Entra no eléctrico, senta-se ao nosso lado e não tarda a meter conversa. É chileno de nascença, sueco desde pequenino, professor de música, dá aulas a crianças, toca vários instrumentos e confessa que nunca se aventurou a vestir a pele de homem-orquestra. Também canta, mas não será o seu forte. Comenta o tempo, está sol e bastante calor neste final de tarde, e as ruas estão apinhadas de gente que sai do trabalho, que espera nas paragens, que passeia pelas ruas, que vai beber um copo antes de ir para casa — alguns já têm o fato colante de jogging no corpo e auriculares nos ouvidos.
Pergunta-nos educadamente o que fazemos por ali. Contamos ao de leve. “Tens aí um mapa da cidade?”, pergunta-nos. Enfiamos os olhos na carteira, remexemos e remexemos e não encontramos. “Espera um segundo.” Pedimos um emprestado a uma colega de viagem sentada alguns bancos mais à frente. “Aqui está.” Pega numa caneta preta e assinala alguns locais a visitar com uma breve explicação. Fala-nos sobre a importância de aprender música desde cedo, como ali acontece, quer saber como funciona o sistema de ensino da música em Portugal. Explicamos que é como tudo na vida, há opções para vários gostos e carteiras e qualquer idade. Revela-nos que está prestes a casar e que irá passar a lua-de-mel a Lisboa em Agosto. “A sério? Que coincidência!”, exclamamos.
Quer saber o que há para visitar, põe-nos o seu telemóvel nas mãos e pede-nos para escrever alguns sítios em português não vá a memória esquecê-los e para ajudá-lo na pesquisa que fará antes de partir. Vai soletrando alguns nomes, olha-nos à espera das correcções. “‘Ba-rro A-to’. É assim que se diz?”. Ri-se e repete. Chega à sua paragem, agradece as dicas, despede-se com um sorriso e um aperto de mão e vai à sua vida. A viagem foi curta, a conversa veloz. Tão veloz que o nome do chileno sueco, de pele morena, aliança de comprometido no dedo, se desvaneceu no meio de tantas frases trocadas num eléctrico azul de Gotemburgo. Não deverá faltar muito para andar pelas ruas de Lisboa.
Está sol. Mais de 25 graus. Depressa arrumamos as camisolas mais quentes, as meias e os agasalhos da noite para o fundo da mala. Mas o que faz um impermeável verde até aos pés no meio da roupa? E porque nos esquecemos do biquíni? A piscina ao ar livre no meio da cidade, e que quase destoa da paisagem, está lotada de suecos com vontade de refrescar o corpo — vimo-la de relance na viagem do eléctrico azul. Os mais pequenos chapinham na água, os adultos mergulham, alguns procuram protecção à sombra das árvores. O sol é muito bem-vindo no Norte da Europa e aqui não é excepção. O tempo frio, as poucas horas de sol, a neve que cai e que em algumas ruas é automaticamente derretida por um sistema que aquece as pedras da calçada, já lá vão. Chuva? Nem vê-la. O céu dá-nos sol. Muito sol e calor.
Na cosmopolita Gotemburgo, na costa Oeste da Suécia, moram cerca de 500 mil habitantes que têm à disposição um território sem grandes inclinações — vislumbraremos uma elevação de terra a que chamam montanha, mas que para nós não passa de um pequeno monte. A cidade é praticamente plana, amiga das bicicletas com 486 quilómetros de ciclovias, com vários parques verdes que enchem em dias de sol. Há casais que estendem a toalha de praia e se espreguiçam na relva no fim de mais um dia de trabalho. Há amigos que se encontram para combinar o que fazer à noite. Crianças que brincam, andam de bicicleta, aproveitam a água que sai de um chafariz para molhar a cabeça e o resto do corpo. O clima está óptimo, melhor do que alguma vez imagináramos, e por nada deste mundo Gotemburgo desperdiça esse abençoado tempo. Há gente nas esplanadas, nos cafés e restaurantes, nos parques e ruas, nos barcos que passeiam os turistas que não dão descanso ao rio. “O que se passa ali? É um casamento, não é? E aquela ali deve ser a noiva, não?”, perguntamos a Stefan Gadd, do Turismo de Gotemburgo, que nos dá as boas-vindas depois de arrumarmos as malas no hotel e sairmos para a rua. “Não é um casamento, é uma festa de final de ano dos alunos do liceu”, esclarece. Pelas roupas, juraríamos que seria um casamento se não reparássemos que os convidados são muito jovens. As aulas já acabaram e os alunos do secundário vestem os fatos de gala para festas que à porta de bares mais parecem casamentos à espera da boda.
