Em Junho foi anunciado que 311 estabelecimentos de ensino do 1º ciclo iam encerrar em todo o país, resultado do processo de reorganização da rede escolar que, assegura o governo, não ficará por aqui. Já não surpreende: a cada novo ano são centenas as escolas eliminadas do parque escolar activo; nos últimos dez anos foram vários milhares. E o que acontece a todos esses edifícios que pululam pelo país, com arquitectura tradicional vincada, herdeiros de um outro tempo e de um outro Portugal, um que ainda vivia no interior?
Não são poucas as escolas abandonadas pelas aldeias portuguesas. Mas algumas, uma minoria é certo, estão a ser reutilizadas, a descobrir novos caminhos para o futuro ao mesmo tempo que preservam um património arquitectónico único que conta a história da evolução do ensino em Portugal. Das “escolas Conde Ferreira”, as primeiras com edifícios e mobiliário desenhados especificamente para este propósito, às “escolas do centenário”, passando pelas Adães Bernardes, estas estruturas mantêm os traços singulares que, apesar das remodelações posteriores, são um cartão de identidade inconfundível. Contudo, cada vez mais, esses edifícios terão problemas de identidade: agora que faltam crianças para aprender, as autarquias estão a reaproveitar e mesmo a rentabilizar as escolas primárias fechadas – algumas há décadas.
Não é invulgar albergarem juntas de freguesia ou acolherem associações e colectividades locais. Começam a ser residências estudantis (em Pedrógão Grande, por exemplo) e habitação social (como Amarante), e até a receber empresas (em Ponte da Barca ou Póvoa de Lanhoso) – esta segunda-feira, a antiga escola primária de Santa Lucrécia de Algeriz (Braga) inaugura o centro de apoio à educação holística “O mundo somos nós”.
Outras são vendidas ou concessionadas, transformam-se em residências privadas ou em projectos mais ou menos turísticos: centros interpretativos (como em Resende) ou ambientais (em Alvaiázere, por exemplo, com alojamento), restaurantes, alojamentos em espaço rural para vários gostos mas quase todos com, pelo menos, uma característica em comum: a tranquilidade imperturbável da natureza. A Fugas foi conhecer alguns destes projectos – que é como quem diz, aprender como estas escolas se mantêm relevantes nas comunidades.
Alentejo, Cabeça da Cabra: Hoje a lição é sobre a arte de descansar
Como antes faziam tantos alunos vindos dos campos em volta, chego a pé à minha escola primária. Mochila às costas, pasta na mão, chego porém atrasado às aulas. É que acabaram há já umas duas décadas. Noite cerrada, entre os montes isolados e os seus caminhos, a antiga escola primária da Cabeça da Cabra surge quieta e cuidada, envolta por uma orquestra de grilos e cães. Por fora, o tempo não parece tê-la alterado. Na fachada, brilha vivo o “Escola Primária” com que nasceu nos anos de 1950 e que tanto apela à nostalgia de muitos, cercada pelo murinho em volta, com as suas pequenas cancelas, a entrada até à porta de velha madeira, o pau de bandeira que continua erguido e com um jardim frondoso. Assim de repente não diríamos que é uma das muitas centenas de escolas que vão fechando país fora. Mas isto é porque o abandonado edifício tem vida nova para dar a este recanto alentejano que, parecendo isolado, fica a meia dúzia de quilómetros de Porto Covo e das praias. Por fora parece tudo na mesma, lá dentro é um mundo novo.
Casa de Campo, desde o Verão passado, a Cabeça da Cabra deixou de ter duas salas para alunos e passou a ter quatro estúdios-suítes para hóspedes, com um preço de 70€ por noite em quarto duplo (excepto Loft Suite, que no Verão custa 90€/ noite). Obra de Maria Santos e da irmã, Suzete, que aproveitaram um dos leilões de venda de escolas primárias (no caso da autarquia de Sines) para se dedicarem ao turismo. Não é um caso de nostalgia, até porque Maria, a nossa anfitriã, e a irmã não têm ligações familiares ao local –“e a minha escola primária já era daquelas dos anos 80, em Sines”, conta-nos. Aqui, a nostalgia fica guardada para as visitas de antigos alunos. “As pessoas gostam de ver a escola cuidada, ficam comovidas, porque por fora parece que nada mudou”.
