Fugas - Viagens

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Há um outro Algarve por descobrir

Por Mara Gonçalves

É geralmente sinónimo de praia e calor, mas também um lugar de história, tradições, gastronomia e paisagens serranas de tirar o fôlego. Rumámos a Sul para encontrar outro(s) Algarve(s).

Agora que as temperaturas já não convidam a banhos de sol e dias infinitos de praia, fomos até ao Algarve descobrir que outros segredos esconde a região veraneante por excelência. Do artesanato à gastronomia, passando pelo vinho e actividades ao ar livre, encontrámos diferentes projectos que procuram mostrar que o Algarve é muito mais que sol e mar.

Razões suficientes para voltar a descer até ao sul do país e explorar a serra, as localidades do interior ou o rio Guadiana.

Artes e ofícios

“Vamos abri-la para tentarmos ripar, cortar as barrigas e depois entrelaçá-la.” Estamos em Loulé e Odete Rocha vai-nos pacientemente explicando o que fazer com a folha de palma que temos entre as mãos. Há que ter sempre quatro tiras de um lado e cinco do outro e continuamente enlaçá-las numa trança até o tamanho ser suficiente para criar um cesto, uma mala ou um tapete.

Odete nasceu em Benafim, uma pequena povoação no interior do concelho, e foi lá que aos nove anos se interessou pelo artesanato ao “ver os trabalhos que uma vizinha fazia”. Hoje, a artesã de 59 anos vende as peças feitas de palma e esparto em exposições, lojas e feiras. E dá formação a quantos queiram aprender: “É importante que as pessoas conheçam o que havia antigamente e que é obrigatório nós usarmos agora porque a palma é saudável e tem origem no campo, ao contrário do plástico”, defende.

A empreita é uma das técnicas de artesanato que descobrimos numa tarde dedicada às artes e ofícios típicos da região. Pouco depois, metemos as mãos na argila algarvia com o oleiro Armando Martins e iniciamos um cesto de cana e uma rústica espingarda de brincar com Domingos Vaz. Entre conversas animadas recheadas de histórias de outros tempos, cada artesão vai explicando como tratar e trabalhar a matéria-prima.

Os mini-ateliers fazem parte da segunda fase do projecto TASA (Técnicas Ancestrais, Soluções Actuais), que reúne artesãos e designers com o objectivo de utilizar os métodos tradicionais em novos produtos, úteis, inovadores e “vendáveis”. Além de 15 novas peças (há um cesto de piquenique, por exemplo, inspirado nas técnicas de fabrico de pandeiretas e tambores), o projecto tem agora um programa de workshops (um dia, meio dia ou fim-de-semana) onde os interessados são convidados a ir a casa de cada artesão aprender as fases do ofício, desde a recolha e tratamento da matéria-prima ao trabalho da peça. O próximo, gratuito, ensina a fazer cordas de pita com os aldeões Joaquim Romeira e João Pereira na localidade de Furnazinhas, em Castro Marim (29 de Novembro).

A não perder: cada workshop levá-lo-á a uma localidade diferente, mas não deixe de visitar a loja e sede do TASA, em Loulé, onde pode comprar recordações e saber mais sobre o projecto. Uma vez na cidade, passeie pelo centro histórico, do castelo ao mercado municipal.

Gastronomia

Uma incursão pela culinária algarvia não fica completa sem a visita aos mercados de Olhão, uma vez que são os mais imponentes da região e um dos centros culturais e turísticos da cidade. Construídos no início do século XX, os edifícios de tijolo vermelho surgem monumentais junto à ria Formosa. É lá que começamos o workshop organizado pela iniciativa Cataplana Algarvia, acompanhando o chef Freferico Lopes na compra dos ingredientes com que mais tarde confeccionaremos o almoço.

Primeiro, no mercado de verduras, os tomates, os pimentos verdes e vermelhos, cebolas, piri-piri, louro e coentros, tudo na banca da dona Rosa, que ali vende os seus produtos há 50 anos. “Sou a mais velha daqui, comecei aos 16 anos com a minha avó”, conta, enquanto vai pesando cada saco e anotando as contas à mão. Ao lado, no mercado do peixe, compramos a corvina e alguns mariscos da região: mexilhão, berbigão, lingueirão e amêijoa.

É já no restaurante da associação Tertúlia Algarvia, em pleno centro histórico de Faro, que descobrimos a história da cataplana, enquanto cozinhamos sob a batuta de Frederico. Este foi um primeiro ensaio do que constituirá o programa de experiências gastronómicas a ser implementado nos próximos meses, mas a associação – que tem como objectivo divulgar o património gastronómico e cultural do Algarve – já organiza demonstrações e oficinas de cozinha.

A não perder: visite os mercados de Olhão ao sábado, quando o buliço se estende em bancas pela rua, e prove os mariscos apanhados na ria. Passe por Tavira para provar alguns dos pratos típicos de atum e conheça melhor a Dieta Mediterrânica, declarada  Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Experimente xerém e rume à serra para provar os pratos de caça, a batata doce de Aljezur ou os enchidos de Monchique.

Vinhos

Sejamos sinceros: não é do Algarve que nos lembramos quando o tema é vinho, antes pelo contrário. Mas, nos últimos anos, a situação vitivinícola da região “inverteu-se totalmente”, com mais agentes privados e menos produção concentrada nas adegas cooperativas. “Veio outro tipo de conhecimento e qualidade que tem sido reconhecida em concursos e provas”, defende Carlos Garcias, presidente da Comissão Vitivinícola do Algarve.

