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    Cemitério do Prado Repouso Fernado Veludo/NFactos
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As cidades dos mortos são lugares vivos de cultura

Por Andreia Marques Pereira e Mara Gonçalves

Os cemitérios são lugares sagrados mas também legados culturais e artísticos. Afinal, as cidades dos mortos são para os vivos. Um passeio por cemitérios de Portugal e do mundo, respeito e cultura numa homenagem monumental aos que vivem para sempre em nós.

A 1 e 2 de Novembro, Dia de Todos os Santos e Dia dos Fiéis Defuntos, o mundo cristão presta homenagem aos mortos e ruma aos cemitérios transformando-os em cidades dos vivos, eles que foram criados como cidades dos mortos. Porém, não é só nestes dias que se recordam os que partiram do mesmo modo que não é só para os lembrar que se visitam os cemitérios.

Na verdade, é cada vez maior o número daqueles que se predispõem a percorrer cemitérios em todo o mundo dando alento ao chamado “turismo cemiterial”, que surge como uma categoria do “turismo negro” (dark tourism, que envolve a visita de locais associados à morte e desastres).

Sim, os cemitérios são lugares santos associados ao culto da morte mas podem ser também representantes da herança cultural de um país ou região. Neles revelam-se a história (e histórias), espelham-se correntes artísticas, fazendo de alguns cemitérios verdadeiros museus ao ar livre, plasma-se a relação das sociedades com a morte – e presta-se homenagem a mortos (mais ou menos) famosos.

Em Portugal este é um nicho turístico claramente incipiente. Em Lisboa, o Cemitério dos Prazeres tem uma agenda de visitas regular que exploram diferentes aspectos do cemitério. O Porto tem os dois únicos cemitérios portugueses incluídos na Rota Europeia de Cemitérios (da Associação dos Cemitérios Significativos da Europa, ASCE), o do Prado Repouso e o de Agramonte, onde as visitas são esporádicas, excepto durante uma semana por ano, inserida na Semana à Descoberta dos Cemitérios Europeus, que por sua vez se inclui no Ciclo Cultural dos Cemitérios do Porto, mais alargado no tempo e com actividades variadas, desde visitas nocturnas a visitas com música.

Dado o valioso património de arte romântica que alguns cemitérios nacionais guardam, há quem defenda uma melhor organização que exponencie todas as suas potencialidades turísticas.

No Porto, por exemplo, Ana Paula Pegas, que defendeu uma tese de mestrado em que apresenta a proposta de criação de uma Rota Turística dos Cemitérios do Porto, está a colaborar com a Pointify, que oferece uma aplicação móvel georreferenciada para descobrir locais, na elaboração de um percurso temático relacionado com a morte.

Como lugares de cultura que são, cemitérios um pouco por todo o mundo tornaram-se, então, obrigatórios em muitas rotas turísticas. A FUGAS dá algumas sugestões de visitas, indo dos mais canónicos aos menos óbvios, tentando reflectir os diferentes aspectos que se congregam nos cemitérios e que atraem turistas cemiteriais, convictos ou ocasionais: há os que vão pela arquitectura e estatuária, os que querem aprofundar a sua história, descobrir as suas memórias e curiosidade, e os que buscam os habitantes mais relevantes. Porque as cidades dos mortos são para os vivos.

Os portugueses

Cemitério do Prado Repouso

Se a Avenida Rodrigues de Freitas hoje corre buliçosa a poucos metros da entrada, há 175 anos a cidade estava longe daqui. “Aqui” era a Quinta do Prado do Bispo, propriedade episcopal, arborizada e sem uso; quando, depois de uma epidemia de cólera, se escolheu este local para construir o primeiro cemitério público do Porto, o bispo não reagiu bem – na verdade, teve de haver intervenção da rainha.

Maldição ou não, o bispo D. Manuel de Santa Inês morreu menos de dois meses depois da inauguração do Cemitério do Prado Repouso, que aconteceu a 1 de Dezembro de 1839; ironia ou não, foi enterrado no Cemitério da Lapa, privado. Ainda não avançamos muito no Prado Repouso quando Ana Paula Pegas nos faz esta pequena introdução àquele que foi o primeiro cemitério público do Porto.

A tarde está quente, mas as árvores cobrem grande parte do cemitério e abrem um túnel na sua avenida principal, que liga o portão ao cruzeiro (vindo do antigo Convento de S. Bento da Avé-Maria, onde é hoje a Estação de S. Bento), na “praça principal”, já ao sol – os cemitérios do século XIX, ditos “românticos”, foram desenhados como cidades e “a parte mais antiga do Prado Repouso pode ser interpretada assim, com vias principais e secundárias, com toponímia…”, explica Ana Paula.

Quem entra aqui agora e se depara com a sucessão de jazigos (mais ou menos) monumentais não imagina que este foi um cemitério desprezado aquando da sua inauguração. “Para aqui vinham os pobres”, conta Ana Paula Pegas, “os endinheirados iam para os cemitérios privados das ordens, como do Bonfim ou da Lapa”.

