Fugas - Viagens

Singapura: Dez retratos da vida de um gigante

Por Sousa Ribeiro (texto e fotos)

A cidade, ilha e estado celebra o jubileu de ouro. De olhos no futuro e apelo permanente ao consumo, ainda retém, aqui e acolá, alguma autenticidade, como em Pulau Ubin, onde o tempo se deteve.

Singapura está para o sudeste asiático como os anúncios estão para um filme — o apelo ao consumo é constante e materializa-se ao longo de intermináveis avenidas bordejadas por centros comerciais que se multiplicam como formigas. Como em tudo na vida, é uma questão de gosto, a cidade-que-é-uma-ilha-e-um-estado tão facilmente é amada como odiada pelos turistas.

- Acabei agora de chegar dos Estados Unidos. Já sentia saudades deste ambiente. Adoro este estilo de vida, comenta um holandês, cujo nome me esqueci de perguntar, no meio do formigueiro inebriado de um mall onde receio perder-me a todo o instante.

Saio para a rua e, de imediato, levo uma bofetada violenta de um sol sem clemência.

- Para dizer a verdade, eu, como mochileiro, considero Singapura um bom lugar para fazer uma escala, porque o aeroporto é a melhor coisa que o país tem.

Uma sonora gargalhada enche a atmosfera depois das palavras de Gilles Thual, jovem turista francês.

- Não, agora a sério, uma ou duas noites em Singapura, antes de visitar outros países do sudeste asiático, por que não?

O país, com uma densidade populacional apenas superada por Macau e o Mónaco e um verdadeiro gigante económico da Ásia, vive este ano um momento especial com os festejos do jubileu de ouro (dois anos antes, em 1963, libertara-se do jugo britânico) e espera atrair, até 9 de Agosto, dia em que celebra a sua independência da Malásia, um maior número de turistas, superando os mais de 15 milhões registados em 2014, um total que não abrange os malaios que cruzam a fronteira por terra ou todos aqueles que fazem escala no sofisticado aeroporto de Chanji (em 2015, só nos dois primeiros meses, Singapura recebeu quase dois milhões e meio de visitantes).

- Para ser sincera, Singapura não é um país onde me sinto confortável. Bem sei que prima pela limpeza e pela segurança mas, pelo menos aos meus olhos, tudo me parece pouco ou nada autêntico. Talvez por ser malaia, admite a extrovertida Yasmine Yap, antes de uma curta reflexão.

- A vida é muito cara, três vezes mais do que na Malásia, e as pessoas trabalham arduamente para terem qualidade no dia-a-dia. Por motivos profissionais, tudo bem; para passar férias, não. Prefiro a Malásia, onde até a comida é mais saborosa. Uma vez mais, talvez por ser malaia, observa a hospedeira da Malaysia Airlines.

Singapura, com cinco milhões e meio de habitantes (a população triplicou desde que se tornou independente em 1965), figura na lista dos 25 países mais felizes do mundo (liderada pela Suíça), de acordo com um relatório das Nações Unidas que mede os níveis de felicidade num conjunto de 158 países.

- Tenho de admitir que Singapura, estando longe de ser um país que me seduza, tem alguns lugares que me cativam, assume, agora, Gilles Thual, inseparável da sua mochila e adepto de um mundo mais genuíno e menos virado para o consumo.

O silêncio de Pulau Ubin

Parto, sob um céu azul, ao início da manhã, em busca de alguns desses recantos, uns mais mediáticos, outros mais conservadores, outros ainda silenciosos, com uma aura de nostalgia para quem conheceu, já lá vão muitos anos, a Singapura que se vai perdendo na memória. O pequeno barco deixa o porto de Changi mal a lotação (12 pessoas) se esgota e rasga as águas também cruzadas por enormes cargueiros antes que se aviste um conjunto de casas rudimentares em madeira, algumas escondidas no meio da densa e colorida vegetação.