Birgitta Ekesand é a guia sueca que nos conduzirá pela cidade e nos dará a conhecer alguns dos mais belos sítios de Gotemburgo, duas ilhas incluídas. Tem anos suficientes para nos avisar, subtilmente, que os suecos não perdoam atrasos, que a pontualidade é respeitada ao segundo. Os transportes públicos confirmam que assim é: quem conduz osferries cumpre horários de partidas e chegadas a terra ao milímetro. Birgitta também está contente com o calor que se faz sentir e ajuda-nos a compreender como se vive emGotemburgo. Avisa-nos que será difícil comprar o que quer que seja com os euros que trouxemos na carteira, o melhor é fazer o câmbio ou pagar com cartão de crédito. E os preços Birgitta, e os preços? A regra é simples e resulta por aproximação. Olha-se para os preços em coroas suecas, que normalmente têm mais números do que nos euros, e arredonda-se à décima, ou seja, coloca-se uma vírgula no número a partir da direita, e então pensamos em euros. Mais coisa, menos coisa. Gotemburgo é uma cidade nórdica e, por isso, tem um nível de vida acima da média, embora, à primeira vista, a luxuosidade não pareça andar a arrastar as asas pelas ruas.
Estamos numa cidade com história. Desconfiamos, mas quisemos confirmar. Birgitta tira as dúvidas. O rei que fundou a cidade em 1621, Gustavo II Adolfo, lembrado em imponentes estátuas erguidas em sua honra, chamou os holandeses para darem uma mãozinha na construção de Gotemburgo, que se afirmaria como um dos mais importantes portos da Suécia. E assim surgiram os vários canais que vão serpenteando ruas, parques, monumentos. Os canais são também uma forma de conhecer sítios de uma outra perspectiva. Voltinha de barco por Gotemburgo, a cidade sueca que descartou a possibilidade de ter metro na terra quando percebeu que não era boa ideia escavar em terrenos pantanosos. Pois, de facto, ainda não tínhamos visto escadas em direcção à terra. Tudo à superfície, portanto, e com muito orgulho e vaidade, como haveríamos de escutar da guia do nosso passeio marítimo.
O barco parte no rio e as vistas alargam-se por outros horizontes. Pelo meio das explicações nas doses certas — sem serem chatas ou debitadas a uma rapidez que o cérebro não consegue acompanhar —, das chamadas de atenção para a arquitectura das pontes, algumas delicadamente trabalhadas no ferro, surge um inesperado aviso. Uma ponte mais baixa do que o habitual aproxima-se e obrigará os passageiros a agacharem-se, quase a deitarem-se, abaixo do nível das cadeiras do barco sem tecto. Acreditamos? Acreditamos. Todos preparados para o momento, não somos muitos na verdade, mas todos se riem depois de passar por debaixo da ponte que ficou a centímetros das nossas cabeças. O passeio continua. Lá ao fundo, surge o imponente edifício, já lhe tínhamos deitado o olho sem saber patavina da sua história e achado uma certa graça. Oitenta metros de altura, 23 andares, um café no topo que, e não duvidamos, permite uma vista privilegiada de quem olha de cima. A cidade a seus pés. Gotemburgo gosta de alcunhas, não resiste ao lado prático da vida. Aquele edifício de escritórios, vermelho e branco, mais estreito no topo do que na base, não tardou a ser baptizado. É conhecido como lipstick, ou seja, batom. Há quem prefira chamar-lhe casa de Lego que, de certa forma, também faz jus à estrutura. A cidade é imponente na proporção certa. Há alguns edifícios altos, é certo, mas quem circula não sente prédios a destoar na paisagem ou a asfixiar ruas.Gotemburgo é moderna, mas tem uma costela antiga que se orgulha de preservar contra ventos e marés e incêndios também. Haga surge-nos então no roteiro. Birgitta abre-nos o apetite pelo caminho. “Tem muitas lojas de antiguidades”. Pois tem.
