Fugas - Viagens

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Dois dias na Corunha, a vaguear entre lendas e mares

Por Carla B. Ribeiro

Em apenas 48 horas deixámo-nos levar pelas lendas, pelo mar e pelo desafio do “conhece-te a ti mesmo”. No fim, (re)descobrimos uma cidade que continua tão abraçada ao Atlântico como sempre. Um miniguia de como aproveitar um fim-de-semana n’ A Coruña.

Torre de Hércules: A cabeça do gigante

Afonso X de Espanha, avô de D. Dinis de Portugal, inspirou-se na mitologia grega para contar a história do farol que chegou aos nossos dias com o nome do herói clássico muito por conta disso. Numa altura em que a Península era dominada pelo terror do gigante Gerião, Hércules, filho do deus grego Zeus e da humana Alcmena, veio a esta região para confrontar o tirano. A luta durou três dias e três noites com Hércules, no final, a cortar a cabeça ao gigante e a enterrá-la junto ao mar. Para que a sua vitória não fosse esquecida, o semideus começou a construir uma torre, que viria a ser terminada pelo sobrinho, Hispán, e fundou a cidade, baptizando-a com o nome da mulher pela qual se enamorou durante a sua breve estada: Crunia.

E se, como reza a lenda tornada famosa pelo monarca do século XIII, a cidade nasceu aqui, deverá ser este o primeiro ponto obrigatório de passagem numa visita, mesmo tendo em conta que a tarefa de escalar ao topo do único farol romano em actividade não é menos hercúlea. São 242 degraus em caracol, pelo coração da torre, cuja recuperação datada do século XVIII é bem visível nas marcas deixadas pela intervenção de forma a distinguir o original — um projecto que tem nome luso associado, o do arquitecto de Conímbriga Gaio Sevio Lupo — das partes restauradas.

No edifício romano, explica o guia, entre lições arqueológicas e históricas, não haveria uma escada, mas uma rampa que circundaria a torre e que assim facilitava as cargas e descargas por aquilo que hoje nos parecem janelas, mas que eram na realidade entradas.

Mas voltemos aos degraus. É que se a história e toda a carga mitológica associadas à Torre parecem ganhar vida entre paredes, no topo, junto ao posto de vigia, aguardam-nos largas vistas para o presente e futuro da Corunha, delineada a baías e enseadas, a portos e praias.

Na impossibilidade de subir a imensa escadaria, vale a pena o passeio pelo espaço verde do parque que protege a torre e que inclui percurso escultórico com diversas peças.

O monumento está aberto ao público o ano inteiro — no Inverno, das 10h às 18h; no Verão, das 10h às 21h. As entradas custam 3€, excepto às segundas e no Dia Internacional dos Museus em que as visitas são gratuitas. Há visitas guiadas promovidas pela Prefeitura sem pagamento extra mediante reserva.

Aquário Finisterrae: Ode ao mar

Haja tempo e vontade, e a Corunha é uma cidade que apetece conhecer a caminhar. Tendo como ponto de partida a Torre de Hércules, seguimos pelo Paseo Marítimo com o centro da cidade como destino final, mas com vários pontos de paragem obrigatória. Um deles é o Aquário Finisterrae, onde a cidade homenageia o mar que lhe dá vida.

Inaugurado em 1999, o espaço não só alberga uma panóplia de espécies marinhas como, assim que entramos, se encarrega de nos transportar numa viagem pela história da urbe e das suas gentes, não tivessem sido o mar e a ria os grandes motores económicos. Ainda hoje o são. Pela pesca, também, mas mais ainda por causa dos navios de cruzeiro que aportam diariamente por aqui, atraídos pelos mistérios da cidade, e pelo transporte de carvão e de petróleo. A localização estratégica, no entanto, também foi ao longo dos anos fruto de dissabores. Nem o Atlântico da Costa da Morte dá tréguas nem a ria é de fácil navegação e na história da Corunha pesam os casos de acidentes ambientais como o do navio grego Mar Egeu, com mais de 79 mil toneladas de petróleo a bordo, que encalhou frente à Corunha em 1992. Dez anos depois, a cidade voltou a ser fustigada com o Prestige. Alertas presentes um pouco por todo o aquário fazem questão que nenhum destes casos seja esquecido.