Não é caso excepcional, esta resistência aos cemitérios modernos do século XIX: aconteceu por todo o mundo cristão, quando, por questões de falta de espaço e de higiene, se começaram a proibir enterramentos dentro das igrejas. E também no Prado Repouso se optou por um primeiro sepultamento de “prestígio” para de alguma forma “legitimar” o novo cemitério: foi trasladado Francisco de Almada e Mendonça, figura marcante da governação da cidade no século XVIII.

Quando finalmente vislumbramos o seu jazigo já percorremos mais de metade do cemitério – tivéssemos entrado pelo portão principal seria das primeiras coisas que veríamos, com o seu busto, da autoria de Soares dos Reis, a encimar o mausoléu. Regressamos, portanto, à avenida principal para mergulhar no cemitério romântico e perceber a mudança na relação com a morte que aconteceu no século XIX: anteriormente, os mortos eram enterrados de forma mais ou menos anónima nas igrejas, a partir de então o cemitério permite um reduto individual onde a memória dos que partem é para a “eternidade”. “Os cemitérios românticos são para os vivos”, diz Ana Paula, “toda a beleza [na sua construção] é para facilitar a vida a quem fica”.

São cemitérios para serem vistos e admirados, não se poupando na monumentalidade – o Prado Repouso é pródigo em monumentos neo-góticos graníticos, alguns caprichando no cruzamento com os estilos neo-clássico, grego e até egípcio e prenhes de iconografia representada na arquitectura e escultura que reflecte a vida dos mortos, os sentimentos dos vivos. O corpo desaparece, o nome perdura, mesmo que por estes dias seja anónimo.
Nesta linha estão as duas maiores extravagâncias do cemitério.

Uma é o mausoléu de José Caetano Moreira, um abastado negociante de vinhos – em estilo grego, “terá custado mais do que uma casa”, revela Ana Paula Pegas: uma estátua em tamanho real (a primeira do cemitério) abriga-se sob a cúpula, entre colunas, no cimo de escadaria.

A outra é a capela de António Ribeiro Forbes, um brasileiro de “torna-viagem”, a maior do cemitério e assinada pela oficina de Emidio Amatucci, um dos mais celebrados artistas funerários da altura, que encheu a fachada de símbolos para a eternidade, dos morcegos (guardiães da alma) à ampulheta (tempo), passando pelas caveiras com tíbias cruzadas (a lama).

A inscrição já se perdeu, mas é difícil passar indiferente à escultura de uma árvore cortada, com uma lágrima – “a árvore é símbolo de vida, aqui significa uma vida interrompida”. É difícil resistir à curiosidade quando perante um túmulo com a escultura de uma pomba a dormir. Ana Paula refere que significa morte prematura: deciframos a inscrição, Elvira, morta em 1910, com 17 anos. E aqui já passamos para o “turismo mórbido”, queremos saber quem está lá.

Não é Camilo Castelo Branco, mas há quem lhe veja parecenças. O compositor Francisco Eduardo da Costa tem uma arca tumular que lhe eterniza a vocação – os tubos do órgão, o teclado, uma partitura e o seu busto no topo. “Não sei quem é este homem, está abandonado há muitos anos, mas como era um senhor… Até parece o Camilo”, diz a senhora de balde e vassoura na mão, queixando-se do abandono de outras secções do cemitério, “cheias de ervas”.

Estamos à vista do impressionante mausoléu de Domingos José Ferreira Cardoso e mais à frente descobrimos outro ainda mais grandioso, do negociante José Martins Azevedo, em forma de ampulheta, rodeado de gradeamentos. Entre jazigos abandonados (com vidros partidos e caixões caídos), deparamo-nos com uns revestidos a azulejos, uma singularidade nacional, e alguns montes Gólgota mais ou menos elaborados.

Com Ana Paula vamos aprendendo a decifrar as intenções por detrás do trabalho dos artistas (colunas de pedra quebradas significam morte sem descendência), a distinguir figuras, como a caridade, a bondade e a saudade (a mais famosa no túmulo da família Resende, uma espécie de suspiro final do Romantismo), e já não falhamos as flores perpétuas esculpidas em muitos jazigos.

O túmulo de Viterbo de Campos é mais ideológico: compasso, régua e esquadro convivem com um facho virado para cima, a eternizar a força da vida deste “líder operário e membro do partido socialista”. Noutra direcção, o jazigo de António Pereira Baquet, proprietário do Teatro Baquet, exibe-se de forma naturalista, como um caverna de pedras e gradeamento a imitar troncos coberta de hera que quase tapa o busto no cimo.

De um classicismo quase canónico a arca tumular dupla do casal José Silva Passos e a sua gémea, ambas a flanquearem a entrada da secção da Misericórdia do Porto – um cemitério privado dentro do municipal. Foram mandados construir pela viúva do Silva Passos, uma para o casal outro para o seu irmão e sua mulher: cada gavetão é contornado por uma serpente (a eternidade) e coroado por um cão (fidelidade), no caso um galgo idealizado – diferente de uma arca tumular na avenida principal em que o cão que a tutela, de tão natural, pode bem representar a mascote da família e não um ideal. Ainda dentro do cemitério da Santa Casa da Misericórdia destaque para o mausoléu aos Mártires da Liberdade.