Aqui e acolá, grandes pedras de granito, o que explica a toponímia, em malaio, de Pulau Ubin, a Ilha de Granito (as pedreiras foram devolvidas à natureza), o primeiro dos meus dez destinos em Singapura; um longo passadiço assente também em pilares de madeira conduz até à rua mais movimentada da minúscula ilha, abraçada por um outro café ou restaurante e um grande número de lojas de aluguer de bicicletas, o meio de transporte eleito para me movimentar por estradas — a maior parte delas em terra batida — que não tardam a acolher-me num silêncio apenas perturbado pelo silvo de um pássaro, o restolhar de uma folha ou o murmúrio da água.

O trilho divide-se noutros e o ideal é pedalar com tempo para o tempo e sem um mapa, com a certeza de que, mais tarde ou mais cedo, descobrirá Chek Jawa Wetlands, 100 hectares ocupados por mangues, praias de areia fina e rochosas, lagoas de sargaço e uma floresta costeira, distintos ecossistemas que podem ser observados percorrendo, a pé, uma ponte que vai ziguezagueando por um quilómetro.

Com a mesma facilidade, encontrará Jejawi Tower, erguendo-se a uma altura de 20 metros (sete pisos) e de onde se obtém uma panorâmica da ilha, das copas das árvores — é ideal para observação de aves — e de Singapura recortando-se contra os céus; e, sem grande dificuldade, também não tardará a avistar javalis caminhando indolentemente, muitas das vezes à procura de comida deixada nas bicicletas estacionadas no parque que dá acesso ao Chek Jawa — não cometa a imprudência e também não os alimente.

Pulau Ubin é considerado o derradeiro kampong de Singapura, a única sobrevivente das aldeias, simbolizando um regresso ao passado, até à década de 1960, quando os prédios não ameaçavam tocar o céu. Por este território tão impregnado de silêncio, a vida assume ainda a sua forma primitiva, como um filme sem anúncio. Largo a minha bicicleta e fico a admirar as águas calmas, as casas flutuantes com os seus pequenos barcos ancorados, pescadores solitários de olhares tranquilos, talvez sentindo mais do que vendo.

- Muitos pescadores têm uma casa em Singapura mas preferem permanecer aqui, pescando marisco que lhes permite ganhar o dinheiro suficiente para viver e desfrutando, ao mesmo tempo, de uma existência calma. Aqui, no meio desta paz, sentem-se mais felizes, talvez porque a ilha lhes recorda o passado.

Eddie Koh lança um olhar ao filho que, com um ancinho na mão, esgravata a terra negra à procura de caranguejos. Estende-me uma cerveja e prossegue:

- Eu próprio vivi aqui durante um período, para fugir ao ritmo frenético da cidade. Agora venho apenas aos fins-de-semana. Mas nessa altura ia à pesca e acendia a fogueira para preparar as minhas refeições. Até podia ter ficado num chalé mas preferi instalar-me num parque de campismo – não há nada melhor. Este é um estilo de vida que as próximas gerações provavelmente não terão oportunidade de conhecer.

A criança chama a atenção do pai e deposita um caranguejo num balde. De quando em vez, lança pedras à água como se também ele vivesse uma existência feliz.

- É ele que me pede para vir para aqui. E fica aborrecido se não o trago comigo.

Singapore Sling

Eddie Koh aprecia uma cerveja fresca mas nunca provou um Singapore Sling.

- Os meus amigos dizem-me que é saboroso, frutado, agradável.

Mal a noite tomba, de volta a Singapura, o mítico Hotel Raffles é o meu próximo destino. Inaugurado em 1887 pelos irmãos Sarkies, naturais da Arménia, é um verdadeiro ícone da arquitectura colonial e se, nesse tempo distante, se resumia a um bungalow com apenas dez quartos, no final do século era já um digno representante da opulência oriental, abrigando a elite inglesa e figuras do mundo literário.

