Sentado nos degraus da Igreja Paroquial da Santíssima Trindade, a entrelaçar palha que há-de transformar-se em pequenos animais que vende aos turistas, Fulgencio lança o olhar sobre esta tarde abafada. Sol para um lado, nuvens pousadas na serra do Escambray. É justamente para lá que vamos, para a serra do Escambray. Deixamos, portanto, Trinidad envolta numa luz mágica de fim de tarde e começamos a viagem de cerca de uma hora até Topes de Collantes. Uma hora ou mais, dizem-nos, que entretanto a noite há-de chegar e tornará o trajecto curva-contracurva ainda mais difícil. De Trinidad a Topes de Collantes são 25 quilómetros numa estrada pouco própria para cardíacos.
Eis-nos, então, na província de Sancti Spíritus, a desbravar terreno naquele que é o segundo sistema montanhoso mais elevado de Cuba, só suplantado pela serra Maestra. Temos luz apenas nos primeiros quilómetros, o breu há-de tomar conta da jornada em breve. E só na manhã seguinte temos noção de onde estamos.
“Welcome to the jungle”, cumprimenta Andrés Santana, o guia que nos recolhe no Hotel Los Helechos para nos acompanhar numa caminhada pelo Parque Guanayara — mas lá chegaremos. Por agora, subimos ao camião de Andrés e ouvimos-lhe as primeiras explicações sobre Topes de Collantes, uma área protegida administrada pelo Grupo Gaviota.
“O Parque Topes de Collantes é o nome genérico para uma paisagem natural de 200 quilómetros quadrados que está organizada em seis pequenos parques: Guanayara, Codina, Altiplano Topes de Collantes, El Cubano, El Nicho e Cayo Las Iguanas”, conta o guia, enquanto o camião vai subindo a custo algumas das encostas pejadas de árvores mais ou menos gigantes, arbustos vários, vegetação rasteira — e tudo o mais que de verde houver.
A serra já cá estava, bem entendido, mas o povoado de Topes de Collantes nasceu por iniciativa de Fulgencio Batista, que ali mandou construir um sanatório para tuberculosos. A mulher do ditador sofreria da mesma doença e terá sido numa quinta privada na serra do Escambray que convalesceu por largas temporadas. Tendo-se apaixonado pelas montanhas, terá influenciado o marido a erigir o antigo hospital, que abriu portas em 1954. O gigantesco edifício, bem ao estilo soviético, foi entretanto reconvertido para a hotelaria — o Kurhotel permanece de portas abertas e, apesar de continuar a privilegiar o turismo de saúde, também aceita outro tipo de hóspedes.
Andrés explica-nos isto tudo e pára entretanto na Casa Museu do Café. Há mais de dois séculos que o café é cultivado nesta região montanhosa e o pequeno complexo aqui instalado permite aos visitantes mergulharem no seu processo produtivo. Começa-se pelo jardim das variedades, onde se expõem cerca de 25 diferentes plantas de café, passa-se pelo núcleo museológico e termina-se a provar um delicioso café preparado manualmente “à maneira crioula” — ao lume, sobre brasas.
“Certamente que já ouviram elogios ao café da Colômbia. Mas os cafés de Cuba e da Jamaica são os melhores do mundo”, garante Andrés. É “em Guantánamo que está a produção em massa”, mas aqui, a 840 metros de altitude, “está a melhor qualidade”. Das encostas da serra do Escambray saem todos os anos 200 toneladas de café arábico, que se destinam em exclusivo à exportação. “O Japão paga fortunas pelo nosso café”, conta, orgulhoso, Andrés, 55 anos e 16 como guia no parque.
“A natureza e o meio ambiente são muito importantes para Cuba, mas são uma parte de Cuba de que pouco se fala no mundo”, lamenta diz Andrés, elevando a sua voz para que o possamos ouvir entre os roncos do camião que se movimenta, aos solavancos, por um colossal túnel verde. Sozinhos não conseguimos nomear as espécies que nos passam pela frente dos olhos – distinguimos palmeiras, naturalmente, fetos enormes, alguns pinheiros, mas para chegarmos à Cecropia peltata (yagruma, nome comum) ou ao Ficus cubensis (jagüey, nome comum) precisamos da ajuda quase enciclopédica de Andrés Santana. Atenção, meninos e meninas, vai começar a aula.