O charme de Haga
É sábado de manhã. A cidade desperta para mais um fim-de-semana quente, sem chuva nas previsões meteorológicas, sem os rígidos horários de um dia de trabalho. Haga — é assim que se escreve e que lemos, mas que em sueco soa a coisa estranha, como se palavra tivesse muito mais do que duas sílabas — enche-se de gente. Turistas e não turistas. Famílias com carrinhos de bebé — e havemos de sentir, por diversas vezes, queGotemburgo não sofre com a baixa natalidade —, jovens e menos jovens e, palpitamos, coleccionadores à procura de alguma peça que andará debaixo de olho. Apetece tanto ali estar e ali ficar.
Birgitta conta-nos a história do lugar. Haga era um bairro pobre de Gotemburgo, construído nos subúrbios em meados do século XVII. Morada da classe trabalhadora, dos homens que trabalhavam no porto, na indústria naval, na pesada e dura construção de barcos, e que partilhavam as pequenas casas de madeira. “Algumas com apenas um quarto e uma cozinha e casa de banho cá fora”, garante-nos. “Em 1940, ainda era um bairro com casas para os trabalhadores.” A madeira foi o rastilho perfeito de três grandes incêndios que destruíram muitas habitações, mas que não tiveram força suficiente para derrubar essa parte histórica da cidade. A ordem foi dada para que Haga não desaparecesse do mapa. O primeiro andar das casas teria de ser construído com betão, os dois andares superiores seriam de madeira para preservar o aspecto que tinha dado alma àquele lugar. Haga renasceu então das cinzas, levantou a cabeça, ergue-se para uma nova vida. Nos anos 1980, renovou-se, reinventou-se e tornou-se no que é hoje. Um bairro com carisma, a transbordar de charme, carregado de histórias, que apetece conhecer de cima a baixo e repetir lugares. Aquelas ruas têm coração porque nós sentimo-lo a bater debaixo dos nossos pés. Birgitta acrescenta mais dados interessantes à história. Foi ali que nasceu a primeira biblioteca pública da cidade. Foi por ali que surgiram os primeiros banhos públicos. E essa história não há fogo que consuma.
As ruas de Haga têm lojas de antiguidades que aproveitam os passeios como montras para mostrarem fabulosos vestidos do século passado tão bem estimados. Ou fantásticos chapéus com formas e feitios de tempos que já não voltam. Ou livros que tiveram vários donos e jóias que passaram por mais do que um pescoço e várias mãos. Encontramos lojas de produtos em segunda mão, móveis que terão vivido em várias casas e relógios com ponteiros de ferro. Em Haga, o velho e o novo misturam-se como se não houvesse amanhã. O bairro tem lojas de design de mobiliário e vestuário moderno, roupa e brinquedos de criança. Tem cafés com mesinhas de ferro e madeira nas ruas que vendem os bolinhos de canela típicos da Suécia mas numa versão XL. Birgitta assegura que o formato típico é bem mais pequeno do que aquelas bolas maiores que queijos. Haga tem restaurantes de decoração mais antiga com paredes forradas a papel e balcões em madeira. Os guias de papel recomendam a visita a esse centro comercial a céu aberto,cosy como adjectivam. Very cosy, acrescentamos nós com toda a propriedade.
