Fugas - Viagens

  • dr
  • dr
  • CHALOUPKA MIROSLAV
  • dr
  • dr
  • dr

Plzen, Capital Europeia da Cultura: Uma cerveja para começar e a lista de eventos, sff

Por Sousa Ribeiro

Capital Europeia da Cultura 2015, a par de Mons, Plzen, na República Checa, está intimamente ligada à produção de cerveja. Uma cidade tranquila, com fortes tradições culturais e um belo centro histórico, a preços mais baixos e sem as multidões que assaltam Praga.

- Queremos mostrar que, na República Checa, há muito mais para ver do que Praga.

O meu imaginário transporta-me, com estranha rapidez, para os milhões de turistas errando, como se de um formigueiro enlouquecido se tratasse, pelas ruas e vielas da capital checa, alisando as pedras da Ponte Carlos IV, enquanto carregam máquinas fotográficas que disparam tão rapidamente como correm, sob os seus arcos encimados de estátuas, as águas do rio.

Se Ceské Budejovice, urbe medieval que é a capital regional do Sul da Boémia, está fortemente associada à Budweiser, Plzen, localizada na parte ocidental daquela região checa, permanece eternamente ligada à Pilsner. Se a primeira é, para os germânicos, Budweis, aquela que é uma das capitais europeias da cultura em 2015 é vulgarmente designada, entre os mesmos, como Pilsen, uma cidade situada na confluência de quatro rios, do Mze, do Radbuza, do Uhlava e do Uslava, os tributários do Berounka.

Com os olhos postos no Radbuza, que serpenteia por Plzen, reflicto sobre as palavras de Helena Prokopóva, ao mesmo tempo que respiro a quietude.

- Espero que o estereótipo de cidade da cerveja se mantenha como principal atracção junto dos turistas. Mas, com a cobertura mediática de que Plzen será alvo, em todo o mundo, como capital europeia da cultura, não tenho dúvidas de que seremos capazes de mostrar uma cidade maravilhosa, onde se pode provar uma saborosa cerveja, cozinha tradicional checa, visitar monumentos históricos e muito mais.

Por momentos, escuto um rumor que sobe do rio, logo secundado do som que produzem os sinos da catedral; o momento ideal, como quase tantos outros ao longo do dia, para beber uma cerveja, identificando-me com Plzen, com parte da sua essência. É necessário recuar até 1842 para encontrar as origens da Urquell Pilsner, a pioneira do género, hoje convertida em instituição e na maior exportadora de cerveja do país — e não é por acaso que Urquell, prazdroj em checo, significa a fonte. Tudo o que hoje se faz, um pouco por todo o lado, no mundo da lager, não passa de imitação do trabalho e da criatividade que levam a assinatura de Plzen, onde já se produzia cerveja em finais do século XIII. O Museu da Cerveja, na Veleslavinova, 6, pode revelar-se uma experiência única e ponto de partida para uma incursão pelas caves, ao longo de um percurso de cerca de 800 metros e através de uma sequência de túneis e de passagens labirínticas (num total de 19 quilómetros) que conduzem aos espaços onde, entre os séculos XIV e XIX, se confeccionava, armazenava e era servida cerveja — e estranhamente, ou talvez não, a República Checa ocupa o primeiro lugar na lista de maiores consumidores de cerveja do mundo.

O lugar, com toda a sua história, não deixa de produzir um encanto sobre o viandante mas os fãs da bebida devem atravessar o Radbuza para uma visita à cervejaria da Urquell Pilsner e, mesmo que bebam como se o fim do mundo se aproximasse, nada melhor do que interiorizar o lado positivo, deixando que os olhos se concentrem na assinatura de Franz Joseph I, como se também ele tivesse bebido de mais. De visita às caves, em 1885, o imperador austríaco fez uma tentativa para assinar em checo mas foi traído pelo alemão, acabando por rubricar, quando se apercebeu do equívoco, o seu nome dividido em duas línguas.

A Urquell Pilsner cola-se a Plzen como uma lapa a um rochedo mas há, para os detractores de um mundo globalizado, algumas opções que, permitindo que se mergulhe na história da cerveja, se revelam menos turísticas, como a independente Purkmistr, que organiza um festival anual de cerveja, designado Slunce ve Skle, em Setembro, e gere o primeiro Beer Spa, no Pilsner Beer Spa and Welness Hotel, onde é possível tomar um banho de cerveja, misturado com outros ingredientes. 

