Fugas - Viagens

O salto quântico dos cruzeiros é um navio inteligente

Por Andreia Marques Pereira

Fazer queda-livre ou subir cem metros no céu para obter uma panorâmica de 360 graus — estas são as estreias absolutas em alto-mar que fazem o cartão-de-visita do mais recente membro da família Royal Caribbean. É um gigante dos mares mas não vive apenas das aparências. É também um navio onde a mais recente tecnologia lhe confere inteligência q.b. para dar maior comodidade aos passageiros. Quem se atreve a enfrentar o Quantum of the Seas?

Por mais que pudéssemos pensar que já conhecíamos tudo o que um cruzeiro pode proporcionar, e nunca ousámos tal, algo não nos poderia passar remotamente sequer pela cabeça: estar num sábado ao final da manhã numa fila para um baptismo de queda livre — a bordo de um navio-cruzeiro, repetimos. A primeira tentativa havia sido na tarde anterior, mas perdemos a vez a ver outros “voar”. Ingenuidade pensarmos que enquanto um grupo se prepara para o seu salto, não está já outro a ter a sua sessão de treino, para logo equipar-se devidamente antes de ascender, triunfalmente, ao RipCord (by iFly).

Por isso, ali ficamos fascinados pelo ritual de cada grupo que chega ao convés 16 como se estivesse a chegar a uma nave de partida para uma exploração no espaço. É aqui, na popa do navio, que está, então, instalado o RipCord, uma câmara de vidro transparente de sete metros de altura onde, à vez, cada membro do grupo entra para cair (que na verdade é subir) no “vazio” controlado por potentes ventoinhas. E com a ajuda de um instrutor: é pela mão dele que termina a experiência de dois minutos — depois das tentativas de equilíbrio de cada “aventureiro”, bem rentes ao chão (com sorte consegue-se “voar” sozinho sem necessidade de auxílio para manter a postura), o fluxo de ar é intensificado e é o instrutor que os arrasta para cima, faz umas piruetas, baixa e torna a subir num ritmo que faz adivinhar a descarga de adrenalina.

É a nossa primeira vez em queda livre e é a primeira vez da queda livre em alto-mar. Não estamos, claro, num navio qualquer. É o Quantum of the Seas, o primeiro de uma nova classe, a Quantum, com que a Royal Caribbean inicia a sua conquista do futuro em alto-mar: é anunciado como o primeiro navio smart, inteligente, portanto, e falamos, claro, das novas tecnologias. Os “irmãos” já estão anunciados — o Anthem of the Seas chegará em Maio de 2015 e o Ovation of the Seas em Outubro de 2016 — mas é o Quantum of the Seas que já navega por estes dias, na viagem inaugural, de oito noites, entre Nova Iorque e as Bahamas. São estas águas que continuará a sulcar, em cruzeiros de sete ou 12 noites, à espera da sua transferência para o Extremo Oriente, onde ficará sediado em Xangai. Nós não assistimos ao seu baptismo, já em Bayonne (Nova Iorque), que teve como “madrinha” a actriz Kristen Chenoweth — não partiu uma garrafa de champanhe contra o Quantum of the Seas: sendo este “inteligente”, a madrinha-actriz ocupou o palco central do navio e limitou-se a pressionar um botão num tablet para lançar a garrafa de champanhe (neste ponto, a tradição continua a ser o que sempre foi); no entanto, tivemos duas noites a “sós” no Quantum of the Seas antes da sua apresentação oficial ao mundo.

Um mini-cruzeiro de duas noites pelo Canal da Mancha, com Southampton como ponto de partida e chegada, juntamente com imprensa e agentes de viagens de todo o mundo, não chega para escrever um diário de bordo exaustivo, e não poderá ser um paradigma das vivências a bordo do Quantum of the Seas, mas é um bom ponto de partida para a descoberta do novo gigante dos oceanos (quase 5000 passageiros de capacidade máxima) que é um autêntico resort para famílias.

E mesmo numa viagem de apresentação há famílias a bordo, com (as inevitáveis?) discussões entre mães e adolescentes.

- Eu não vou ao Mamma mia.

- Vais.

- Não, porque a essa hora tenho...