Haga é um bairro pequeno, com imensa coisa concentrada em tão pouco espaço. Apetece percorrê-lo de um lado da rua, virar e passar para o outro lado para que nada escape num passeio que mereceria todo o tempo do mundo. E entrar noutra rua logo a seguir. O cenário é perfeito para recuar ao passado e descobrir os últimos gritos da moda e do design. Ao fundo da rua, está uma miúda que agarra num megafone que lhe distorce ligeiramente a voz que sai doce e quente. Recuamos, num ápice, aos anos 20 e 30 do século passado. Quem passa, não resiste a parar para ver a miúda de voz terna, de swing no corpo e na voz. Pequena na estatura, grande na voz. Senhoras e senhores, os Swing Tarturo que nasceram nas ruas de Gotemburgo no Outono de 2009 dão um pequeno concerto sem cobrar bilhete, recebem apenas o que cada um quiser dar. Ela tem um colar de pérolas, calças às riscas. Eles acompanham-na na voz e no vestuário à antiga. Um toca contrabaixo, outro guitarra, e o do trompete toca e faz sapateado. Nova Orleães? Porque não? Todos de sorriso generoso, brilho nos olhos, que acrescentam ainda mais charme ao bairro de Haga. Junto ao grupo, está um bebé num carrinho que conhece bem aqueles ritmos — arriscaríamos, sem quase margem para erro, que é filho de um casal da banda. Sentado no carrinho, dá saltos ao som da música sob o olhar atento de todos os elementos da banda. Nós batemos o pé e abanamos a cabeça em alguns momentos. Haga sabe tão bem sem guias turísticos por perto a olhar para o relógio. “É isto que fazemos para viver, se quiserem contribuir com alguma coisinha”, avisa um dos músicos no final do concerto que soube a pouco.
Festa em três pisos
Olhamos para uma parte do telhado que é de vidro e vemos que lá fora ainda é dia. São dez da noite. Voltamos a acertar o fuso horário na nossa cabeça para nos habituarmos que ali a noite cai mais tarde. Olhamos à volta e há festa. Muita festa neste hotel que decidiu comemorar a remodelação que lhe deu um novo look. A moda é a inspiração e os quartos têm manequins de prova às janelas, molduras juntinhas de vários tamanhos nas paredes, uma chaise longue ao lado da cama. O Scandic Rubinen, a nossa primeira morada em Gotemburgo, sabe tratar bem os hóspedes e reservou três dos sete pisos para a celebração que não tem hora para acabar. O DJ escolhe músicas e, vez em quando, canta algumas com microfone. Parece um pouco envergonhado quando os olhares lhe caem em cima no momento em que aquela música não é bem aquela música, está ligeiramente diferente com um anexo cantado em directo. Habituamo-nos e achamos piada. Há mulheres que dão as boas-vindas, vestidas com espartilhos que lhes moldam as silhuetas e conferem uma pitada de barroco ao cenário. Há vinho espanhol que sabe a champanhe e cerveja sueca. E comida à disposição num serviço self-service que não deixa esgotar qualquer prato. A festa está também no último piso, sétimo andar, no terraço do hotel com vista sobre a cidade que começa a adormecer. Anna percebe que não somos dali. Mete conversa e acompanha-nos na animada festa. Tem olhos azuis, lindos de morrer, pele branca, cabelo curto, assimétrico, o lado direito não é igual ao lado esquerdo. De onde é? Mas alguém duvidaria que é sueca? “Quem adivinha?”, pergunta-nos. Anna esclarece que não é sueca. Começam os palpites. Mas alguém se lembraria que é polaca? Ninguém. “Sou polaca, mas estou na Suécia desde os cinco anos.” O Scandic Rubinen continua animado e Anna quer saber mais sobre Portugal e dividimo-nos entre o que é bom e o que é mau. “Como se vive no vosso país?”. Bem, voltemos à festa.