Novamente no cemitério municipal, destaca-se o portal manuelino que contém o ossário das freiras do antigo Convento de S. Bento da Avé-Maria, enquanto percorremos as ruas perante o realismo de alguns bustos e estátuas (“numa constante recusa da ideia dos corpos em decomposição”, assinala Ana Paula).

Para o fim fica o grande mito de amor deste cemitério romântico: a história de duas mulheres apaixonadas separadas pela morte, que inclui uma cabeça guardada em casa e um julgamento sem penas e termina no jazigo que Henriqueta Emília da Conceição mandou erigir à sua amada Teresa Maria de Jesus, monumento simples com uma (inesperada) estátua de S. Francisco num pedestal. Está com (muitas) flores frescas, o que é único para uma sepultura de 1868. É homenagem ao amor entre duas mulheres ou devoção ao santo? Mais um mistério do Cemitério do Prado Repouso – como o que não permite fotografias num local que faz parte de uma rota turística europeia.


Cemitério dos Prazeres

Diz-se que o cemitério é a última morada de quem lá é depositado e nos Prazeres, em Lisboa, a expressão é literal. “As elites viviam quase todas nesta parte da cidade e juntaram-se aqui. Até mesmo quem morava noutros pontos do país, por uma questão de proximidade familiar ou de interesses económico-sociais, fez aqui um jazigo”, conta Licínio Fidalgo, guia há 12 anos e, desde Setembro, coordenador técnico do Cemitério dos Prazeres. “Tinham dinheiro, compravam e construíam”.

Hoje em dia é que, brinca, “quem falece nesta freguesia tem de ir para outra freguesia”. Os talhões dedicados aos escritores, artistas, bombeiros e polícias são os únicos onde são permitidos enterramentos temporários. De resto, para ali ter um jazigo é preciso esperar que um esteja abandonado, prescreva e seja vendido em hasta pública.

O eléctrico 28 pára junto à entrada principal. Os monumentais portões de ferro abrem directamente para a larga alameda, guiando-nos até à Capela dos Prazeres, onde um núcleo museológico expõe várias peças recolhidas de jazigos abandonados, como crucifixos, figuras de santos, jarras e outros. O sino, que já poucos se lembram de ter ouvido tocar, volta a soar quando há um funeral. Além dos funcionários do cemitério, apenas se vislumbram pequenos grupos de estrangeiros em visita turística, um casal sentado num dos bancos de madeira estuda atentamente um mapa desdobrável.

O Cemitério dos Prazeres quer que “as pessoas vejam estes espaços de uma maneira diferente” e já há algum tempo que existem percursos temáticos definidos em panfletos que podem ser pedidos na secretaria do cemitério (História, Personalidades, Arquitetura, Estatuária, Simbologia Fúnebre, Maçonaria, Heráldica, entre outros), uma visita guiada generalista (uma espécie de “best off”) e este ano foram apresentados outros dez. “No Dia Internacional dos Museus fizemos uma visita nocturna e tivemos cá cerca de 200 pessoas”, conta Licínio Fidalgo. “Há muitas ideias e vontade, até porque queremos que as pessoas voltem e descubram coisas diferentes”.

Construído em 1833, o Cemitério dos Prazeres tem 12,6 hectares e uma configuração inspirada no parisiense Père-Lachaise. Uma autêntica cidade dos mortos, com 54 ruas, zonas centrais e periferias, pequenos bairros ao estilo de urbanização (“alguns construtores adquiriam lotes de terreno, construíam os jazigos e depois vendiam”), jazigos que se assemelham a capelas e até a casas. O de Carvalho Monteiro emula, em miniatura, a sua Quinta da Regaleira, em Sintra. O jazigo Burnay mimetiza o Palácio  homólogo da Rua da Junqueira, em Lisboa. Outros “jazigos-casas”, de anónimos, até têm uma zona de quintal com gradeamento.

Há ainda um castelo (“homenagem a Pedro Folque, o homem da cartografia de Lisboa”), outros que evocam profissões (como o do jazigo onde foi esculpida uma mesa de carpinteiro com todos os instrumentos feitos a rigor. “Até o martelo tem um número de série”) e estátuas que parecem retiradas de um jardim público ou rotunda (caso do jazigo do Conde das Antas, completamente laico e monumental, erguido por subscrição pública em sua homenagem).

E depois há o jazigo de D. Pedro de Sousa Holstein, Duque de Palmela, o maior mausoléu particular da Europa, com capacidade para 200 restos mortais (neste momento estarão lá cerca de 140). É preciso uma pesada chave para entrar no quintal, junto à antiga entrada do cemitério, onde estão dispostos os funcionários ao estilo feudal, e outra para entrar na capela monumental em forma de pirâmide, onde estão as criptas e os caixões de grande parte da família e alguns amigos.