O regresso de Lindauer

- Não é fácil estimar, por agora, o número de turistas que visitarão Plzen mas, se o acréscimo corresponder a 30%, não há razões para falar de insucesso. Em 2014, registou-se um aumento na ordem dos 10%, o que é positivo se tivermos em conta que, em 2013, recebemos qualquer coisa como 250 mil turistas. 

Vista desde a parte subterrânea, Plzen não se materializa, mas ajuda a compreender-se. Para lá de todas as caves, onde, neste ou naquele tempo, se guardou comida e bebida e, noutros, serviu de refúgio em períodos de guerra ou de turbulência, ergue-se uma cidade, sempre serena, por vezes envolta na depressão do cinzento do céu, aqui e acolá sacudida pelos raios de um sol que a torna ainda mais sedutora — e no Verão as temperaturas atingem facilmente os 35 graus.

Plzen também tem fama de ser tolerante: como a Grande Sinagoga, não há outra, na República Checa, em dimensão, que se compare; é a segunda maior da Europa e, no mundo, somente fica a perder para Jerusalém e Budapeste. Mandada construir em 1892 no estilo mourisco-românico por 2000 judeus que, por essa altura, viviam em Plzen, é um das mais proeminentes atracções da cidade, tanto por ser um lugar de culto, como por se tornar, com relativa frequência, palco de concertos e de exposições que abrangem pintura e fotografia, entre outros. Entre finais do século XIX e início do século XX, a cidade florescia, prosperavam a indústria e a arte, graças ao poder económico de muitos membros da comunidade judaica que convidaram arquitectos famosos, entre eles Adolf Loos, para se instalarem em Plzen. Nascido em Brno, Adolf Loos viveu dois períodos da sua vida em Plzen, onde actualmente se podem admirar alguns apartamentos cujos interiores foram repensados pelo checo. O arquitecto tinha os seus melhores clientes na área ocupada pela actual Rua Klatovska, famílias de ricos comerciantes judeus que habitavam, em finais do século XIX, aquela que era considerada a zona mais luxuosa da cidade — uma relação que contrasta com o facto de não raras vezes Adolf Loos ser apontado como anti-semita, um rótulo estranho quando muitos dos seus amigos, assistentes e estudantes, bem como duas das suas quatro mulheres, eram judeus.

Se Mons, na Bélgica, abre hoje o programa oficial, Plzen começou a mostrar-se ao mundo como capital europeia da cultura há uma semana — depois de cinco anos de preparação —, dividindo-se, como a sua congénere belga, em quatro temas, um deles focado no Trânsito e nas Minorias. Uma decisão que não resulta apenas do facto de Plzen dispor, ainda há bem pouco tempo, de cinco sinagogas, mas pela permanente necessidade de discutir as relações com as minorias, vivendo próximas ou distantes, na perspectiva de que Plzen é uma cidade situada num eixo importante da Europa, logo dependente, economicamente, da circulação e do estabelecimento de outros povos. Como não podia deixar de ser, Plzen presta a sua homenagem a Gottfried Lindauer, artista checo (mais tarde naturalizado neozelandês) que é filho da cidade (na altura parte do Império Austro-Húngaro) e famoso pelos seus retratos. Nascido Bohumír, traduziu mais tarde, alegadamente para melhor se implantar no mercado, o seu nome para alemão e, para escapar à incorporação no exército austríaco, embarcou, em 1879, para a Nova Zelândia, onde se destacou a pintar expressões de importantes chefes maori. Parte desse trabalho, cedido pela National Gallery de Auckland, pode agora ser visto, pela primeira vez, em Plzen — e na Europa —, englobado no tema Trânsito e Minorias.

O mundo das marionetas

Esta é a terceira etapa das celebrações, a primeira, já em curso, abrange as Artes e as Tecnologias, com particular ênfase nas profissões sustentáveis nos ramos criativo e cultural e, em simultâneo, o fortalecimento da cidade no contexto europeu. Plzen foi fundada em 1295 pelo rei Wenceslas II e, devido à sua situação geográfica, no cruzamento de duas importantes rotas comerciais, conheceu um rápido crescimento, contrariando a tendência inicial que, no século XIV, produzia números sem expressão em face da realidade actual (cerca de 180 mil habitantes). Por esse tempo, Plzen não era mais do que um conjunto de 290 casas que se agrupava numa área de 20 hectares, com uma população total de 3000 habitantes.

Só eventos, tantos anos depois, são 600.

- Esta é uma grande oportunidade para colocar Plzen no mapa da Europa, assume Helena Prokopová.