Miguel trabalha neste hotel e sabe como se vive em Portugal. Filho de pai português e mãe sueca, chegou a Gotemburgo depois de ter trabalhado num hotel em Lisboa. Não olhou para trás e não se arrependeu. Está num cargo com menor responsabilidade, mas ganha mais. Entregamos-lhe a chave, agradecemos a estadia e simpatia, e Miguel responde-nos em português. Um, dois, três segundos, até percebermos que não estamos em Portugal. Miguel coloca-se ao dispor, guarda-nos as malas, volta a buscar as que afinal vão para o passeio. Vai e vem sem se chatear. Deseja-nos boa estadia na cidade que agora é sua. “E se precisarem de alguma coisa, estou aqui.”
As malas serão transportadas para outro hotel que era o local que recebia toda a correspondência de Gotemburgo. O edifício é imponente, a dois passos da estação de comboios e da central rodoviária da cidade, com uma praça cheia de bicicletas em frente e animação constante. O Clarion Hotel Post não passa despercebido por muitas razões. Aquele prédio tem uma piscina no terraço e uma vista a quase toda a volta. Está quase a fechar, mas pedimos uns segundinhos para tirar umas fotos. O hotel tem 500 quartos e várias salas para festas, apresentações de moda, despedidas de solteiros, festas de final de ano, tudo o que se possa imaginar. No hall está um marco do correio em tamanho gigante que é o check out express — paga-se no dia anterior e na hora da partida basta colocar o cartão do quarto no marco vermelho para evitar esperas. Na parede em cima dos elevadores, estão peças de carros dos correios espalmadas e que compõem um quadro. Aquela história é preservada com fotos antigas, a preto e branco, espalhadas pelos corredores, de antigos espaços dos correios, de funcionários que tratavam das cartas, da vida que ali se viveu. Abriu em 2012 como um hotel moderno. Tem ginásio, cabeleireiro, sauna, barbeiro, massagens.
Pérolas no mar
Anda-se bem no Mar do Norte. Gotemburgo tem pérolas espalhadas no oceano, pequenas ilhas, e alguns rochedos também, no arquipélago Norte e no arquipélago Sul — 10 em cada um que valem a pena conhecer, haja tempo para isso. O céu está limpo e a viagem de ferry é tranquila. A maior parte dos passageiros prefere a parte de cima do barco, sem cobertura, com vista privilegiada, uma ligeira brisa a arrefecer o corpo. Vrängö, a ilha de pescadores, fica a meia hora. Até lá, há algumas ilhas para ir espreitando mais ao perto, ou mais ao longe. Pé em terra e um pedaço de território pela frente que não parece comandado pelos ponteiros do relógio. Ali não há carros a circular, há bicicletas, motos verdes com atrelados à frente ou atrás, carrinho de golfe. As casas são de madeira, baixinhas, algumas têm janelas generosas. Há jardins com barcos à porta, caixas de correio azuis pintadas com flores coloridas, parques infantis no meio de tanto verde. Estamos numa comunidade de pescadores, numa ilha com cerca de 400 habitantes e onde o tempo passa devagar. Numa ponta da ilha, estão os barcos que trazem algum do melhor peixe e marisco que se comem em Gotemburgo. Uma marina comunitária, com bancos e mesas de madeira, colocados ali a pensar em famílias, e fogareiros à disposição. Não há muita gente naquela sossegada manhã. Os homens partiram para o mar, as crianças estão nos jardins-de-infância, as mulheres andam nas suas vidas. Alguns partiram para os seus trabalhos na cidade para só regressarem ao fim do dia.
Birgitta tinha-nos avisado dessa tranquilidade. Na viagem de eléctrico, antes de apanharmos o próximo ferry, tinha-nos dito. “Vamos conhecer duas ilhas do arquipélago Sul, habitadas por pouca gente, e onde não andam carros.” Pouco depois, o eléctrico enche-se de crianças com brinquedos de praia nas mãos. Birgitta mete conversa com uma professora de calções, alças do biquíni à mostra, pele branca a ficar rosada. “Estão de férias e vão para a piscina. Aqui os miúdos aprendem a nadar cedo, é obrigatório saberem nadar”, comenta.