“Quando começaram a fazer estes jazigos e estas homenagens, fizeram-no para que nós, os vivos, as admirássemos”, recorda o historiador. Por isso, quem construiu ou mandou construir fê-lo para honrar o nome do falecido, para mostrar o poder e a condição monetária da família.

Há quem tenha sido um grande homem da história do país e “se mostre como tal porque [os respectivos jazigos] são implantados nos sítios por onde toda a gente passa”. Depois há jazigos muitos semelhantes entre si que apenas variam na monumentalidade, há templos que parecem vindos da Grécia, pináculos que quase rasgam o céu, outros construídos por arquitectos e escultores de renome. É o caso do jazigo de Jaime Cortesão, feito por Keil do Amaral, ou o da família Maceiro, erguido por Korrodi (vencedor de dois Prémios Valmor).

Na escultura, destacam-se as peças de Calmels e Canova no Jazigo de Palmela, a História, de Teixeira Lopes (que quis homenagear Oliveira Martins com a sua peça mais valiosa, vencedora do 1.º prémio da Exposição Universal de Paris de 1900) ou a de Simões de Almeida (sobrinho).

É o primeiro nu de arte pública que se conhece em Lisboa, feito para homenagear uma professora francesa, e que tem a particularidade de ter uma pedra diferente introduzida num dos olhos, dando a sensação que ela está a chorar. Mas, para vermos este pormenor, é preciso espreitarmos, em contacto visual directo com os seios da mulher, ou, noutra posição, levarmos a boca a quase tocar no mamilo. “Na altura, tudo o que vinha de França era bom, por isso não foi polémico e, pelo que li, era um corrupio de gente para ver a peça”.

“Os cemitérios também são laboratórios de arte”, relembra Licínio Fidalgo. “Numa primeira fase não assinavam as peças, talvez por pudor de estarem no comércio da morte, mas a seguir fazem tensão de assinar, porque além de valorizar a peça, estão eles também a divulgarem-se e a se auto-homenagearem”.

“Costumo dizer que, a determinada altura, o morto é o que menos interessa, é o móbil do crime. Depois, tudo aqui se passa a todos os níveis: económico, social, as rivalidades...” O jazigo de Severiano João d’Abreu, por exemplo, é um autêntico painel de publicidade à sua oficina de cantaria: os diversos objectos utilizados na profissão estão esculpidos e, à volta, foi colocada uma rede verde que parece interditá-la, atraindo quem passa. Por baixo foi inscrita a morada da oficina. Hoje em dia “parece a rua do Severiano”, tal é a quantidade de peças que ali estão feitas por ele, conta o historiador.

Já no campo político, não deixa de ser curioso ver José Fontana, do Movimento Operário e das primeiras manifestações do 1.º de Maio, de frente para Azedo Gneco, um dos fundadores do Partido Socialista. Mas aqui também se faziam contratos de casamentos, negócios e contactos. Mais uma vez, Licínio Fidalgo aponta-nos uma proximidade provavelmente cúmplice: Manuel Brito das Vinhas, homem do vinho e da cerveja, e Abel Pereira da Fonseca, do ramo da distribuição. “Antigamente iam no domingo à missa ali na Estrela e depois era quase obrigatório vir ao cemitério”, explica. “Muitos vinham com as roupas compradas em Paris, outros vinham para ser cumprimentados e também quanto mais viessem mais mostravam que aquela tinha sido uma perda sentida”.

E não se podem esquecer os muitos símbolos maçónicos existentes em vários jazigos. “Foram feitos numa altura em que muitas pessoas não sabiam ler e era uma forma de identificarem”. Contudo, Licínio Fidalgo ressalva que já fez visitas com maçons e “muitas vezes eles contradizem-se” na interpretação dos símbolos. “Já vieram aqui com GPS para aferir a orientação e essas coisas”. O objectivo das visitas guiadas, defende, é mostrar que nem em oito dias se conseguiria analisar toda a complexidade que existe nesta cidade de mortos para vivos.

Os incontornáveis

Cemitério Père-Lachaise (Paris)

É uma espécie de rock star dos cemitérios, este cemitério parisiense criado por Napoleão em 1804 que proclamou que “qualquer cidadão tem o direito de ser enterrado, independentemente da raça ou religião”. Assim nasceu o Père-Lachaise, origem imperial mas recepção pouco popular, por estar longe do centro da cidade.

Se os parisienses voltaram as costas ao cemitério, a opção foi clara – um pouco de marketing oitocentista, com as trasladações de La Fontaine e Molière, dois nomes cimeiros da literatura francesa, e, posteriormente, dos protagonistas de u ma das mais trágicas e famosas histórias de amor, Heloísa e Abelardo, ajudaram a tornar o Père-Lachaise num local cobiçado para passar a eternidade. O que não foi (é) um garante de um descanso em paz, como atestam as multidões que diariamente percorrem os seus 48 hectares. Afinal, estes foram os primeiros de uma longa lista de personalidades famosas que no Père-Lachaise encontraram a última morada.