Confessamos que perdemos o contacto auditivo com mãe e filho, ingleses, que descem a escadaria à nossa frente. Ao musical Mamma Mia (há sempre um piscar de olho aos espectáculos ao estilo Broadway nos cruzeiros) iremos em poucas horas (uma surpresa total, como veremos) e é tanta a gente que enche o Royal Theatre, plateia e tribuna, que não conseguimos descortinar quem ganhou o braço-de-ferro, mãe ou filho; em relação a alternativas à música dos Abba, a oferta é tanta que não podemos sequer imaginar qual a que o jovem se refere. Se tal diversidade já é habitual em navios desta dimensão, no Quantum of the Seas o conceito é levado mais além; tanto que nos dá demasiado pano para mangas, que o (pouco) tempo a bordo obriga a que sejam necessariamente curtas.

E com tão pouco tempo mais se apreciam as virtudes “inteligentes” deste navio. Logo à chegada se revelam, para quem, como nós, fez previamente o check-in online: as longas filas no terminal que normalmente antecedem o embarque são substituídas por uma espécie de passadeira vermelha, onde um tablet lê os nossos dados e nos dá algo como uma via verde que apenas tem solavanco no controlo de segurança. Na prática, entre a chegada ao cais e a entrada no nosso camarote não passam mais de 15 minutos. E se tivéssemos querido a nossa mala já nos estaria esperando.

Como a levamos connosco, só nos falta a chave (cartão) que encontramos na porta do camarote com uma novidade: uma pulseira que, essa sim, é uma verdadeira via verde no navio, pois ao aproximá-la dos leitores temos acesso ao camarote e aos terminais de pagamento, por exemplo, o que significa andar pelo navio de mãos livres.

Ou quase. Um telemóvel é um acessório valioso neste navio — e quem diz telemóvel diz smartphone, quem diz navio diz smartship. Uma aplicação, Royal iQ, que funciona sem ser necessário adquirir o pacote de Internet (que tem velocidades equivalentes às de terra — não confirmamos a velocidade porque o sistema ainda não está operacional), permite gerir tudo o que está relacionado com o nosso cruzeiro — desde reservas de restaurantes, marcações no spa, excursões em terra —, e apresenta diariamente a nossa agenda, com lembretes, para que nada nos escape.

Os coktails dos robôs

Se fosse num cruzeiro a sério, o momento em que subimos 91 metros no céu para ter uma panorâmica do navio e das redondezas estaria agendado na nossa aplicação; como é especial, uma fila controla o acesso à cápsula de vidro que é outra das novidades em alto-mar. A ideia, dizem-nos, é oferecer aos passageiros uma vista total do navio — são 360 graus de panorâmica para eternizar em imagens, com a ressalva de que ao nascer e pôr do sol as subidas são pagas à parte.

Nós subimos quando o sol já está a declinar no horizonte, mas ainda não atinge as proporções mágicas da desaparição final; e ao invés da imagem de oceano a rodear-nos por todos os lados, ainda temos Southampton a nossos pés  — não perdemos tempo e esta é a nossa experiência inaugural no novo gigante dos mares, algumas horas antes de soltarmos amarras. Uns ainda sobem a bordo, outros já invadem os bares do convés à beira da piscina (mesmo abaixo do NorthStar), onde dois grandes ecrãs, um em cada margem, passam imagens de paragens paradisíacas (e serão palco de cinema ao ar livre).

Longe dos convés superiores, onde se transita entre o interior e o exterior, o navio inteligente também se exibe por detrás de um balcão. Bionic Bar é o nome do espaço em plena Royal Esplanade, o passeio público do navio que se estende em dois convés bem nas suas entranhas: aqui os cocktails são feitos por dois robôs que nesta altura ainda afinam as técnicas perante olhares curiosos. É o primeiro “bar biónico” do mundo, em mar ou terra, portanto, e a promessa é de que cada cocktail leve um minuto a ser feito. Por enquanto, os dois robôs ainda estão trapalhões (excepto quando o seu criador, durante a apresentação oficial, lhes programa uma coreografia, para que “não se pense que não são divertidos”) e longe da média prevista de mil cocktails diários.

Na verdade, durante o nosso cruzeiro praticamente só saem cocktails-teste e a explicação de como funcionará este bar onde os robôs obedecem aos caprichos dos clientes, eles sim os mixologistas de serviço através de uma aplicação nos tablets postos à disposição: tudo começa com um copo vazio, passa pela escolha dos ingredientes e das acções (agitar, mexer...), e pode terminar com o baptismo da (nova ou não) bebida.

O nosso primeiro dia bem que podia ter terminado noutra das novidades deste Quantum of the Seas, o Two70°, o lounge XL (abrange três andares em mezanine) que tem como característica mais marcante a vista panorâmica de 270 graus sobre o oceano que oferece na popa do navio. Sentimo-nos pequeninos perante tal vista (ou como se estivéssemos numa sala de cinema), porém só teremos esta visão no dia seguinte, porque à noite o espaço transfigura-se numa sala de espectáculos servida de tecnologia de ponta.