Os ferries vão e voltam. Vrängö desaparece da nossa vista. Styrsö-Skäret aparece-nos à frente. À primeira vista não parece, mas esta ilha é maior do que Vrängö. Há mais gente, mais casas. Há homens de barba rija que passeiam os filhos em carrinhos de bebé. Há barcos, muito verde, crianças que brincam nos jardins, um lar de idosos, mais parques infantis. Muito verde e sossego que descansa os olhos. Aquele ar puro reconforta os pulmões. Do lado esquerdo, está uma pensão com vista para o mar. Era um antigo sanatório de crianças com tuberculose que entretanto foi remodelado e se transformou numa acolhedora guest house com 13 quartos decorados a dedo e com muito bom gosto, alguns com os suaves azuis do mar colados nas paredes. Entramos numa casa comnapperons em cima de móveis, chão de madeira antiga, papel nas paredes, uma velha máquina de costura, guardanapos de pano na mesa, cadeiras forradas com tecido do tempo das nossas avós. Cheira a casa. Há revistas e livros em vários compartimentos. E o cheiro que sai da cozinha confirma que ali se almoça muito bem. Uma sopa de cenoura de chorar por mais, peixe colocado no prato para as papilas gustativas baterem palmas de contentes. E reparamos, assim como quem não quer a coisa, que o laranja do salmão é lindo de morrer.
O peixe tem uma igreja
Gotemburgo orgulha-se da sua comida e tem razões de sobra para se gabar do que coloca à mesa. Os guias turísticos revelam que a cidade tem quatro restaurantes com uma estrela Michelin. Não os conhecemos, mas o que nos põem nos pratos é de comer e chorar por mais. Tão cedo não esqueceremos aqueles peixes, aqueles intensos sabores, aqueles pratos em que nada está fora do sítio.
O edifício gótico construído em 1873 assemelha-se a uma igreja e não demorou a receber um baptismo — já dissemos que os suecos em Gotemburgo não perdoam. É um mercado de peixe e marisco conhecido como a igreja do peixe. Fica-lhe bem o nome e faz jus ao que os olhos por ali encontram. Grande variedade de peixe e marisco que parecem ter saltado directamente dos barcos para as bancas cuidadosamente decoradas com tantos produtos do mar. O mercado não é grande: um corredor e bancas de um lado e de outro, um cheiro a mar. Não há pregões no ar. A qualidade fala por si.
No piso de cima da igreja do peixe, com vista para os vendedores, fica o Restaurante Gabriel, pai e filho — contam-nos que o filho detém o recorde do mundo a abrir trufas em menos tempo — tomam conta daquele espaço onde é preciso chegar cedo para arranjar lugar. Sobe-se as escadas e o cartão-de-visita não podia ser melhor: uma mesa com uma amostra da variedade de peixe que pode ser confeccionado e que parece que ali foi colocado há minutos. A sopa de peixe, servida num boião de vidro, tem uma consistência fora do comum — como se fosse e não fosse preciso mastigar, é complicado explicar o que aquela sopa provoca a quem a prova. Uma experiência gastronómica no melhor sentido da palavra. Como o peixe que há-de vir no prato com batatinhas a acompanhar.
Confessamos: quando fizemos as malas, a comida nunca passou pela nossa cabeça. Preferimos pensar noutras coisas. Mas três horas depois de aterrar em Gotemburgo, temos de nos render às evidências. A gastronomia merece lugar de destaque nesta cidade sueca. Os guias sabem disso e destacam-na a negrito nas palavras que lhe dedicam. “A costa Oeste, perto das águas frias do mar do Norte, faz de Gotemburgo um paraíso para os apreciadores de peixe e marisco. O acesso aos produtos cultivados localmente torna o Oeste da Suécia um dos destinos mais atraentes da culinária do Norte da Europa.” Frases promocionais, é certo, mas que provamos que não pecam por exagero. Há três horas emGotemburgo e “engolimos” essas palavras.