Precisamente no ano em que Singapura celebra 50 anos de independência, o Singapore Sling comemora o seu centenário — foi no Raffles que, em 1915, o empregado de bar Ngiam Tong Boon criou o famoso cocktail que hoje não conhece fronteiras e é a principal atracção do hotel que, após um período de decadência, a partir de 1970, reabriu em 1990, uma vez concluídas as obras de remodelação que tiveram um custo de 100 milhões de euros. Mas não é a única: o Raffles Museum também atrai (é gratuito) um razoável número de visitantes e, mesmo sob a sala de bilhar, foi abatido, em 1902, ainda antes do Singapore Sling se dar a conhecer ao mundo, o último tigre de Singapura.

Tigres, elefantes, zebras, leões, girafas e tantas outras espécies, num total de mais de dois mil residentes e nem um único dentro de uma jaula, parecem viver felizes e proporcionar felicidade às crianças (mas também aos adultos) no Singapore Zoo, um espaço que se expande ao longo de 28 hectares — e nem sequer falta uma réplica do Grande Vale do Rift da Etiópia, onde convivem diferentes ecossistemas. A visita pode ser feita a pé ou num pequeno comboio e não faltam os espectáculos e as possibilidades de observar os animais a serem alimentados, bem como de realizar um safari nocturno (entre as 19h30 e as 24h), que funciona separadamente e oferece três trilhos que serpenteiam entre 40 hectares de parque florestal.

Singapura tem, na verdade, o melhor jardim zoológico do mundo — tão em contraste com alguns onde o cimento define a paisagem — e o encanto que produz é bem visível, à saída, no rosto dos mais pequenos, cansados mas sorridentes, olhando para trás, contentes com o que viram e tristes por partirem.

A tristeza esfuma-se quando, no dia seguinte, começam a descobrir um mundo novo, ainda eufóricos após uma viagem de teleférico no céu de Singapura, admirando os arranha-céus e o porto em permanente bulício, indiferentes à vertigem que é motivo de pânico para alguns dos mais velhos. Sentosa Island, antiga aldeia de pescadores e base militar inglesa, não é, uma vez mais, sinónimo de felicidade somente para as crianças — mas são elas quem mais se divertem nesta zona de recreio onde não falta uma pequena praia, com a sua delicada baía e as suas pontes suspensas.

Sentadas na areia e protegidas pelos ramos das palmeiras ou por sombrinhas, as famílias, provenientes da Índia ou do Bangladesh, do Paquistão ou do Sri Lanka, estendem as suas mantas aos fins-de-semana e, sobre elas, com as suas tonalidades garridas, tudo o que trazem de casa, já confeccionado, enchendo o ar de odores inebriantes, enquanto os petizes se entretêm com um jogo de críquete ou de futebol, após uma visita ao parque temático da Universal Studios, ao Underwater World, com a sua baía onde actuam golfinhos felizes e o aquário com 2500 peixes de 250 espécies distintas, e uma visão ampla desde o Merlion, imponente nos seus 40 metros de altura. 

A herança cultural

O sol, ainda baixo, despontava no horizonte com raios agudos e, por momentos, recuperei as palavras de Gilles Thual.

- Mesmo a Little India não mostra nada do que é a Índia.

Para alguém que viaja com uma mochila às costas, conhecedor da Índia, verdadeira e profunda, a miniatura que vou perscrutando ao início da manhã, com as suas cores cheias de vida, talvez pouco ou nada mostre de um país demasiado grande; mas a Little India tem a sua magia e nada melhor do que passear-se por ela durante o fim-de-semana, quando todos os indianos dividem o seu tempo entre nada fazer, como alguém que apenas aguarda a passagem de um autocarro, ou ir às compras, precavendo-se para mais uma semana de trabalho e adquirindo os cheiros que os levam de volta às origens.