Aparentemente alheios a todas estas questões parecem estar os seres que habitam o circular tanque em exposição no centro do aquário e que reproduz a vida a 400m de profundidade, com raias-de-dois olhos, tamboris, sapateiras, lagostins, caranguejos… As salas percorrem-se de aquário em aquário (naturalmente, os peixinhos coloridos que povoam o imaginário infantil desde o filme Nemo também cá estão) até chegarmos aos grandes tanques por onde as moreias parecem encetar um bailado e tudo à volta nos remete para o interior do imaginário de Júlio Verne. Mas a estrela deste espaço é Gastón, um tubarão-touro de três metros e mais de cem quilos. Enquanto isso, lá fora as focas exploram a piscina natural que aproveita as escarpas para recriar um ambiente divertido para estes animais.

O aquário está aberto todo o ano (encerra apenas no Natal, Ano Novo e Dia de Reis), de segunda a sexta entre as 10h e as 18h e aos fins-de-semana e feriados das 11h às 20h. A entrada tem um custo de 10€.

Mercado de Santa Lucía: Festim de cor

Valorizar o mar poderia ser um lema no Mercado de Santa Lucía, onde logo pela manhã fomos encontrar um verdadeiro banquete marinho. Assim que se entra é uma festa. De cor, de brilhos dos peixes frescos ainda por escamar, de cheiros. Pelas bancas deste mercado novinho em folha e forrado a vidro, uma amostra da fauna que povoa a ria da Corunha e o mar da Galiza. Todos expostos com o cuidado e com o gosto de quem vê naquele pedaço de balcão uma montra viva por onde se podem apreciar polvos, mexilhões, perceves, santolas, amêijoas, berbigões.

O colorido do mercado manifesta-se no que se vende e em quem aqui faz vida. É o caso de Bea, 59 anos, com três décadas de mercado no currículo, que vai trauteando uma cançoneta enquanto amanha o pescado de uma fiel cliente. Acorda todos os dias pelas 3h para chegar à lota às 5h. Só assim se consegue o peixe mais fresco.

Passeamo-nos de banca em banca, sem o que comprar. Não somos os fregueses ideais, mas nem por isso os sorrisos se desvanecem. É que a boa disposição também faz parte do negócio. “Temos que nos divertir enquanto trabalhamos, se não é uma tristeza”, resume Bea com uma ampla gargalhada.

O novo edifício, que poderia ser confundido com um qualquer centro comercial — o antigo, opina a nossa guia corunhesa, “era muito bonito”, mas não só “não tinha condições” como “a reconstrução exigia um custo demasiado elevado” —, divide-se em mais pisos além deste dedicado ao mar. Há um só para frutas e vegetais e outro que se divide entre talhos e charcutarias. Num destes, o queijo típico da Galiza que não costuma deixar os turistas indiferentes graças à sua forma semelhante a um seio feminino. O queijo Tetilla, diz-se, começou a ser cozinhado com este formato depois de as autoridades religiosas terem ordenado o corte das curvas do peito da estátua da rainha Ester na Catedral de Santiago.

Domus, Casa do Homem: Conhece-te a ti mesmo

Apresenta-se como o “primeiro museu interactivo do mundo dedicado ao ser humano” e foi projectado por um dos maiores arquitectos vivos, o japonês Arata Isozaki. O prédio impõe-se frente ao mar como uma vela enfunada pelo vento, erguida num “navio” de rocha, sabiamente aproveitada na estrutura do edifício, revelando-se, aqui e ali, naturalmente húmida e limosa. Como se o prédio fosse em si um ser vivo que por acaso a rocha deu à luz.

Lá dentro, o espaço expositivo não surpreende tanto quanto o esqueleto arquitectónico, traçado a grandes aberturas, ligações, interligações e corredores verticais. Ainda assim, há diversão didáctica por todo o lado — e peças marcantes das mais diversas áreas. É que o Domus, que tem por mote Nosce te ipsum (latim para “Conhece-te a ti mesmo”), reparte-se por umas duas centenas de pontos relacionados com a Inteligência, a Genética e a Evolução. Querendo ser um museu interactivo (atenção ao slogan: “É proibido não tocar”), tão científico quanto pop (e acessível: 2 euros), dá-nos logo dois sinais de que é possível ser sério sem deixar de brincar. Há logo sexo e cinema: lembra-se Marilyn Monroe de saia a subir com mãos de vento. Há logo vida e morte, pensamento e arte: um esqueleto azul sobre pedestal de estátua em posição d’ O Pensador de Rodin. Por todo o lado há informação e há “brincadeiras”: são dezenas de jogos, aparelhos, instrumentos de medição, etc., etc., tudo posto à disposição para usarmos. Podemos medir-nos de todas as formas e feitios, pôr as mãos sobre a barriga de uma mãe-modelo para sentir como um bebé se mexe e dá pontapés, testar a rapidez do nosso pontapé. No fim, não se pode deixar de tirar a fotografia de família com os nossos antepassados: um Neanderthal, um Erectus ou um Australopithecus.