O sol dardeja os seus raios ténues sobre a Nám Republiky, a Praça da República que acolheu, em clima festivo, no dia da abertura, a filarmónica local, executando a Sinfonia dos Sinos, da autoria do compositor checo Marko Ivanovic e, pouco depois de a noite substituir o dia, testemunhou o repicar dos sinos da igreja de São Bartolomeu, com a sua torre erguendo-se a 102 metros, a mais alta em toda a Boémia e encimando a estrutura do século XIII, em cujo interior pontifica uma imagem gótica de Nossa Senhora, datada de 1390. Também desde já mas prolongando-se ao longo de dez meses, uma das grandes apostas da cidade, os eventos dedicados ao circo contemporâneo, inseridos no programa Le Cirque Nouveau Season, bem como um festival de luz, em Fevereiro, combatendo as trevas em que Plzen mergulha no Inverno com uma instalação eléctrica em grande escala ao longo das artérias em volta da Praça da República.

Depois das Artes e das Tecnologias, que engloba uma exibição retrospectiva de Jirí Trnka e uma série de projectos que fazem referência ao passado industrial de Plzen, colectivamente denominado Imagination Factories, segue-se a temática Relações e Emoções, focada nos espaços públicos em geral e na sua transformação, um esforço em conjunto de cidadãos, políticos e arquitectos. Sendo uma cidade que se expande movida pela indústria — no pico da produção, a Skoda, com quase 160 anos de existência, empregava 20% dos trabalhadores locais —, Plzen proporciona um atractivo centro histórico, abraçado por agradáveis espaços verdes arborizados e frequentado por grande número de jovens estudantes que lhe conferem vida mesmo na tristeza do Inverno. A presença do conservatório impulsiona a cena musical da cidade, com concertos ao vivo em todas as épocas do ano mas principalmente no Verão, quando os músicos abandonam o interior dos bares para emprestarem outra alma ao coração de Plzen, que organiza, todos os anos, o popular Jazz bez hranik, o festival sem fronteiras. Mais tradição tem, ainda, o teatro de marionetas, como o grupo francês Royal de Luxe, com múltiplas actuações de rua tendo como fundo a majestosa Praça da República. Nesse âmbito, será erguida, entre 27 e 30 de Agosto, no local dominado pela majestosa Igreja de São Bartolomeu, uma marioneta gigante, chamada Little Girl Giant, subindo nos céus a uma altura de seis metros, uma manifestação artística que pode servir de pretexto para uma visita ao museu dedicado às marionetas ou para uma incursão no mediático Teatro Alfa, onde o filho e o neto da lenda deste espectáculo, Jirí Trnka, continuam a desenvolver o negócio familiar. Ainda antes, entre 15 e 19 de Junho, Plezen organiza o muito celebrado Skupa Pilsen International, um festival bienal que já vai na sua 30.ª edição e que junta companhias estrangeiras e locais. 

As Histórias e as Fontes servem de base para a derradeira fase do programa, uma forma de promover o turismo que assenta em algumas figuras ligadas à cidade, como o já citado Adolf Loos e Ladislav Sutnar, também nascido em Plzen e nome destacado (alcançou um grande sucesso profissional e reconhecimento cultural na década de 1930) no mundo do design e do teatro (era um apaixonado pelas marionetas e durante parte da sua vida foi director de arte).

De uma das margens, tendo o rio como fronteira, pouso os olhos na cidade que se debruça sobre as suas águas, sem vontade de regressar a Praga e teimando em permanecer por ali, com todo o tempo, apenas pensando que, mesmo quando o crepúsculo já banha de dourado o Radbuza, há muito mais para ver na República Checa. E para beber.

 - Por um preço mais em conta e sem as multidões de turistas de outras cidades, observa, cheia de razão, Helena Prokopová.

A noite não tarda a cair e envolve a cidade na sua tranquilidade. Nos bares, sob luzes mortiças, homens e mulheres, mais agitados, envolvem copos e canecas de cerveja com as suas mãos. Saia outra pilsner.

GUIA PRÁTICO

Quando ir

Estando numa zona temperada, pouco mais de 300 metros acima do nível das águas do mar, Plzen beneficia de um clima continental, verões que se prolongam encurtando as estações da Primavera e do Outono, enquanto os invernos são secos, embora com neblinas persistentes e, em média, pouco menos de dois meses de neve. Qualquer altura é boa para visitar Plzen mas, também em média, os meses com melhor temperatura são Julho e Agosto, sendo este último o mais húmido, Fevereiro o mais seco e Janeiro o mais frio.   

