), 11 lojas onde é possível comprar todo o tipo de recordações, três pontos de jogos e 58 representações diárias de 18 espectáculos diferentes. A actuação da Academia de Polícia, com muitos tiros, perseguições e cenas de filme é um dos espectáculos maiores. Decorre num espaço ao ar livre com capacidade para 2500 pessoas. Esta temporada estreia o novo musical El museo de cera - el Musical, protagonizado por Scooby-Doo e amigos.
Preços
Há combinações de preços para quase todos os gostos, idades e famílias, o melhor talvez seja mesmo consultar o site do parque (www.parquewarner.com/), se bem que o preço indicativo possam ser os 25,90€. Desde que o bilhete seja comprado com sete dias de antecedência. No mesmo dia custa 39.90€. Também há desconto para famílias ou grupos numerosos. A entrada no Parque Warner Beach é paga à parte, custa 14,90€. Já o passe Correcaminos está disponível por mais sete euros.
A Fugas viajou a convite do Parque Warner Madrid, da Air Europa e do Sercotel AB Rivas