Ligada à engenharia civil, Maria estava a precisar de “uma mudança de vida” e tinha o “sonho de abrir uma casa de hóspedes”. Surgida a oportunidade, quis o destino que fosse a única licitação a esta velha escola. E assim mudou a sua vida e a da Cabeça da Cabra. Agora, é Maria a mestra da escola primária tornada alojamento. Vive grande parte do tempo aqui e é anfitriã sempre presente para tudo o que os hóspedes precisarem. A grande “aventura” foram as obras mas, felizmente, tinham sido feitas obras recentes no telhado, além de que o edifício tem paredes de pedra com 60cm de largura. “Apesar de aparentar estar degradada”, estava “em bom estado”, aproveitando-se muito do original, incluindo o chão ou as portas de sólidas madeiras.
Entramos no nosso apartamento sob as arcadas das traseiras, que, a exemplo dos outros, é de uma eficiência simples, decoração minimal, clarinho e arejado, apetrechado para a estadia (casa-de-banho privada, kitchenette, minifrigorífico, microoondas, máquina de café, livros, Internet wi-fi por todo o lado). No caso, temos um estúdio com a cama nas alturas em mezanino. O que não temos, curiosamente, é qualquer memória decorativa de… escola primária. “Já não havia mobiliário original, nem quadros nem nada. Podíamos ter recriado tudo mas não quisemos forçar o conceito”, explica-nos Maria. “A escola obviamente que é uma escola”, ri-se; “é tão óbvio que não achamos necessidade de vincar que estamos numa. Achamos mais importante o enquadramento e a beleza do edifício”.
O espaço é um convite à paz (outra opção: não há televisões) e entre as espreguiçadeiras sob as arcadas com vista para a horta e para os campos ou os cadeirões e cama de rede sob a árvore é natural que a preguiça se instale. O que também pode ser facilmente contrariado, até porque a casa fornece gratuitamente bicicletas. A pé ou a pedal, vale a pena perder-se pelos caminhos em volta, para ir trocando um bom dia com os vizinhos e ir admirando a bicharada (das cabras a cavalos, vacas, porcos, é todo um mundo).
E a não perder o grande momento de cada dia, um pequeno-almoço farto, onde não faltam ingredientes da horta em frente, queijinhos e sumos naturais, bolos e pão acabado de entregar pelo padeiro. E não falta a Maria, tornada também guia oficial de dicas e “segredos” alentejanos, apostada na proximidade com os hóspedes. “A maior parte deles quando sai daqui já leva saudades e tem coração apertado. E nós também”. É outra escola. (Luís J. Santos)
Cabeça da Cabra – Casa de Campo
(a 6km de Porto Covo)
Tel.: 966295432
cabecadacabra.com, www.facebook.com/acabecadacabra
Cachopo, Tavira: Estas escolas ainda são centros de descoberta
“Vêm ter com a dona Otília? Ela já está lá dentro”. Nestes montes perdidos pelas curvas da Serra do Caldeirão, no interior algarvio, nada passa despercebido aos habitantes que ainda resistem nas pequenas localidades da freguesia de Cachopo, no concelho de Tavira. Por isso, as chaves dos três Centros de Descoberta do Mundo Rural, localizados nos montes de Feiteira, Casas Baixas e Mealha até se encontram escondidas junto à porta das antigas escolas primárias que os albergam.
Otília Cardeira, de 63 anos, é tecedeira, anfitriã local dos centros, dinamizadora cultural de Cachopo e, desde o ano passado, presidente da junta de freguesia. Há 14 anos que é ela quem arruma a casa, prepara camas e recebe os visitantes. Se Otília não estiver disponível, não se preocupe, o esconderijo das chaves é-lhe prontamente revelado. Depois, “todo o material está à disposição dos utilizadores”, basta arrumá-lo à saída, lê-se nos quadros de cortiça afixados em cada sala, por entre fotografias antigas das lides serranas, desenhos deixados pelos visitantes e mapas da zona. Em Feiteira, as regras até se ditam ainda na moeda antiga: “para utilizar as bicicletas tem que pagar uma caução de 2000$”.