As vidraças tornam-se telas onde tudo pode ser projectado e ecrãs-robô acompanham a produção Starwater, que começa ao som de Vogue, de Madonna, e, quando pensamos que estamos num loop infindável de straight the pose, se desenvolve num espectáculo que mistura além da música e dança omnipresentes, novo circo. Como estamos num navio e cada espaço tem de ser maximizado ao máximo, o Two70° ainda tem fôlego para se transformar em discoteca — mas nós preferimos avançar nas descobertas. E deixamos, então, o dia acabar já noite fora, na proa do navio: o Music Hall é discoteca, sala de concertos (na noite seguinte terá a estreia nestas andanças) — e durante o dia quase não o reconheceremos como um circunspecto clube ao estilo inglês, poltronas de veludo e mesas de bilhar incluídas.

Em queda livre, por fim

Da noite para o dia, do dia para a noite. O Quantum of the Seas, está visto, nunca é igual e nunca deixa de ser o mesmo. Estamos no Sea Plex. Ao final da tarde de ontem havíamos andado de carrinhos de choque e antes ainda havíamos visto tabelas de basquetebol compondo vários pequenos campos —  nesta manhã, na apresentação oficial aos jornalistas deste espaço, o Sea Plex é uma pista onde evoluem duas patinadoras (patins de quatro rodas). Como tantos espaços no navio, este também é uma espécie de canivete-suíço, com vários recursos: se agora é pista de patinagem, baixem-se as tabelas nos topos e será um campo de basquetebol com medidas regulamentares (mas futebol, voleibol e outros que tais são bem-vindos), os trapézios da escola descem do tecto para aulas, os carros de choque entram ao final do dia e para dançar faz-se pista (a cabina do DJ é uma plataforma suspensa num braço inquieto).

Pavilhão desportivo, tenda de circo, feira popular, discoteca — e ainda salão de jogos, em recantos da mezanine (vejam-se os matraquilhos, o air hockey, pingue-pongue, e até XBox, onde se pode jogar em rede): “Quisemos criar a melhor experiência para todas as idades”, explica Joshua, o responsável da área de Guest Activities, apresentado como “o cérebro” por detrás da ideia, que tinha de ser “multigeracional” e de “natureza transformativa”.

Recanto multifacetado, portanto, bem junto ao triângulo “radical” — a novidade da queda livre, secundado pelos já habituais nos navios da Royal Caribbean simulador de surf e parede de escalada, de certo modo abrigada pelo urso vermelho gigante, instalação artística que é incontornável referência visual. É aqui que Luís dos Reis, 24 anos, está a trabalhar hoje. “Somos polivalentes. Eu estou no North Star, no Sea Plex, no pára-quedismo, aqui...”. Licenciado em Desporto, desempregado em Portugal, trabalhou em estufas de flores na Holanda até que ouviu falar da feira de cruzeiros de Londres. Foi e ficou. “Pelo menos dois contratos”, define Luís, estreante neste mundo. “Estou entusiasmado, mas ainda há muito a ajustar.”

No vizinho RipCord, tudo já parece bem ajustado. Conseguimos inscrever-nos num dos muitos grupos que fazem com que a fila seja omnipresente ao longo de todo o dia e entrar nesta espécie de linha de montagem de saltos em queda livre que neste segundo dia se tornou numa quase obsessão nossa. Começamos pelo treino, com explicação básica sobre qual deve ser a nossa postura na “queda” (o corpo como peso-morto, braços a desenharem meios círculos ao redor da cabeça, pernas ligeiramente afastadas e queixo levantado) e aprendizagem de sinais de comunicação com o instrutor (dedo levantado significa levantar o queixo, dedos encolhidos significa levantar braços e pernas, por exemplo); passamos pelo vestiário para nos enfiarmos nos fatos de salto, colocarmos óculos, tampões e capacete até desembocarmos nesse convés, mar por diante e a vertigem do vazio por objectivo.

Na antecâmara, o grupo senta-se esperando a sua vez de entrar no cilindro e nós temos a sorte, o azar, de ser dos últimos. A ansiedade sobe, mas desce o medo de perder o controlo do nosso corpo num voo indisciplinado (não pela segurança, pelo ridículo, confessamos, afinal sabemos bem que o exterior é plataforma de mirones). Uma vez a voar, a luta para controlar o corpo é tão grande que só realmente olhamos o mar e o vazio quando subimos com a ajuda do instrutor; e quando achamos que finalmente estamos confortáveis já estamos a dar o salto para sair.