De tal forma que este é o cemitério mais visitado do mundo e está entre as atracções mais procuradas pelos turistas em Paris. Algumas das campas suscitam autênticas peregrinações – e aqui o morto mais vivo de todos é Jim Morrison, o mítico vocalista dos The Doors, cuja sepultura, rasa, já conheceu diversas versões graças às intervenções dos seus devotos mais fervorosos cujos ímpetos tiveram de ser restringidos.

Outro dos caminhos mais perseguidos é o do escritor irlandês Oscar Wilde, cujo monumento funerário também teve de ser protegido dos admiradores, com a colocação de uma protecção de vidro em seu redor: desde os anos de 1990, passou a ser tradição deixar um beijo, bem marcado de batôn vermelho, na pedra.

Desenhado por Brongniart, epítome do romantismo, o Père-Lachaise, com as suas 70 mil sepulturas, é também um museu ao ar livre, um panteão-jardim. Mausoléus e jazigos de vários tamanhos e feitios, campas simples e ou ornamentadas, monumentos e memoriais (inúmeros às vítimas do Holocausto), sucedem-se entre árvores e ruelas de pedra. Quem busca famosos, o mapa dá as indicações – Balzac, Edith Piaf, Marcel Proust, Chopin, Sarah Bernhardt, Gertrude Stein, Isadora Duncan, Pissaro, Marcel Marceau…

 

Cemitério La Recoleta (Buenos Aires)

Quase que rivalizam com Eva Péron (“Evita”) como os habitantes mais famosos de La Recoleta (ou cemitério do Norte), os gatos que deambulam pelo cemitério e são como uma atracção à parte percorrendo as ruelas ladeadas por mausoléus, criptas e panteões, com decorações riquíssimas e adornados com os melhores materiais. Sucedem-se sem respiração, num entramado cerrado – uma mini-cidade bem dentro de La Recoleta, um dos bairros mais nobres de Buenos Aires.

E para um bairro assim, um cemitério exclusivo, onde, desde 1822, se encontram sepultados muitas figuras maiores da Argentina – de heróis da independência a chefes de Estado, passando por cientistas, escritores, desportistas e artistas – e muitas famílias endinheiradas da capital. “Só” não está aqui Jorge Luis Borges, ele que escreveu um poema que se chama precisamente “La Recoleta” e que costumava passar horas no cemitério com o amigo e também escritor Adolf Bioy Casares, conversando sobre as personagens com quem iam fazer amizade uma vez ali enterrados (Casares está em La Recoleta).

Entre os tesouros artísticos (90 panteões foram declarados monumentos históricos nacionais), são muitas as histórias que fazem parte do imaginário do La Recoleta e que também lhe emprestam uma aura especial. Desde o funcionário do cemitério que poupou durante décadas para construir o seu mausoléu com toda a pompa e se suicidou aquando da sua conclusão, ao casal desavindo que tendo passado os últimos trinta anos de vida (e de casamento) sem se falarem foram se fizeram representar no além vida em bustos de costas voltadas, passando por uma neta de Napoleão Bonaparte.

E depois há jazigos inesperados, como o da mulher que morreu na sua lua-de-mel em Innsbruck, ao mesmo tempo que, do outro lado do Atlântico, morria o seu cão: os pais construíram um mausoléu idêntico ao seu quarto, cheio de fotografias e com um sari vermelho a cobrir o seu caixão – uma escultura eterniza-a com o vestido de noiva na companhia do seu cão. Estas histórias e outras são relatadas todos os fins-de-semana, em visitas guiadas.


Cemitério Highgate (Londres)

Não será um destino comum entre cemitérios, mas o Highgate rapidamente se tornou o cemitério da moda na Londres oitocentista a preparar-se para entrar na era vitoriana: 15 anos volvidos, teve de ser ampliado e durante parte da década de 1860 aconteciam cerca de 30 enterros diários.

Inaugurado em 1839, foi um dos sete (conhecidos por “Magnificent Seven”) criados na altura para responder a uma população crescente na capital inglesa e gozou de uma localização privilegiada, na colina da aldeia de Highgate com vista para a cidade. Localização que foi trabalhada para criar um jardim ao estilo inglês, cheio de plantas exóticas combinadas com arquitectura exuberante e única que o declínio só veio alimentar, tornando Highgate o cemitério-ícone dos filmes de terror ingleses da década de 1970.

Na verdade, poucos cemitérios no mundo conjurarão a mesma atmosfera irredutivelmente gótica da necrópole londrina, onde a natureza e a fauna amplificam o dramatismo monumental da arquitectura. Aqui encontra-se plasmada a atitude vitoriana perante a morte representada pela construção de extravagantes edifícios e monumentos neo-góticos que agora quase desaparecem perante o avanço da flora e a ousadia da fauna: as árvores são companhia constante à laia de bosque, as flores crescem à vontade, os fetos multiplicam-se, a hera trepa por onde tem espaço (incluindo jazigos, mausoléus, cenófitos), circulam pássaros, raposas...