Estamos no restaurante Wasa Allé, no centro da cidade, que é uma perdição para quem aprecia pratos feitos com legumes da época. E não só. Ali há comida ecológica, é um verdadeiro ecogourmet, decoração tradicional, e produtos comprados aos comerciantes locais. A ementa é então construída com o que acaba de sair da terra. O estômago agradece tamanha delicadeza. O restaurante é espaçoso e tem vista para a cozinha. O pão é caseiro — Gotemburgo também surpreende com a variedade de pão, ele é com cereais, com ervas, mais crocante, mais espalmado ou mais rechonchudo —, a cerveja também é muito saborosa. Os pratos não chegam à mesa a abarrotar, bem pelo contrário, apesar de tamanha consistência. É um restaurante gourmet, pois então. Para começar, cavala levemente salgada com pepino, cebolas da Primavera, espargos da época e pequenos lagostins. Chegarão ainda à mesa algas fritas com mexilhões e creme de ervilhas. O problema é mesmo escolher. Lombos de pescada com repolho e truta com espuma de espargos podem conviver no mesmo prato sem problemas. Os legumes que se produzem em Gotemburgo também ficam bem na carne. Filé de cordeiro com puré de beterraba, alho e agrião frescos e caldo de cordeiro surgem na ementa. Percebemos que é época do ruibarbo, aproveitado para as sobremesas com espuma de soro de leite, leite em pó desnatado e estragão.
Gotemburgo orgulha-se dos seus produtos, seja da terra, seja do mar. No Mercado Municipal, velhinho edifício do final do século XIX, que junta ferro e vidro na sua arquitectura, restaurado há cerca de um ano, os comerciantes locais colocam os seus produtos em montras como se fossem obras de arte. É um mercado pequeno, com muitos queijos, variedade de pão, chocolates, carne, ingredientes necessários na cozinha, legumes da época. Produtos frescos num local que, além de um ponto de venda, se tornou num sítio turístico e que merece uma visita.
A Fugas viajou a convite da TAP
GUIA PRÁTICO
Como ir
A TAP tem voos directos para Gotemburgo. As partidas são de Lisboa às segundas, quartas, quintas e sábados. Os voos partem às 9h50. As saídas de Gotemburgo são às 15h20. Preços a partir de 207 euros, viagem de ida e volta, com taxas incluídas.
Quando ir
Na altura de Verão, o clima é amigo de quem gosta de calor e o sol está no céu quase 18 horas. Nasce por volta das quatro da manhã e só desaparece pelas 22h15. Nesta altura, a temperatura média ronda os 20 graus, mas há dias em que os termómetros não pedem licença para subir alguns números. Os últimos meses do ano são mais agrestes em termos de clima, com o termómetro a descer, há neve e o sol só se vê durante seis horas. Em Dezembro, o sol nasce pelas 9h e vai embora às 15h20.
Onde dormir
Scandic Rubinen
(Hotel inspirado na moda)
Kungsportsavenyn 24
Tel.:0046 31 7515400
www.scandichotels.com
Clarion Hotel Post
(Hotel com 500 quartos no edifício dos antigos correios.)
Drottningtorget 10
Tel.: 0046 31 619000
www.clarionpost.com
Onde comer
Wasa Allé
(Restaurante gourmet ecológico)
Vasagatan 24
Tel.:0046 31 131370
www.wasaalle.se
Pensão Styrsö-Skäret
(Pensão com 13 quartos e restaurante com comida tradicional.)
Ilha Styrsö-Skäret
Skäretvägen 53
Tel.: 0046 31 973230
www.pensionatskaret.se
Restaurante Gabriel
(Especialista em peixe e marisco frescos situado no andar de cima do Mercado do Peixe.)