As três escolas primárias, construídas na década de 60 e muito semelhantes entre si, foram abandonadas nos anos 1980 devido à falta de crianças e recuperadas vinte anos depois. Em 2000 reabriram como Centros de Descoberta do Mundo Rural, numa parceria entre a autarquia e a associação In Loco. Em todas elas, a única sala de aula foi comprimida em dois quartos (três beliches cada) e uma pequena sala de estar com mesa e cadeiras, uma salamandra e a estante da televisão. Nas traseiras foram acrescentadas as casas de banho. E o antigo alpendre – “onde deixávamos as mochilas, na altura sacos de pano”, conta Otília – foi fechado e transformado em cozinha, por onde se entra. Em cada zona exterior, foi ainda instalado um grelhador, mesas e bancos corridos.
Em Mealha, as mesas que agora se sentam em redor da escola, com vista desafogada sobre o casario e montes vizinhos, são redondas, inspiradas nas casas circulares de pedra e telhado de colmo que ainda se avistam por aqui. Na parede da cozinha, alguém deixou uma colagem, também ela circular, feita com as plantas encontradas nas redondezas. “Ramos de alfazema, folhas de oliveira, espigas de balancos”, vai identificando Otília.
Os equipamentos são sempre iguais, muito simples e de decoração despojada (a estadia em qualquer um dos centros custa 14€ por noite; 12€ em estadias de mais de três dias, e é possível pedir um pequeno-almoço feito com produtos regionais por mais 3€), pois a ideia é servirem de unidades de apoio à exploração da serra algarvia.
O objectivo é dinamizar este “território extremamente deprimido do ponto de vista social e económico”, defende Artur Gregório, da In Loco. Os albergues permitem estadas mais prolongadas e ao redor de cada um foram criados três percursos pedestres, de diferente extensão e dificuldade, e uma grande rota que une os três centros. Em cada passeio revelam-se as paisagens; as construções rurais (para conhecer as gentes locais, o casario térreo de xisto ou caiado de branco, as casas circulares, os moinhos de vento e as azenhas); ou as Antas da Masmorra e das Pedras Altas, monumentos megalíticos do IV e III milénios a.C. (localizadas próximo de Mealha). De 19 a 21 de Setembro, os centros vão receber a primeira edição do Toca’Andar (www.tocandar.eu), que contará, além dos trilhos pedestres, passeios de bicicleta, de cavalo e de charrete, ateliers, baptismos de cela, feira rural e um trail, entre outras actividades.
(Mara Gonçalves)
Centros de Descoberta do Mundo Rural
Casas Baixas, Feiteira, Mealha
Tavira
Contacto: Associação In Loco, Campus da Boa Esperança, Av. Da Liberdade nº 101 8150-101 São Brás de Alportel. T: 289840860 / 969992240. Site
Fora do horário normal de expediente contactar Otília Cardeira, a Anfitriã Local: T: 961478155
S. Pedro de Rubiães: Um albergue de peregrinos
Não terá sido o destino mais previsível para a antiga escola primária da freguesia de Rubiães, em Paredes de Coura. Recebeu gerações de crianças da terra durante várias décadas e agora, pela sua porta, entram japoneses e alemães, norte-americanos e colombianos, suecos e sul-coreanos – na verdade já se perdeu a conta a quantas nacionalidades por aqui passaram. Os primeiros vinham aprender a ler e a escrever; os últimos vêm em busca de um porto de abrigo numa (mais ou menos) longa caminhada que também pode ser uma aprendizagem: a escola de Rubiães deixou de pertencer ao parque escolar nacional para passar a estar incluída nos roteiros do Caminho Português a Santiago. É agora o Albergue de Peregrinos de São Pedro de Rubiães e as vieiras são as coordenadas do caminho.