A Avenida Egípcia e o Círculo do Líbano são os espaços centrais e certamente icónicos deste cemitério com os seus jazigos e tumbas escavados nas colinas. E aqui estamos no chamado Highgate Oeste, a parte mais antiga do cemitério, que só pode ser percorrida em visitas guiadas.

A parte mais recente, Highgate Este, a mais conhecida, tem visitas livres e é aqui onde se encontram as personalidades mais famosas. Karl Marx, filósofo e ideólogo do comunismo, é a principal, atraindo legiões de camaradas ao seu memorial. Não é o único, mas é o mais universal, entre uma lista que inclui desde a escritora George Elliot ao “guru” do punk, Malcolm McLaren, passando por familiares de Charles Dickens (a mulher, os país e um irmão)...

Nesta parte “nova” do cemitério de Highgate, os monumentos vitorianos convivem com os mais modernos e, inclusive, com sepulturas modestas, já que a opulência vitoriana não sobreviveu à I Guerra Mundial e às mudanças que esta trouxe à estrutura das sociedades.

E é impossível falar do Cemitério Highgate sem referir os mitos, assombrados, claro, que o rodeiam. Entre as muitas histórias sobrenaturais que suscitou, destaque para a do “vampiro de Highgate”, que envolveu os proverbiais caçadores de vampiros, neste caso dois rivais, expedições nocturnas e profanação de túmulos, com decapitações de cadáveres à mistura e penas de prisão. Isto na década de 1970. Por essa altura já estava incluído na lista da English Heritage.

 

Cemitério de Staglieno (Génova, Itália)

O “campo santo” de Génova é um dos mais canónicos cemitérios do mundo, tendo servido de modelo e inspiração um pouco porto todo o mundo católico. A falta de personalidades de vocação universal entre os seus defuntos não belisca o seu estatuto de um dos mais belos cemitérios do mundo, repositório de tesouros artísticos que fizeram o escritor norte-americano Mark Twain escrever: “Para nós estas fileiras intermináveis de formas fascinantes são cem vezes mais bonitas do que a estatuária danificada e suja que foi salva do naufrágio da arte antiga para ser exposta nas galerias de Paris para adoração do mundo”; e que se tornaram em improvável iconografia pop, através da capa do álbum “Closer” (uma fotografia do túmulo da família Appiani) e da capa do single “Love Will Tear Us Appart”, ambos dos Joy Division.

Inaugurado em 1851, o Cemitério Staglieno foi concebido no estilo neo-clássico que caracteriza a tradição cemiterial mediterrânica, com um desenho que de algum modo replica a topografia de Génova, cheio caminhos labirínticos e um sobe e desce de escadas (ou este cemitério não trepasse uma colina a leste da cidade).

O efeito é quase de uma galeria de monumentos que posteriormente foi misturada com elementos naturalistas mais característicos das ideias de cemitério do norte da Europa. Do mesmo modo, também a estrutura social da cidade encontra aqui um espelho: a aristocracia fez-se enterrar em torno do panteão (Capella dei Suffragi), que é o coração do cemitério; abaixo, a galeria Porticato Inferiore recebe a burguesia; os columbários são os túmulos da pequena burguesia e a classe baixa tinha campas colectivas

Assim, entre uma abundância de ciprestes e cedros, o mármore refulge, declinando-se em monumentos ricamente ornamentados com representando vários períodos artísticos – do realismo (descrito como “hiper-descritivo”) ao simbolismo, da Arte Nova à Arte Dèco.

São as obras que representam a emergência da arte realista as mais icónicas do cemitério, famoso pelas suas estátuas plenas de detalhes (chamadas “estátuas falantes”), representando os mortos nas suas actividades diárias (como Catarina Campodonico, vendedora de nozes), anjos lacrimejantes, viúvos de luto ou famílias em torno de um leito de morte, por exemplo.

A partir de determinada altura, os túmulos perderam “pudor” e passaram a exibir os sinais da pompa das classes altas de Génova, com esculturas marcadas pelo erotismo e frivolidade, expressos sobretudo em figuras femininas seminuas.

A fama do Staglieno rapidamente se espalhou Europa fora, começando a atrair turistas desde 1880, incluindo alguns famosos que deixaram referências ao cemitério. Por aqui passaram, entre outros, o já referido Twain, mas também o escritor francês Maupassant, a imperatriz austríaca Isabel (Sissi) e Nietzsche. E aqui encontram-se os túmulos de um dos arquitectos da unificação italiana, Giuseppe Mazzini, e da mulher de Oscar Wilde, por exemplo.


Cemitério Central (Zentralfriedhof, Viena)

Chama-se “cemitério central” (Zentralfriedhof) mas está longe do centro de Viena – o nome reflecte não uma localização geográfica mas antes a importância do cemitério, o principal da capital austríaca, inaugurado em 1874 (comemora exactamente hoje 140 anos).