Feskekörka (Igreja do Peixe)
Tel.:0046 31 139051
www.restauranggabriel.com
O que ver
Museu de Arte de Gotemburgo
Alberga uma das melhores colecções de arte do Norte da Europa. Reúne obras de arte desde o século XV até aos nossos dias. O museu tem ainda actividades para famílias, espaços para leitura, workshops e visitas guiadas. Até 28 de Setembro, tem uma exposição sobre a história da pintura sueca do século XIX. Fricção de Ideias é o nome da exposição, patente até 19 de Outubro, que junta pinturas de Gauguin, Van Gogh e Bernard. Fechado à segunda-feira.
Götaplatsen, Avenyn 412. Tel.: 0046 31 3683500. www.konstmuseum.goteborg.se
Museu de Moda, Design e Artes Decorativas
Tem exposições temporárias dos trabalhos de alguns dos melhores designers da Escandinávia. Conta também a história do design desde 1851 até à actualidade. Até 28 de Setembro, tem uma exposição de algumas cerâmicas feitas pelo pintor Picasso entre 1948 e 1971, uma colecção privada que é mostrada pela primeira vez ao público. Fechado à segunda-feira.
Vasagatan 37-39 www.rohsska.se
Liseberg
É o maior parque de diversões da Escandinávia. Tem tudo o que possa imaginar, de montanhas-russas a carrosséis. Abre em meados de Abril até meados de Novembro. Reabre nessa altura, e até ao fim de Dezembro, como um mercado de Natal totalmente iluminado e decorado com motivos natalícios. Por ano, recebe, em média, três milhões de visitantes.
http://liseberg.se
Mercado do Peixe
O melhor peixe e marisco frescos da região num edifício gótico que parece uma igreja. Sítio obrigatório para quem gosta dos produtos do mar. Aberto de terça-feira a sábado.
Museu da Volvo
Num edifício envidraçado mora toda a história da Volvo, uma das indústrias mais pujantes da cidade. A evolução dos carros, camiões, autocarros, a construção de equipamentos. Tudo o que há para saber sobre esta marca está neste museu.
www.volvomuseum.com
O que fazer
A oferta é variada e para conhecer a cidade pode comprar o city card que inclui descontos em alguns sítios — um cartão para 24 horas custa cerca de 30 euros para adultos e cerca de 20 para crianças com mais de cinco anos. Pode visitar vários museus, de arte e não só, ou então relaxar nos parques verdes espalhados pela cidade. Os amantes da natureza têm o Jardim Botânico, que este ano concentra as atenções na cultura japonesa. Os que preferem o mar podem percorrer o Museu Marítimo & Aquário com visitas guiadas para perceber o que acontece nas profundezas dos oceanos e a relação entre o homem e a água — até 17 de Augusto alberga a exposição 100 Anos de Marinheiros e até 27 de Setembro Olá Peixe!, ou seja, tudo o que quer saber sobre peixes e a arte de pescar.
Pode percorrer o carismático bairro de Haga ou apanhar o ferry e conhecer algumas das ilhas dos arquipélagos Norte e Sul de Gotemburgo. O parque de diversões Liseberg tem muito por onde explorar. Há também os passeios de barcos pelos canais. De 7 a 9 de Agosto, a cidade recebe o Festival Internacional de Música Way Out West. Queens Of The Stone Age, The National e Janelle Monáe estão no alinhamento deste festival que tem ainda cinema, arte e design. O Festival Cultural de Gotemburgo regressa a 12 de Agosto para durante cinco dias animar a cidade com concertos, cultura e muitas actividades — tudo gratuito. A 14 de Novembro, Elton John dá um concerto na Arena da Escandinávia. Em 2021, Gotemburgo comemora 400 anos da sua fundação.
Moeda
Não há euros. A moeda oficial é a coroa sueca e é difícil encontrar lojas ou restaurantes que aceitem dinheiro em euros. Os comerciantes preferem pagamentos em coroas suecas ou cartão de crédito.