E são elas que dão as indicações que conduzem às traseiras da escola – é aí que passa o Caminho de Santiago, que traz os peregrinos de Ponte de Lima e os levará a Valença, a última paragem antes de terras galegas. Eles entram pela cozinha; nós, que não vimos em peregrinação e seguimos um GPS normal, entramos pela frente do antigo edifício, “modelo Adães Bermurdes”, como se lê no interior, num extracto da monografia de Alves da Cunha No Alto Minho – Paredes de Coura, “que logo nos fere a retina pela cor de rosa”. O rosa já não é conspícuo e com a luz do sol e o esmaecimento da cor até nos passaria despercebido, não fora David Jorge, presidente da junta e nosso guia local, chamar-nos a atenção. A caixilharia também já não é de madeira, mas mantém a cor bordeaux, a mesma dos beliches das camaratas que ocupam duas salas (34 camas) – o antigo quarto do professor, num primeiro andar à laia de torre, e a antiga junta de freguesia, que funcionava ao lado da escola e agora está ligada a esta para ser, então, albergue; a antiga sala de aulas está transformada em sala de estar, mesas redondas e cadeiras.
Chegamos de manhã e só apanhamos Marcília Cerqueira, uma das funcionárias, a limpar o albergue. Os peregrinos saem muito cedo, “entre as 6h e as 7h”, e começam a chegar, normalmente, a partir do meio-dia. Há quem se duche apenas, há quem passe a noite – e descanse no jardim, onde agora há umas poucas espreguiçadeiras. “No sábado à meia-noite ainda estavam uns quantos com guitarras aqui”, conta David Jorge, que todas as noites passa por aqui, para “fechar portas, apagar luzes”. Desde Maio, há dois funcionários que se revezam entre as 10h e as 20h na recepção e apoio dos peregrinos que aqui não pagam – podem deixar um donativo. Antes era o anterior presidente da junta que abria a porta por volta das 15h, mas David Jorge crê que não chegava: “As pessoas não conhecem nada, querem saber onde é o café, a mercearia…”. Muitos dos que chegam a Rubiães vão directos a um restaurante, almoçar, e a seguir a uma mercearia onde compram a comida que cozinham à noite no albergue.
A escola primária de Rubiães deixou de funcionar nos anos de 1980, conta David Jorge, mas depois ainda aqui funcionou o pré-primário. Até ao início dos anos 1990, altura em que se encerrou definitivamente o edifício. Em 2006 nasceu o albergue, um “processo consensual” na aldeia. “As pessoas gostam”, conta Marcília, “aliás, se isto faltasse já não era a mesma coisa”. Afinal, são cada vez mais os forasteiros que passam por Rubiães – em 1987, quando David Jorge há 20 anos, “contavam-se pelos dedos os peregrinos que passavam”, este ano, até princípio de Setembro, já passaram 5138. “Estamos lotados todos os dias”, confirma Marcília. No Inverno, o movimento diminui, “só passam os fiéis”, diz David Jorge que não se cansa de dar indicações na sua farmácia, no centro da aldeia. “The pink house”. (Andreia Marques Pereira)
Albergue de Peregrinos de S. Pedro de Rubiães
Rubiães
Informações: CM Paredes de Coura
T: 917164476 / 251943472
Póvoa de Lanhoso: A cervejaria artesanal
Começou por ser um hobby para João Palmeira “espairecer” dos seus dois trabalhos – numa clínica (tem formação em motricidade humana e terapia física) e num call center. Mal sabia ele que o hobby seria um trabalho, talvez mesmo uma vocação e que esta viria a encontrar “casa” numa antiga escola primária. Foi em Águas Santas (Póvoa de Lanhoso) que encontrou o espaço necessário para dar o passo que a sua cerveja artesanal precisava para chegar a mais gente. Da cozinha do seu apartamento em Braga para a garagem do seu pai, até à escola primária que fica mesmo ao lado da casa dele foi o tempo de ficar desempregado, de ver as suas cervejas andarem de boca em boca entre os amigos (com uma ajuda das redes sociais), de ser convidado para o Art Beer Fest Caminha e ouvir opiniões favoráveis e imparciais e de ter conhecimento do programa da Câmara da Póvoa de Lanhoso de cedência de escolas desactivadas para negócios. E ainda não passaram dois anos.