São 2,4 quilómetros quadrados (o último alargamento foi em 1921) que tornam o Zentralfriedhof no segundo maior cemitério da Europa em área, mas no maior em número de sepultamentos, com três milhões em 330 mil campas. Irónico é o facto de o cemitério ter sido construído numa altura em que se previa que Viena, capital do Império Austro-Húngaro, viesse a atingir quatro milhões de habitantes no final do século XX e de agora ter o dobro dos residentes vivos da cidade. Os vienenses costumam, aliás, brincar com o tamanho do cemitério: “Tem metade do tamanho de Zurique e o dobro do divertimento”.

Mas os vienenses de 1870 não viram com bons olhos a construção do cemitério num local tão afastado da cidade, por isso foi criada a área das “campas honorárias”, agora parte da história cultural de Viena, onde até há poucos anos eram sepultadas figuras públicas.

Na altura, muitos famosos foram trasladados para aqui e destes muitos foram músicos – se Viena é a capital da música clássica, a secção chamada precisamente “campas honorárias” (Ehrengräber) é a sua capital post-mortem: Beethoven, Schubert, Gluck, Brahms, Strauss (pai e filho), Schönberg, Salieri, entre outros, encontram-se aqui; Mozart tem direito a um cenotáfio aqui, uma vez que o seu corpo, enterrado numa vala comum, nunca pôde ser recuperado.

Entre os monumentos funerários deste cemitério, existe uma cripta presidencial, nas traseiras da igreja central, esta construída em estilo Arte Nova e ponto de encontro de uma galeria neo-renascentista que alberga um columbário com 36 criptas.

Albergando dois cemitérios judeus (o velho e o novo, sendo que o primeiro foi destruído pelos nazis mas 60 mil campas sobreviveram) e um protestante, secções muçulmanas e ortodoxas, o cemitério recebe ainda o Parque da Paz e Poder, um jardim estruturado segundo as tradições da geomancia para proporcionar um ambiente de reflexão em harmonia com as forças da natureza.


Os curiosos

Forest Lawn Memorial Park (Glendale, EUA)

Estamos em Los Angeles por isso não surpreende que a morte seja também um negócio. O Forest Lawn Memorial Park é um verdadeiro showbusiness: mais do que um cemitério poderia ser visto como um parque temático com museu (com uma das maiores colecções de vitrais da América do Norte e que acolhe exposições temporárias que já trouxeram Matisse, Goya e Rembrandt, entre ouros), cópias de esculturas de Miguel Ângelo (na verdade, toda a colecção, em tamanho real), jardins formais e grandes relvados, lagos com cisnes e, claro, muitas celebridades de Hollywood.

Na verdade, é o cemitério com mais estrelas de cinema sepultadas, ainda que muitas delas estejam em recantos inacessíveis ao público, como Humphrey Bogart, sepultado num pequeno jardim murado. De qualquer forma, quem quer procurar famosos tem de ir com a lição preparada porque mesmo com mapa não é fácil encontrar as campas das estrelas, entre elas muitas da Idade de Ouro de Hollywood, como Clark Gable, Carole Lombard, Jimmy Stewart, Errol Flyn, Jean Harlow, Spencer Tracy, Sammy Davis Jr, Robert Taylor, Walt Disney… Mais recentemente foi aqui enterrado Michael Jackson, numa área de acesso restrito.

Privado, o cemitério foi inaugurado em 1906 mas foi em 1917 que começou a ganhar a forma que hoje mantém, de “parque memorial”, com campas sem lápides, grandes relvados, árvores, fontes. Numa das suas capelas casaram-se, em 1940, Ronald Reagan e Jane Wyman.

 

Cemitério Feliz (Sapânta, Roménia)

Poderia ser mais uma das muitas aldeias perdidas na Roménia, mas o seu cemitério faz de Sapânta, cinco mil habitantes, uma atracção turística. Afinal, não será muito habitual encontrar um “Cemitério Feliz” (Cimitirul Vesel). Num entorno rural, não se encontram aqui mausoléus ou jazigos, nem sequer as lápides mais vulgares.

O Cemitério Feliz é um mar azul celeste, das cruzes que assinalam as campas, cada uma preenchida por pinturas naïf de cores fortes com cenas da vida (e da morte) dos defuntos e com poemas, muitas vezes humorísticos, como epitáfios. Se segredos havia em vida, muitos deles são desvendados aqui, desde o “bêbedo” da aldeia, representado arrastado por um esqueleto enquanto agita uma garrafa de “veneno” (álcool), ao professor que lança olhares furtivos a uma mulher num canto da sala de aula.

A tradição começou em 1935 e nem a austeridade comunista a conseguiu, ou quis, obliterar – aliás, um antigo líder do partido aqui enterrado é retratado sentado a uma mesa segurando a foice e o martelo; no epitáfio lê-se: “No tempo que vivi,/ Amei o partido/ E toda a minha vida/ Tentei ajudar o povo”. Foi Stan Ioan Patras que a começou, vendo nas suas cruzes uma maneira de celebrar a vida ao invés de chorar a morte.