É numa tentativa de limpar a imagem dos vinhos algarvios, utilizando ao mesmo tempo o seu potencial turístico, que este ano foi lançado oficialmente a Rota dos Vinhos. São quatro roteiros, Gil Eanes, Arade, Mourisco e Falésias, que nos levam por sete adegas, muitos vinhos e locais de interesse cultural, paisagístico e gastronómico.

É assim que chegamos à Quinta de Mata-Mouros, propriedade do empresário Vasco Pereira Coutinho, em Silves. No passeio pela vinha, as fileiras de videiras vão descendo paralelas sobre a encosta, dividindo atenções com a cidade, que se ergue em frente no seu casario branco e castelo altivo, com o delinear distante da serra de Monchique e o verdejante leito do rio Arade.

Já na adega, localizada junto a um convento construído no século XVIII, na entrada da herdade, provamos alguns dos novos vinhos aqui produzidos, desde 2012 sob gestão de Rita e João Soares (responsáveis pela Herdade da Malhadinha Nova, no Alentejo). Por baixo do corredor de plátanos que conduz à casa da família nascerá brevemente uma pequena loja, onde depois finalizará a visita guiada.

A não perder: se optar pelo Roteiro Mourisco, que termina na Quinta de Mata-Mouros, não prescinda da visita ao centro de Silves, com as suas ruas inclinadas e sinuosas e o castelo, o maior do Algarve.

Entre a serra e o rio

Estamos a cerca de 100 metros de altitude, numa colina junto ao castelo de Salúncar, em Espanha. Abrem-nos a portinhola de madeira sobre o vale, tiram-nos os pés do chão e de repente sentimo-nos a deslizar os céus do Guadiana, aterrando segundos depois em solo português. Desde o ano passado que é possível atravessar a fronteira de slide, cruzando o rio num cabo de aço com 720 metros de comprimento, a velocidades entre 70 e 80 quilómetros por hora.

Enquanto percorremos aquela que se assume como a “única tirolesa transfronteiriça do mundo”, conseguimos admirar a vila de Alcoutim a subir a encosta, o renovado castelo, a serra do Caldeirão a ondular o horizonte, o espelho do rio e, a chegar, quase sentir os ramos de uma oliveira roçar a sola dos sapatos.

Depois de atravessarmos o Guadiana pelos céus, terminamos a estadia pelo Algarve a percorrê-lo de barco, numa viagem até ao cais da pacata localidade de Montinho das Laranjeiras. As águas calmas vão embalando o final da manhã, por entre o serpentear do rio e muitas estórias sobre o contrabando do início do século XX. Ainda é possível avistar os antigos postos de vigia, agora em ruínas, nas duas margens (No Museu do Rio, na localidade de Guerreiros do Rio, um documentário relata testemunhos de antigos contrabandistas da região, entre outras histórias do Guadiana).

É um percurso relaxante, onde as paisagens deslumbrantes se sucedem a cada curva e é possível observar alguma da fauna e flora autóctone. Já próximo do destino, surgem na ourela portuguesa vestígios da villa romana do Montinho das Laranjeiras, acessíveis gratuitamente durante todo o ano.

A não perder: passeio pela pequena vila de Alcoutim e subida ao castelo, onde poderá visitar uma curiosa colecção de tabuleiros e pedras de jogos islâmicos, a maior em Portugal. Até 30 de Novembro, o concelho acolhe o festival gastronómico Sabores da Serra ao Rio. Agora que as temperaturas estão menos elevadas, os passeios pedestres são também uma boa forma de descobrir o barrocal e a serra, das paisagens selvagens da Costa Vicentina às margens calmas do Guadiana. A Via Algarviana é a grande rota que percorre todo o interior da região, mas em cada concelho existem dezenas de percursos assinalados, com diferentes durações e níveis de dificuldade.

A Fugas viajou a convite da Região de Turismo do Algarve

 

Guia prático

ONDE DORMIR

Pousada do Palácio de Estoi
É uma das três Pousadas de Portugal na região, inaugurada em 2009, após cinco anos de trabalhos de reabilitação do palácio. No edifício de tons rosa, construído no final do século XVIII em estilo barroco e rococó, estão agora situados o restaurante, o bar, os antigos salões (actualmente zonas de convívio e reuniões) e a capela. Numa nova ala localizam-se os 63 quartos e o spa.

ONDE COMER

Adega Nunes
Uma antiga adega, com decoração rústica recheada de utensílios tradicionais de outros tempos, serve de palco a refeições caseiras e gastronomia serrana, cozinhadas pela proprietária, dona Martinha.
Sítio dos Machados, São Brás de Alportel
Tel.: 289 842 506

Cantarinha do Guadiana
Nesta casa de pasto, é mais uma vez a proprietária, Isabel Ribeiros, quem toma conta da cozinha, onde os pratos típicos se enchem de sabores do rio, com destaque para as sopas de peixe e o ensopado de enguias.
Monte das Laranjeiras, Alcoutim
Tel.: 281 547 196

Lagar da Mesquita
Depois de encerrado durante cerca de sete anos, o restaurante foi remodelado e reaberto há seis meses. A cozinha mediterrânica reúne sabores dos diferentes países, num espaço de decoração rústica contemporânea, onde sobressaem inúmeras peças de arte.
Fonte da Mesquita, São Brás de Alportel
Tel.: 289 845 809

Tertúlia Algarvia
O restaurante abriu há um ano e meio e é o primeiro espaço da associação local com o mesmo nome. Se na decoração estão presentes as tradições de diferentes concelhos da região, num contraste entre o tradicional e a reinterpretação moderna, à mesa são novamente os sabores algarvios que se destacam, entre o mar das cataplanas e os produtos típicos da região, como poejo, batata-doce, coentros, laranja, alfarroba e amêndoa.
Praça Dom Afonso III, 13-15, Faro
Tel.: 289 821 044

 

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