Como ir

Plzen dista cerca de 80 quilómetros de Praga, para oeste, pelo que o aeroporto da capital checa é o mais conveniente para quem pensar em visitar a segunda maior cidade da Boémia, com um total de 170 mil habitantes. A TAP viaja directamente para Praga com uma tarifa a rondar os 220 euros (ida e volta) mas, mediante uma curta escala, pode poupar pelo menos 50 euros, recorrendo aos serviços da Lufthansa, da Swiss ou da Brussels Airlines. Desde o Aeroporto Internacional Václav Havel, saem com frequência autocarros (n.º 100) para o terminal de Praga-Zlicín, de onde partem, de hora a hora (em determinados períodos de meia em meia hora), autocarros da empresa Student Agency (www.studentagency.cz) para Plzen, um percurso de uma hora que custa 100 coroas. Uma vez no terminal, são apenas 15 minutos a pé até ao centro da cidade ou, em alternativa, o transporte público (o 11 ou 12 até à paragem de Mrakodrap ou o 2 até à Praça da República, Námestí Republiki). É igualmente possível utilizar o comboio para fazer a ligação entre as duas cidades mas a opção revela-se mais demorada e mais dispendiosa. Há ainda outra forma, talvez mais em conta, de chegar a Plzen: um voo desde Lisboa até Munique ou Nuremberga e, de uma ou de outra, de comboio até à cidade checa, por 50 e 40 euros, respectivamente (há dois serviços por dia).

Onde comer

Procurado por turistas e locais e anexo ao Brewery Museum, o Na Parkanu (www.naparkanu.com), na Veleslavínova, 4, a despeito de ser um pub, proporciona algumas delícias gastronómicas difíceis de igualar em toda a cidade, bem como cerveja de grande qualidade e um ambiente único. Outro pub, o U Mansfelda (www.umansfelda.cz), na Drevená, 9, é uma experiência a não perder, com uma cozinha tipicamente checa, boa lista de vinhos e, como não podia deixar de ser, estando em Plzen, cerveja que legitimamente goza de elevada reputação. Para os adeptos de comida orgânica, recomenda-se o Slunecnice (www.slunecniceplzen.cz), na Jungmanova, 10, onde uma boa refeição não custa mais de cinco euros.

Onde dormir

Uma das melhores opções em Plzen passa pelo Hotel U Zvonu (www.hotel-zvonu.cz), na Prazká, 27, situado a dois passos das principais atracções da cidade. O espaço, com estatuto de quatro estrelas, é gerido por Martin Straka, uma antiga estrela checa do hóquei no gelo que se sagrou campeão olímpico e mundial e que, juntamente com a família, soube dar um toque de modernidade e de conforto a um hotel que tanto agrada a homens de negócios como aos turistas em geral. Um quarto duplo custa aproximadamente 80 euros e um apartamento (para um máximo de três pessoas) 125, sendo o mais emblemático o 31, decorado com memórias do hoquista ao longo de 18 épocas na NHL. Durante os fins-de-semana, o U Zvonu reduz substancialmente as tarifas (um duplo por 60 euros e um apartamento por 100).

Menos central (fica localizado no bairro comercial de Borska Pole, próximo da universidade) mas mais barato é o Hotel Ibis Plzen (www.accorhotels.com), com duplos a partir de 30 euros.

Se reservar com antecedência (dispõe apenas de dois duplos e um single), vale a pena alojar-se na elegante Pension v Solni (pension.solni@post.cz), na Solni, 8, onde um single fica por 600 coroas e um duplo por 1020 (cerca de 20 e 35 euros, respectivamente), com a vantagem de ficar instalado num edifício do século XVI alvo de obras de restauro num passado recente.  

Informações

Os cidadãos portugueses carecem apenas de um documento de identificação (bilhete de identidade/cartão de cidadão ou passaporte) para visitar a República Checa. Para estadas superiores a 30 dias, os cidadãos da União Europeia (UE) têm de inscrever-se no Departamento de Polícia de Estrangeiros e Fronteiras no prazo máximo de 30 dias após a sua chegada (por norma os hotéis encarregam-se de o fazer). O país aderiu à UE em 2004 mas, embora obrigado pelo Tratado de Adesão de 2003 a aderir à Zona Euro, a moeda em circulação continua a ser a coroa checa. Um euro equivale a mais ou menos 27 coroas. A diferença horária em relação a Portugal é de uma hora (mais). A embaixada de Portugal na República Checa é em Praga, na Pevnostni, 9 (www.embportugal.cz). 

--%>