Quando nos apeamos do camião, já estamos no Parque Guanayara, a postos para começar uma caminhada de hora e meia dentro de um livro vivo de botânica. Há urubus a planar e o guia sugere que estejamos atentos, que também vão passando, velozes, vencejos de cuello blanco, aves que podem voar a velocidades meteóricas. Daqui a nada conseguiremos escutar-lhes o canto, mas vê-los, nem por sombras.
Vemos, isso sim, o comportamento divertido das dormilonas, a quem Andrés nos apresenta. Trata-se de “plantas sensitivas”, que se recolhem sobre si próprias quando lhes tocamos. O nome científico é Mimosa pudica, mas por estas bandas é conhecida como “a planta das mulheres infiéis”, conta o guia, divertido, acrescentando que as dormilonas “têm propriedades soporíferas”.
“Isto aqui é como uma farmácia”, diz ainda Andrés, enquanto nos guia pelo trilho emaranhado — sem a sua orientação, é certo e sabido que nos perderíamos antes de chegarmos, sequer, ao Salto del Rocío. “Precisam de remédio para as queimaduras? Aqui está, Chanel 25”, brinca Andrés, apontando para a Piper auritum. “E precisam de melhorar o hálito? Aqui está a goiaba, que tem taninos que evitam a formação da placa bacteriana.” Mais à frente, a palma real, “a planta que representa todos os cubanos” e cuja raiz tem “ácido fosfórico, que é bom para os cálculos renais”. Também há a “afrodisíaca” salsa parrilha e a “mata-sogras, a planta mais venenosa de Cuba”. “Mata em 15 minutos de infusão”, alerta Andrés Santana.
Com estas e outras, quase nem damos pelo que já caminhámos. Já se ouve, ainda que ao longe, o barulho da cascata do Salto del Rocío, que marca mais ou menos a metade do trilho “Sentinelas do rio Melodioso” — não o cumpriremos na íntegra, detivemo-nos tempo de mais a olhar para as plantas e a contemplar a queda de água de 32 metros. Espera-nos o frango da Casa de La Gallega, um restaurante familiar situado junto ao rio Guanayara. É um pequeno oásis de flores, frutas e melodias de água a correr onde se experimentam os sabores de Docinda Amanda Sotello, 71 anos, filha de pai galego, de Lugo.
Docinda ainda começa a explicar-nos como se faz este frango que enche o prato aos turistas — “leva rum, vinho branco, alho, tomate, cebola, pimento, cominhos, pimenta, azeite, sal…” — mas uma chuvada monumental acaba por desviar-nos da conversa.
Talvez agora percebamos melhor por que é que este verde é tão verde.
A Fugas viajou a convite do Grupo Pestana e do Grupo Gaviota
GUIA PRÁTICO
Onde dormir
A oferta não é muito abundante, pelo que a maior parte dos que chegam acabam por ir parar ao Hotel Los Helechos, um três estrelas de atmosfera decadente que pertence ao Grupo Gaviota. Os quartos são espaçosos mas muitíssimo básicos — a decoração é para lá de kitsch… — e o serviço do restaurante deixa muito a desejar.
Passeios
Apesar de os parques poderem ser explorados de forma independente, talvez não seja mal pensado contratar um guia para o acompanhar nos percursos. O passeio que a Fugas fez teve a orientação de um guia do Grupo Gaviota e, não tivéssemos sido convidados, teria custado 9 CUC (trilho), mais 12 CUC para o almoço na Casa de la Gallega. O camião custa 74 CUC, mas leva 20 pessoas.
Grupo Gaviota
Parque Topes de Collantes
Tel.: 53 42 54 0219
Email: comercial@topescom.co.cu; reserva@topescom.co.cu
www.gaviota-grupo.com