No domingo de manhã, bem cedo, quando abandonamos o Quantum of the Seas o sentimento é semelhante. Agora que os espaços nos começam a parecer familiares e já nos conseguimos mover quase sem olhar as indicações e plantas do navio, somos conduzidos à saída. Tal como se tivéssemos tido um treino de preparação para usufruir deste navio — ou melhor, desta “experiência de férias”, como preferem os responsáveis — a 100%. Quem se atreve?

Refeições dinâmicas

Esqueçam-se noites de gala e jantares com o comandante do navio. O Quantum of the Seas, ao contrário dos outros navios da Royal Caribbean, não tem uma sala de jantar principal com tudo o que tal implica: lugares e horas marcadas para as refeições incluídas no pacote de viagem. Aqui, a ideia é a da liberdade total,  num conceito que os responsáveis chamam de “jantares dinâmicos”. Cada um pode escolher entre os 18 restaurantes a bordo, entre novidades e velhos conhecidos da frota da Royal Caribbean, sendo que as reservas são imperativas em muitos deles e em alguns o preço não está incluído no pacote de viagem.

Entre estes últimos está, por exemplo, o Jamie’s Italian, assinatura do mediático chef inglês Jamie Oliver, o Wonderland Imaginative Cuisine, com uma decoração saída directamente do universo de Alice no País das Maravilhas e um menu onírico construído em torno dos cinco elementos ou o Michael’s GenuinePub, gastropub do chef Michael Schwartz; a contrabalançar, entre os de livre acesso temos desde a cozinha contemporânea (Chic) à confort food norte-americana (American Icon Grill), das saladas, sanduíches e pastelaria em diversos espaços ao tradicional buffet, o Windjammer (com uma nova área de grill aberta 24 horas), sem esquecer os cachorros-quentes e as pizzas. Se durante o dia deambulámos por vários destes sabores, aos jantares optámos pela fusão pan-asiática do Silk, em ambiente de boudoir oriental feito de veludos e drapeados vermelhos para refeição ao estilo familiar, pela cozinha internacional do (mais) formal The Grande Restaurant.

Camarotes, lofts e varandas virtuais

Não é novidade em alto-mar (outras companhias já os têm), mas é uma estreia na Royal Caribbean e, cremos, um salto na qualidade das viagens de alguns passageiros. Por isso começamos por eles, pelos camarotes interiores que agora oferecem vista — projectadas numa tela de cinema que ocupa a parede do camarote estão imagens do exterior, transmitidas em tempo real e com a imagem orientada pelo próprio movimento do navio, para não haver predisposições a enjoos. Ao estilo do cinema com sistema surround, são reproduzidos também os sons exteriores e pode regular-se (e desligar-se) tudo: som e imagem.

Ligar e desligar são também conceitos incontornáveis nos “camarotes familiares com ligação”, ainda que aqui de forma analógica. A ideia é alojar famílias maiores, podendo unir-se os camarotes — e até cantos do navios, formando uma espécie de apartamento com corredor. Do outro lado do espectro, há estúdios para ocupação single.

Verdadeiros apartamentos, mas em open space de dois pisos, são as suites Loft que desde logo deslumbram pelas vistas, dois andares de parede envidraçada (e varandas-terraços correspondentes). Os serviços (de concierge pessoal, por exemplo) e as amenities são diferenciadas nestas suites e uma delas tem mesmo jacuzzi no exterior. Há ainda outras três categorias de suites júnior — tudo junto, constitui a mais variada oferta de camarotes da Royal Caribbean.

Quantum of the Seas em números

348 metros de comprimento (duas pirâmides de Gizé)

41 metros de largura

22 nós de velocidade

18 convés - 16 para passageiros

2090 camarotes: 1471 com varanda, 148 com vista de mar, 375 interiores

4905 passageiros em ocupação total

1500 tripulantes

18 restaurantes

4 piscinas: duas exteriores (uma para adultos outra para crianças); duas interiores (uma só para adultos, no Solarium, e outra com tecto amovível)

 

Preços

Cruzeiro pelas Caraíbas Orientais - 10 noites, com saída a 23 de Janeiro, a partir de 1419€; 11 noites, com saída a 2 de Fevereiro, a partir de 1219€; Cruzeiro pelo Sul das Caraíbas - 12 noites, saídas a 11 de Janeiro, 1 de Março, 12 de Abril, desde 1326€.

Saídas e chegadas: Cape Liberty, New Jersey (EUA).

 

A Fugas viajou a convite do Quantum of the Seas

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