Há um ano estavam João Palmeira e um amigo a começar as obras na escola; em Março deste ano começou a produção nesta escola que esteve 15 anos fechada. “Tinha mato até à altura do telhado”, recorda João. Agora o mato está limpo, embora a sua força, dada a localização ribeirinha, não deva ser subestimada, e as árvores herdadas estão pujantes e com novas companhias. A fachada principal deste edifício em espelho – duas alas simétricas, que correspondiam a duas salas de aulas – está preservada, era “uma condicionante da câmara”; o interior foi, contudo, “desmontado” e adaptado: numa das salas montou-se uma pequena linha de produção (com a máquina de produção, cubas de fermentação, máquina de engarrafamento e outra de rotulagem); na outra faz-se o armazenamento das garrafas, em paletes – e nas traseiras foi rasgado um portão para cargas e descargas, que terá de ser tapado caso a fábrica se deslocalize.
É daqui que saem as sete variedades de cervejas que João produz e cujos nomes são uma homenagem ao passado romano de Braga, onde a cerveja nasceu. Por isso, temos, por exemplo, a Bracara, uma “loira” suave, a Augusta, uma negra (stout) levemente picante, e um paraíso, Elysium, com mel. No Natal sairá uma “reserva especial”, que já está no armazém, engarrafada – será a Némesis, a mitologia grega a intrometer-se para sinalizar uma cerveja que “quebra as regras”, quase “um digestivo”. A fábrica não está preparada para receber visitas, mas a cerveja pode ser encontrada um pouco por todo o país, em restaurantes e lojas gourmet. (Andreia Marques Pereira)
Cerveja com História
Rua da Casola nº230
Edif. EB1 Águas Santas
4830-014 Águas Santas - Póvoa de Lanhoso
Site
Alfândega da Fé e as sete escolas-turismos rurais
Há muitas curvas para chegar a Alfândega da Fé, mas para chegar a Colmeais ainda nos faltam umas poucas, algumas delas repetidas. Na vila faz-se o check-in, mas o corte para Colmeais aparece antes, à vista do Hotel Spa Alfândega da Fé e da sua piscina suspensa. Voltamos para trás, portanto, mas o balanço desta paisagem faz com que não nos importemos. Até porque vamos a Colmeais e não nos ficamos por esta aldeia aos pés da Serra de Bornes – seguimos para Covelas e Vales. Nestas três aldeias, três escolas, exactamente iguais, foram transformadas em alojamentos turísticos que são gémeos.
Poderíamos ter ido ainda a quatro outras aldeias de Alfândega da Fé onde as escolas que foram fechando ao longo do tempo se transformaram em alojamentos turísticos. “São 22 escolas, sete são alojamentos”, contabiliza Vítor Bebiano, da MapAventura, a empresa que passou a geri-los. Antes era uma empresa municipal que o fazia, “com prejuízos”; a MapAventura ganhou a concessão e paga renda ao município.
Colmeais é a aldeia que está mais longe de Alfândega da Fé (15 quilómetros), mas compensa entrar no Vale da Vilariça, desenhando-lhe os contornos à medida que descemos sem tirar os olhos do cenário de montes áridos ou verdes que a esta hora já estão a ficar à sombra. A aldeia é um cotovelo da encosta e continuamos a descer para atravessá-la e chegar a um pequeno promontório – a escola-alojamento tem vista para Colmeais na frente, nas traseiras, onde o antigo telheiro recebe um terraço, afunda-se no vale.
Espreitamos o casario na outra encosta, mas estamos isolados, em silêncio rodeado das árvores (a figueira está carregada) que gerações de professores plantaram no terreno, em dois socalcos, da escola, que tinha duas salas de aula. A entrada de granito, um pouco recuada relativamente à fachada branca principal, está num dos extremos do edifício e abre portas para um T2 amplo (quatro pessoas), com um dos quartos em mezzanine e uma salamandra na sala – o mobiliário é o essencial.