Instalado no edifício de Isozaki há outro Domus, um restaurante que tem na ementa o cunho do chef Eduardo Pardo e um gostinho da Casa Pardo, sítio afamado e estimado com meio século e estrelas Michelin na sua história. O Domus de Eduardo Pardo não vira as costas ao museu nem à sua história (prova disso são os croquetes, uma receita da avó) mas tem, literalmente, os olhos postos no mar, com uma corrida varanda transformada em sala de refeições, e no futuro, criando um menu que baseia a sua essência nas raízes e nos produtos locais para depois se atrever a umas fusões mais cosmopolitas. O preço médio de uma refeição varia entre os 20€ e os 44€.

Um conselho: se for primeiro ao restaurante e depois ao museu, salte alguns dos aparelhos de medições, especialmente a balança…

Praça de María Pita: Vida na rua

“Nas veias corre-nos o sangue de María Pita.” É assim que a nossa guia descreve as mulheres corunhesas. María Pita, nome de praça ampla a convidar a pausas de esplanada e de uma panóplia de outras coisas (pastelarias, restaurantes, hotéis…), foi uma heroína do século XVI, sendo-lhe atribuído o feito de ter derrotado o soldado inglês que, durante o cerco britânico à cidade, em 1583, empunhava a bandeira. Com a bandeira dos invasores na sua posse, María Pita terá liderado um movimento popular contra os militares ingleses gritando “Quen teña honra, que me siga”.

Mas María Pita, de nome completo María Maior Fernandes da Camara Pita, não ficou na história da Galiza apenas pelo seu acto heróico. Em pleno século XVI, casou-se quatro vezes, tendo enviuvado todas elas. Dizem as más-línguas que não propriamente por causas naturais.

A história de María Pita pode começar por ser estudada na sua praça, onde uma estátua representa a mulher com o inglês que comandou o ataque à cidade derrotado aos seus pés. A praça, construída entre 1860 e 1926, desenha-se num quadrado dentro do qual se encontra o Palácio Municipal da cidade. Mas o que se torna imperdível nesta praça são as pessoas que lhe dão vida. Haja um pouquinho de sol e a praça enche-se de gente que ocupa as muitas esplanadas, entre petiscos e conversas barulhentas. É também um bom ponto de partida para descobrir a zona velha, onde o reencontro com María Pita é inevitável junto à Casa-Museu em que se transformou a propriedade do seu primeiro marido, Juan Alonso de Rois. Mas antes há tempo para nos perdermos pelas ruas íngremes de calçada irregular, para passear pelos pequenos jardins por onde vamos passando, como o Jardín de San Carlos, onde se encontra o túmulo do general Sir John Moore, e do qual voltamos a defrontar-nos com o azul do mar, ou para descobrir histórias religiosas, como a de Santiago, do século XII, a mais antiga da cidade.

Monte de San Pedro: Varanda sobre o Atlântico

A Corunha fica a cerca de cem quilómetros do Cabo Finisterra, mas aqui, como lá, a história é marcada pelo fim do plano que se imaginava que era o planeta, com o horizonte completamente recto embrenhado numa mística neblina.

A imagem é ainda mais forte no alto do Monte de San Pedro, de onde vão abrindo asas coloridos parapentes num espectáculo que até nos distrai da paisagem. Esta redescobre-se assim que um dos aparelhos consegue por fim apanhar a corrente de ar certa e o seguimos com o olhar.

