A t-shirt, ligeiramente desbotada do sol e com salpicos queimados de água salgada, denuncia o repto da experiência que Luís Sande e Castro, 56 anos, propõe no site da Trip4real: em letras brancas sobre o peito lê-se «I've been to Lisbon and sailed» (Eu vim a Lisboa e velejei).
Natural de Cascais, Luís organiza passeios a bordo do seu Halcyon I há três anos, primeiro em Cascais e desde 2012 em Lisboa. No início do ano, inscreveu-se na plataforma online Trip4real, lançada oficialmente em Portugal em Fevereiro. “Vi o site e achei que este passeio tinha tudo a ver com o conceito da Trip4real”, defende.
Lançada há dois anos em Barcelona, a plataforma online parte de uma ideia simples: unir habitantes locais que queiram mostrar a cidade a turistas (e receber algum dinheiro por isso) e viajantes que procuram uma forma diferente e potencialmente mais autêntica de conhecer a cidade para onde viajam. Qualquer pessoa pode submeter uma actividade ou percurso (e, entre outros dados, definir o preço por pessoa, sendo que a empresa depois cobra uma comissão de 14,5%), que quando aprovada pelos escritórios em Barcelona é publicada no site, ficando disponível para reservas.
Actualmente já existem cerca de 200 experiências disponíveis pela cidade de Lisboa e arredores, criadas por mais de 120 residentes. Na verdade, algumas actividades acabam por se desenvolver noutros pontos do país – como viagens de um dia até Évora e castelo de Monsaraz, Algarve ou Constância – mas a grande maioria percorre as ruas alfacinhas. Há quem proponha percursos pelos bairros típicos, pelos miradouros e principais monumentos da capital, uma visita a um mercado tradicional com dois chefs, aulas de surf, uma tarde de desporto em Monsanto, correr num parque da cidade ou até assistir a um jogo do Benfica.
Alguns são amadores, apaixonados pela cidade ou por um tema em particular, outros já o fazem de forma profissional noutras empresas com conceitos semelhantes, como Patrícia Russo, 22 anos, que tem cinco actividades no site, trazidas da empresa onde trabalha, a Pancho Tours. “Como a Trip4real tem um conceito diferente, as pessoas vêm com outro espírito e até acabam por gostar mais, por não ser uma agência e sim uma pessoa local”, conta. Hoje, é a fotógrafa de serviço, registando o passeio de Luís.
À hora marcada, saímos da Doca do Espanhol, em Alcântara. Luís inicia-se ao leme para pouco depois o entregar a Helena enquanto iça as velas que irão sobretudo ajudar a estabilizar o veleiro de 16,10 metros. Normalmente é o filho mais velho que faz o trabalho braçal, mas hoje tinha aulas. “Está a estudar no Técnico”, conta Luís. Mais do que uma paixão e forma de sustento, o Halcyon I é também a casa de pai e filho, com cinco cabines e nove camas. Francisco, 20 anos vividos no conforto e comodidade de uma habitação normal, “não gosta nada”, mas Luís já não saberia dormir “sem a ondulação” a embalar-lhe o sono.
O pai já tinha barcos e desde os oito anos que sabe velejar. Mais tarde, passava as férias de Verão “sempre trabalhar nos passeios de barco no Algarve”, recorda. Foi no Halcyon I que teve “o primeiro trabalho como skipper”, corria a década de 1980. Muita vida decorreu entretanto, mas aquele veleiro em madeira, datado de 1969 e entretanto encostado durante anos na Marina de Vilamoura, nunca mais lhe saiu do coração. Em 2011 conseguiu chegar a acordo com os filhos do antigo proprietário: restaurava-o (com ajuda de amigos aqui e ali), pagava o estacionamento na doca e quando conseguisse adquiria o veleiro. Ainda não aconteceu, mas os passeios pelo Tejo têm o papel principal neste destino, são o lado visível de toda uma vida que segue a bordo, ondulando ao sabor do vento e dos turistas.
Entre copos de espumante (“fazemos contas a meia garrafa por pessoa”) e muitas tostas é, no entanto, em Lisboa que se cola o olhar e a conversa, à medida que Luís vai contando histórias e opiniões sobre os principais monumentos que avistamos do Tejo: o Palácio da Ajuda, o Museu da Electricidade, o novo Museu dos Coches, o Mosteiro dos Jerónimos (que parece “mais pequeno” desde a construção do Centro Cultural de Belém), a Torre de Belém (o seu monumento preferido, pela importância que teve e, claro, pela sua ligação directa a histórias de barcos de piratas e descobrimentos). E depois, além Alcântara, a Praça do Comércio e o casario até ao Castelo de São Jorge, antes do regresso à doca. São duas horas de passeio, 45€ por pessoa (mínimo de três e máximo de oito), incluindo a bebida e os petiscos.
“Nos últimos 24 meses, mais de 20 mil viajantes utilizaram a Trip4real”, a maioria vindos “dos Estados Unidos, Canadá e Escandinávia”, conta Gloria Molins, fundadora da empresa. “Tivemos um aumento de 400% nas vendas entre 2014 e 2015”, acrescenta numa entrevista por email. Depois da expansão a 55 cidades espanholas, a plataforma – que tem no chef catalão Ferran Adrià (dono do antigo "melhor restaurante do mundo", o elBulli) um dos seus investidores – chega agora a Lisboa, Londres, Roma e Paris, contando lançar-se ainda este ano em Amesterdão e Berlim e “já com os olhos postos na América Latina”.
Site: Trip4real