Entre os ocupantes mais recentes da casa, esteve uma família que passou três dias no Hotel Spa e cinco aqui – o melhor de dois mundos, talvez, que na casa é potenciado: a estadia inclui entrada no spa. E aqui, na escola, pode sempre acontecer uma visita dos habitantes da aldeia, que não raras vezes passam para oferecer os seus préstimos. Não surpreende que existam hóspedes regulares nas várias escolas, que aproveitam as estadias para comprar azeite e batatas nas aldeias. E se a calmaria da vida rural se for demasiada, a MapAventura organiza várias actividades (passeios de burro, BTT, canoagem…) e, aqui, na escola de Colmeais, passa o Trilho Vale da Vilariça para caminhantes mais ou menos empenhados.
As restantes escolas disponibilizadas pela MapAventura têm também lotação de quatro pessoas (e preços de 90€ por uma noite, 80€ duas e 75€ três ou mais – menos 10€ na época baixa), excepto a da Gouveia (dois quartos em camarata – 12 pessoas) e a de Sendim da Serra (dois quartos twin, um quarto twin mais beliche – oito pessoas). (Andreia Marques Pereira)
Escola de Cabreira, Colmeais, Covelas, Gouveia, Sendim da Serra, Vales, Casa da Trepadeira
Alfândega da Fé
MapAventura
T: 919124766 / 279106823. Site
Gouvães do Douro: Para sempre um "lugar das letras"
O Pinhão e o rio Douro adivinham-se para lá da dobra do monte – não os vemos mas é fácil encaixá-los nesta paisagem onde nós próprios entramos. Gouvães do Douro é uma aldeia em cascata em pleno Património Mundial e o Lugar das Letras está num dos seus socalcos e tem vista à solta. Seja do jardim, onde uma pequena piscina que, não o sendo, finge bem ser infinity graças ao varandim transparente, seja do edifício da escola e da sua mais recente (e alta) adição: no primeiro, rasgaram-se janelas na parede lateral; no segundo, optou-se por paredes que são transparentes, dando para o jardim ou varandas.
A escola, inaugurada em 1956, cumpriu a sua função educativa até 2005, altura em que foi atingida por um grande incêndio florestal, e em Maio abriu as suas portas ao alojamento turístico, depois de ter sido vendida e sofrido obras substanciais. Uma abertura ao estilo soft opening – a inauguração oficial acontecerá em Outubro – mas pouco: na verdade, a ocupação tem sido quase ininterrupta, diz Francisco Abrunhosa, que, juntamente com a mulher, Maria Manuel, é proprietário da empresa Casas e Tradições, responsável por todo o processo de aquisição, recuperação e até decoração, e agora pela sua gestão turística.
Houve uma família que ficou três semanas, conta, algo inesperado para Francisco que também é responsável pela vizinha Casa de Gouvães (dos mesmos proprietários, um casal francês): “Nunca tínhamos tido alguém durante tanto tempo. Foi a directora de uma organização cultural europeia, que descobriu a escola na internet e teve curiosidade”.
Dificilmente o Lugar das Letras defrauda quem vem em busca das suas raízes escolares.
Não só se preservou o edifício (de uma sala de aulas apenas) como a decoração é uma constante lembrança delas: literalmente, com o quadro de lousa, as duas secretárias diante deste sobre estrado e os livros escolares que fazem a biblioteca (tudo original da escola) logo na entrada (antiga “sala das batas”, como se dizia nestas paragens, recorda Estrela Rocha, funcionária da casa e uma guia turística informal); e alusivamente, com peças “devotadas” às letras (desde o “a, e, i, o u” colorido na entrada, ao móvel com o abecedário, passando pelo bengaleiro de lápis gigantes) e à escola (compassos que viram quadros, páginas de livros que são quadros). O mobiliário, de influências nórdicas em muitas peças feitas à medida, e a decoração são factores distintivos nesta escola-alojamento no espaço rural, onde nenhum pormenor foi subestimado para emprestar ao todo um ar irredutivelmente contemporâneo e obstinadamente confortável.
O edifício da antiga escola é agora um open space, que se divide informalmente: a sala de entrada fica recolhida com a estante branca que faz as vezes de biblioteca, segue-se a antiga sala de aulas, agora sala de jantar e de estar divididas por uma lareira (recuperador de calor) central. Na ala nova, estilo moderno pintada de cor de ferrugem também para assinalar que este espaço não pertence à estrutura original, onde antes eram o telheiro e as casas de banho, ficam as quatro suites (uma “para crianças”, com decoração a condizer) e a cozinha – há outro edifício novo, este separado do principal, no jardim com vista para a piscina e ao lado da churrasqueira, que é a sala de jogos.