Em baixo, toda a baía de Orzán, ao redor da qual se ergue a cidade A Coruña, escrita na forma original galega. Do lado de lá, a costa do município de Ferrol, terra que viu nascer duas personalidades muito distintas que marcaram o século XX espanhol: Pablo Iglesias, fundador do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), e Francisco Franco, o Generalísimo que ocupou com punho de ferro o lugar de Chefe de Estado entre 1939 e 1975, depois de ter saído vencedor da sangrenta Guerra Civil (1936-1939).

O passado beligerante do país e da cidade está bem patente neste antigo campo militar defensivo pela imponente presença de canhões que hoje têm mera função decorativa no gigantesco complexo de lazer em que se transformou o Monte de San Pedro. E até a chegada aqui pode ser vivida em momento de lazer se se optar pelo elevador que, desde 2007, se ergue em forma de bola envidraçada, penhasco acima, a partir do passeio marítimo da cidade.

No topo, além de todas as actividades propostas ao ar livre, é possível visitar a Cúpula Atlântica, um miradouro coberto com vistas em 360º, ou o Centro de Interpretação do Monte de San Pedro.

O parque está aberto a visitas o ano inteiro; o ascensor panorâmico (3€/bilhete) funciona no Inverno entre as 11h30 e as 19h30 (sábados até às 21h30) e no Verão entre as 11h30 e 21h, encerrando às segundas-feiras para manutenção.

GUIA PRÁTICO

Como ir

A TAP voa nos novos ATR 42-600 para a Corunha a partir de Lisboa desde cerca 70€/trajecto. A partir do Porto, o carro poderá ser uma opção — são 300km, menos do que uma viagem até Lisboa.

Onde dormir

Ibis, a economia com novo estilo

Nós ficámos hospedados no Hotel Ibis Styles A Coruña. Continua a ser um Ibis e a apresentar tarifas económicas, sobretudo devido à sua pouco atractiva localização, no parque empresarial La Grela, perto da fábrica de cerveja Estrella Galicia, mas apresenta-se com “estilo” e várias nuances que o distinguem das unidades tradicionais da rede da cadeia Accor.

O Hotel Ibis Styles A Coruña, a primeira unidade desta submarca na Galiza (em Portugal ainda não há nenhuma unidade do género), abriu portas no fim do ano passado e propõe-se a ser uma alternativa a quem procura a Corunha quer em passeio quer em trabalho, apostando num ambiente requintado e confortável. Com um detalhe importante: é único. Cada Ibis Styles tem uma identidade muito própria, com um tema-base sempre ligado de certa forma ao local onde o hotel é erigido. Na Corunha, a temática que lhe serve de fio condutor é a água. A ligação ao mar está presente no mobiliário, nas cores seleccionadas, nas obras que decoram as paredes.

Os 84 alojamentos, entre quartos com duas camas individuais, triplos, superiores com cama dupla e terraço e suites familiares com dois quartos com ligação, também se distinguem dos Ibis convencionais, a começar pelas dimensões. No caso do superior, este é dividido entre zona de dormir e de estar e de vestir, além de ser servido por um gigantesco terraço, forrado a tapete verde, a imitar relva, quase do tamanho do próprio quarto. Na casa de banho, com banheira, o investimento no espaço também é evidente, assim como nos produtos de higiene de qualidade superior.

Uma coisa, porém, mantém-se: as camas Sweet Bed by Ibis, que primam pelo conforto e garantia de noite repousada. Todos os quartos dispõem de TV e ar condicionado. De sublinhar que o acesso à Internet sem fios é gratuito por todo o hotel, quartos incluídos.

Também no serviço encontram-se diferenças — o pequeno-almoço, por exemplo, está incluído no preço do quarto e não fica a dever nada a qualquer unidade mais estrelada. O restaurante é, aliás, uma das apostas da unidade, não só a pensar nos hóspedes como nos corunheses — nem de propósito, na noite em que chegámos um grupo de amigos ocupava uma grande mesa no centro do restaurante.

O hotel oferece ainda duas salas de reuniões com capacidade para até 120 pessoas, um centro de negócios, espaço de brincadeiras para as crianças e parque de estacionamento.

Um quarto reserva-se desde 49€ para uma pessoa e 57€ para duas. Um superior reserva-se a partir de 63€.

Contactos: Ibis Styles A Coruña 
Gambrinus, 14. 15008 - A Coruña. (+34)981/912110
GPS: N 43° 21' 8.97'' W 8° 25' 21.53''

 

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