Ao longo dos anos, desenvolveu o seu próprio simbolismo: nas cores – o verde é a vida, o vermelho a paixão, o amarelo a fertilidade, o preto a morte; e nas figuras – pombas brancas representam a alma, um pássaro negro uma morte trágica ou suspeita. Ele próprio fez a sua cruz e sob ela repousa desde 1977 – o seu sucessor já começou a treinar a próxima geração de artistas-coveiros para o Cemitério Feliz.


Velho Cemitério Judeu (Praga, República Checa)

Tem algo de assombrado, o Velho Cemitério Judeu de Praga e não é só pela sua idade – funcionou entre 1439 (ou pelo menos é desta data o túmulo mais antigo, o do rabino e poeta Avgidor Kara) e 1787, o que o torna no mais antigo cemitério judeu da Europa. A visão das lápides de pedra, gastas e já deformadas, vergadas aos séculos, que preenchem todo o espaço como que acotovelando-se é indelével.

Não há espaços em branco na superfície – e debaixo de terra teria de se escavar muito até os encontrar. Se estão contabilizadas 12 mil lápides, a verdade é que as inumações aqui, em pleno bairro judeu de Praga – uma espécie de gueto multissecular – são muitas mais. Dizem que cem mil, mas este não é um número exacto.

Certo é que, dada a exiguidade do espaço e à proibição de os judeus serem enterrados fora do “seu” bairro, o velho cemitério foi aumentado até ao limite possível – e tal significa que foram sendo acrescentadas camadas ao cemitério original. Como a lei judaica impede que as sepulturas sejam mexidas e que as lápides sejam retiradas, há partes do cemitério que têm pelo menos 12 “andares” de sepulturas.

A cada nova sepultura, a lápide anterior era colocada na nova camada o que explica que estas estejam tão próximas (e ainda assim, muitas foram as que se perderam). Por isso, o Velho Cemitério Judeu de Praga chegou até hoje albergando lápides góticas enegrecidas, renascentistas de mármore, barrocas ostentosas e até algumas rococó. O conjunto é apropriadamente lúgubre.

 

Okunoin Cemetery (Japão)

É o maior cemitério do Japão, com 200 mil sepulturas, e é também um dos lugares mais sagrados do país, destino de peregrinações, por albergar o mausoléu de Kukai (Kobo Daishi), fundador do budismo Shingon. No Cemitério Okunoin, em Koyasan, a poucas dezenas de quilómetros de Osaka, Kukai descansa em meditação eterna enquanto espera o buda do futuro.

Foi em torno deste mausoléu, junto do qual se encontram as lápides de senhores feudais e monges importantes que quiseram ficar o mais próximo possível de Kukai para ter a certeza de que encontrariam a salvação, que se desenvolveu o cemitério de Koyasan, originalmente o centro da seita budista de Shingon e actualmente Património da Unesco graças aos seus mais de cem templos.

O cemitério tem uma aura espiritual, sobretudo quando se corre o trilho principal – os dois quilómetros empedrados que atravessam a floresta de cedros, unindo o portão principal, “a primeira ponte”, até ao mausoléu. Depois da última ponte, as luzes de milhares de lanternas recebem os visitantes-peregrinos – diz a tradição que duas dessas lanternas estão acesas desde o século XI – e só depois destas surge o mausoléu, discreto, em madeira clara.

No cemitério, túmulos seculares convivem com outros mais modernos, com lápides, no mínimo, originais: desde naves espaciais gigantes a chávenas, até ao monumento construído por uma companhia de pesticidas para homenagear as suas vítimas, os insectos. São várias as empresas que mantêm monumentos no cemitério para lembrar antigos trabalhadores – e incluem caixas de correio para os empregados deixarem o cartão de negócios.


Cemitério de St Mary (Whitby, Inglaterra)

Entre 1890 e 1896, Whitby, no Yorkshire, teve um veraneante especial, o escritor Bram Stoker, que na sua obra mais famosa colocou a cidade na rota literária. Drácula, um dos mais emblemáticos romances góticos, terá sido imaginado nesta cidade costeira do Norte da Inglaterra, na qual uma placa num banco de jardim assinala o local onde o escritor perdia horas a olhar a paisagem e, diz-se, a tirar notas para o livro

Há, na verdade, pelo menos duas cenas-chave que estão intimamente ligadas a Whitby: primeiro, o naufrágio da escuna russa, “Demeter”, que transportava o conde da Transilvânia e que foi inspirado por um naufrágio real nestas paragens; depois, a cena em que Drácula ataca Lucy Westernra foi ambientada no cemitério da igreja de St. Mary.

O cemitério actual pouco terá mudado desde os tempos em que Stoker passou por aqui. Fechado a enterros desde 1865, tem uma posição privilegiada sobre a cidade e o mar, um grande “jardim” polvilhado de lápides escurecidas, tutelado pela igreja de St. Mary, construída em 1110, e com várias alterações posteriores, e pelo fantasma das ruínas da abadia, pouco mais do que paredes grandiosas. O cenário oscila entre o bucólico diurno e o assombrado nocturno e não precisava de Drácula para ter este efeito. Mas por ser o “cemitério do Drácula” é local de romarias góticas e muito procurado no Halloween.

 

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