Fugas - Viagens

Estas plantas têm muitas histórias para contar

Por Vera Moutinho

Os pinheiros-mansos já lá moravam. Era só deles o horizonte a perder de vista no topo da Praia da Falésia, em Albufeira. Com a construção, há 22 anos, do Sheraton Algarve Hotel & Pine Cliffs Resort, chegaram mais de mil espécies.

Foi James Munro, director-geral do Sheraton Algarve Hotel & Pine Cliffs Resort, quem lançou o desafio: criar um guia etnobotânico dos jardins ali existentes, para hóspedes e visitantes. José Sousa, responsável pelos espaços de jardim e golfe, empenhou-se na tarefa. “Não quis fazer algo com muita quantidade de plantas para não se tornar aborrecido. E quis fazer uma coisa em que as pessoas tivessem de procurar as plantas. A curiosidade é um atractivo”, explica.

Por essa razão, não há placas junto às árvores ou flores que as identifiquem. É preciso pegar num exemplar do guia do passeio botânico disponível na recepção do hotel — impresso em papel reciclado — e seguir o mapa das trinta e seis espécies listadas.

E não é preciso andar muito: o início do percurso está a poucos metros. 01 — citrofortunella microcarpa. A primeira paragem do guia leva-nos a uma árvore de citrinos conhecida por árvore-bola ou árvore chupa-chupa. “Todo o fruto é comestível, embora a polpa tenha um sabor muito ácido e as sementes sejam grandes”, lê-se no texto explicativo. Aprendemos que se trata de um híbrido de folha perene entre arbusto e árvore, que pode atingir os seis metros de altura e que é muito sensível às geadas.

Acompanhados por José Sousa, temos direito a lição extra: “Temos um dos maiores produtores europeus destas árvores aqui no Algarve, nos viveiros de Foral, perto de Paderne, em Albufeira, que exporta para a Holanda”, conta. “Outra particularidade desta árvore é que tem frutos maduros, tem flor e frutos verdes. Três gerações de frutos em simultâneo. Usamos alguns dos frutos maduros na decoração de pastelaria aqui no resort”, explica.

Pinheiro-manso, o rei

O guia está disponível em edição bilingue — inglês e português — já que a maioria dos clientes do do Sheraton Algarve Hotel & Pine Cliffs Resort são britânicos e nórdicos. Organizado em parceria com a The Mediterranean Garden Society — uma organização internacional sem fins lucrativos fundada na Grécia em 1994 que funciona como plataforma de intercâmbio para os interessados em plantas e jardins das regiões mediterrânicas — e lançado em Abril deste ano, o guia tem tido bastante adesão por parte dos hóspedes.

“Escolhi plantas que transmitissem alguma história e com origem nas mais variadas partes do mundo que foram adaptadas à Europa e a Portugal”, conta-nos José Sousa.

José passou pela Escola de Hotelaria do Algarve em 1986 e trabalhou em várias unidades hoteleiras até chegar ao Pine Cliffs Resort onde a paixão pela agricultura o levou a tornar-se um mestre na área da jardinagem. Há 20 nesta unidade hoteleira, gere uma equipa de 45 pessoas, e é uma espécie de pai de grande parte das plantas que aqui existem: “Há pinheiros que hoje têm portes enormes e que foram plantados por mim há 20 anos atrás. Já são adultos”, afirma.

Quando estão doentes cuida de todas com dedicação: um dos objectivos recentes é a utilização de produtos biológicos no tratamento do jardim e no controlo de pragas. A preocupação máxima foi sempre a de preservar o que já existia neste terreno de 72 hectares e conjugá-lo harmoniosamente com o que se plantou mais tarde.

Com a construção do hotel, em 1992, alguns pinheiros tiveram de ser abatidos, mas pelo menos dois foram plantados em substituição de cada pinheiro retirado. E foram os pinheiros, juntamente com as impressionantes falésias algarvias de cor laranja, que deram nome ao resort: Pine Cliffs.

São eles, ainda hoje, os reis deste espaço, criando sombras generosas nos meses quentes do Verão. Mas o guia com que seguimos na mão prova que existem muitas outras espécies e histórias para desvendar. Como a Palmeira-anã, uma espécie autóctone que é até agora a única plameira conhecida resistente à praga do Rhynchophorus ferrugineus ou — descodifica José Sousa — praga do escaravelho.

Ou os Nenúfares do lago, onde apetece ficar horas a fio (e com sorte vermos uma galinha-d’água a passear-se por ali, entre as rãs). Ou o Papiro-do-Egipto, com as suas espiguetas de pequenas flores verde-acastanhadas. Ou o Dragoeiro, o Fórmio, a Dama-da-Noite... o melhor mesmo é abrir o guia e descobrir por si. E se por acaso se cruzar com o José pelo caminho, entre arbustos e pinheiros, não o deixe fugir. Ele tem ainda mais histórias para partilhar.

Citrofortunella microcarpa: “Árvores Bola” Calamondin

À primeira vista, um olhar leigo descreveria estas árvores como laranjeiras em miniatura. Não o sendo, não anda longe. A Citrofortunella microcarpa é um híbrido entre arbusto e árvore e um cruzamento entre a tangerineira e um outro citrino, o kumquat. O fruto é comestível, mas o sabor ácido da polpa não permite o seu uso em abundância para lá do decorativo. Podadas numa forma redonda, ganharam o nome de “árvore-bola”.

Pinus Pinea: Pinheiro-Manso

É a árvore símbolo do resort. O plano de manutenção dos pinheiro-mansos que se encontram espalhados por todo o terreno é rigoroso e trabalhoso: é preciso conservar o formato “guarda-chuva” pelo qual são conhecidos e domar a força das raízes que desnivelam as calçadas. Se nos é permitido um conselho, cá vai: caminhe até junto de falésia, deite-se na relva e olhe para cima. Há um céu de pinheiros à sua espera.

Chamaerops humilis: Palmeira-anã

Tem vista para uma das piscinas do resort, mas quem por lá anda a banhos não imagina que esta é a única espécie de palmeira nativa da Europa e a única que cresce espontaneamente do hemisfério norte. Está também ligada à história e tradição do artesanato do Barrocal Algarvio, com as conhecidas cestas de empreita, uma fita entrançada feitas a partir das folhas secas da Palmeira-anã.

Cyperus Papyrus: Papiro-do-Egipto

Quando o percurso traçado pelo guia nos leva até ao Papiro-do-Egipto, aproveitamos para nos sentar num dos bancos de pedra que o rodeiam a observar as espiguetas de pequenas flores verde-acastanhadas esticadas em direcção ao sol. É uma planta forasteira, mas já se sente em casa. Vinda dos pântanos do norte do Uganda e do vale do baixo Nilo, é conhecida por ter gerado uma das primeiras formas de papel.

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