Em regime de pequeno-almoço incluído, que Estrela vem preparar todas as manhãs, o Lugar das Letras privilegia a ocupação integral (400€ por noite; 280€ na época baixa). De qualquer forma, a ocupação é sempre em regime de exclusividade e, por este motivo, grupos de duas ou quatro pessoas, por exemplo, terão um preço proporcional mas têm de se sujeitar a fazer marcações à última da hora e a ficar duas noites no mínimo (120€ por noite/quarto) – de outra forma não compensa ter a casa a funcionar, nota Maria Manuel: no Inverno há o aquecimento e no Verão o ar condicionado a acumular. (Andreia Marques Pereira)
Lugar das Letras
Praça de Gouvães
5085-242 Gouvães do Douro
T: 917921320. Facebook
Ansião: Em contacto com a natureza
Bastava entrarmos para percebermos: a escola de Casais da Granja ainda cheira a casa nova. Afinal, aos 50 anos, com portas fechadas aos alunos, envereda por uma nova carreira, a do alojamento turístico low cost. O passo inaugural aconteceu no início de Julho, a taxa de ocupação ainda é residual mas este tem sido um funcionamento quase experimental: a Câmara municipal de Ansião já começou o processo para concessão desta escola (e outra, a de Aljazede, a que se juntará até ao final do ano uma terceira) a privados; no caso de não aparecerem interessados, a autarquia vai continuar a assumir a actividade de alojamento, assegura o presidente da Câmara, Rui Rocha. De uma maneira ou de outra, os preços reduzidos farão sempre parte do projecto, embora o valor final seja da responsabilidade do concessionado.
Com 20 escolas fechadas no concelho, o uso turístico de três delas (a maior parte cedidas a colectividades e juntas de freguesia) foi inspirado pela localização. “Estas permitem um contacto muito forte com a natureza, muita tranquilidade”, considera Rui Rocha. Esse é um dos trunfos apresentados para estes alojamentos, juntamente com a possível interacção com a população local, através da participação na confecção de queijos ou pão, na apanha de azeitona e nas vindimas, por exemplo.
Em Casais da Granja não se vê ninguém pela rua – é meio da tarde, o calor aperta. A escola ergue-se por detrás de um muro branco, tamanho original extravasado para uma ala nova, onde se alojam a cozinha e a sala, deixando os três quartos (dois duplos, um em camarata) e casas de banho (incluindo para pessoas de mobilidade reduzida) na área que corresponde à antiga escola.
No interior da escola – preparada para receber um máximo de dez pessoas e claramente vocacionada para “estadias prolongadas e familiares”, descreve Rui Rocha (contudo há várias opções de ocupação com preços à medida) – está tudo arranjado e devidamente equipado; o exterior, rodeado de oliveiras e carvalhos, espera quem o alinhe – talvez até construir uma piscina que ajude a passar dias quentes. No horizonte, na frente da casa, avista-se o miradouro e moinho do Outeiro (permanecem três moinhos de vento, de madeira, no concelho) e os vales e montes até lá são atravessados por trilhos pedestres.
Ansião é na verdade uma encruzilhada para caminhantes, pelo menos na vertente de peregrinação: está no Caminho de Santiago e no de Fátima. Também é um dos eixos da Villa Sicó, que reúne pólos de romanização da região, incluindo Conímbriga, em Condeixa, e Santiago da Guarda, aqui em Ansião, onde uma villa romana (século IV ou V) se abriga dentro do único exemplar de arquitectura manuelina do concelho. E a estes pretextos turísticos juntem-se-lhes por exemplo, a maior mancha de carvalho português (“cerquinho”) e um “cabaz” de produtos endógenos (que inclui, entre outros, o queijo do Rabaçal, vinho da sub-região de Sicó, azeite e frutos secos) para perceber a aposta da autarquia. (Andreia Marques Pereira)
Casais da Granja
Ansião
Informações: Turismo de Ansião, T: 236670206.
Site: Descubra Ansião