Contrariando a ideia do turista francês, aprecio a minha errância pela Little India que se semelha a um lego, com as suas casas térreas de múltiplas tonalidades, os seus restaurantes e as suas lojas abrigadas do sol pelas arcadas, vendendo disto e daquilo, saris ou telemóveis, especiarias ou ícones, as suas gentes num movimento entre a indolência e a dinâmica.

Ao longo da Serangoon Road e da Race Course Road, não passam despercebidos os quatro templos dedicados a diferentes divindades: o Sri Veeramakaliamman, o Sri Srinivasa Perumal, o Sakaya Muni Buddha Gaya, também conhecido como o Templo das Mil Luzes, e, mesmo em frente a este último, o taoista Leong San See.

Como a Little India, também o Kampong Glam retém muita da sua herança cultural, dominada pela Mesquita do Sultão, com a sua cúpula dourada, atraindo fiéis e turistas que facilmente ignoram outras duas, a Hajjah Fatimah e a Malabar Muslim Jama-Ath, e mesmo o impressivo Malay Heritage Centre, construído em 1843 para o último sultão de Singapura, Ali Iskandar Shah.

Quando a noite está prestes a cair sobre a cidade, ChinaTown é o próximo destino, com a sua efervescência e o seu comércio, em parte já órfã da alma que a caracterizava mas ainda visível desde que se abandonem as suas ruas mais movimentadas que fascinam milhares de turistas, muitos deles indiferentes à elegância de alguma da arquitectura e de templos como o Buddha Tooth Relic (mesmo se alguns especialistas duvidam da autenticidade do dente e de alguma vez ter pertencido a um buda), o Thian Hock Keng e, estranhamente encaixado no meio da comunidade chinesa, o Sri Mariamman, o templo hindu mais antigo de Singapura, originalmente erguido em 1823.

O início da manhã do dia seguinte encontra-me no Colonial District, onde, paradoxalmente, ganha expressão a Singapura contemporânea, com os magnificentes Gardens by the Bay, um conjunto de três parques em 101 hectares que ligam à marina e, com uma arquitectura que não parece deste mundo, o Esplanade – Theatres on the Bay e o Singapore Flyer, mais os seus centros comerciais onde se passeia de barco e o casino, um novo apelo ao consumo ainda mais exacerbado quando, desfrutando das minhas últimas horas em Singapura, ora subo, ora desço a Orchard Road, a verdadeira meca do comércio, tão distante do tempo (século XIX) em que pouco mais havia do que plantações de pimenta e de noz-moscada. Não muito longe, esse passado verde parece estar de volta, nos admiráveis Singapore Botanic Gardens e no National Orchid Garden, com 60 mil plantas que enchem a atmosfera de odores primaveris. E os mesmos inundam o ar no momento em que, deixando a Orchard Road, me embrenho pela elegante e serena Emerald Hill, com as suas casas delicadas, de tantas cores, as suas portadas, os seus jardins, a vida decorrendo numa harmonia tranquilizadora.

Guia prático

Quando ir

O clima de Singapura, localizado a escassos 90 quilómetros da linha do Equador, é fortemente marcado pelo calor e pela humidade. Ao longo do ano, a temperatura nunca é inferior a 20 graus e poucos são os dias em que não supera os 30, com frequentes chuvas torrenciais logo substituídas, num curto espaço de tempo, por um sol inclemente. A época das chuvas decorre entre Novembro e Janeiro e o período mais seco vai de Maio a Julho.

Como ir

A melhor tarifa entre Lisboa e Singapura, tendo como referência a segunda quinzena de Maio, é oferecida pela Emirates. A companhia aérea liga as duas cidades, com uma curta escala (pouco mais de uma hora) no Dubai, por apenas 640 euros, um pouco menos (20 euros) do que cobra a Luftansa, mas com a desvantagem de obrigar a uma escala, em Frankfurt, mais demorada no voo de regresso.

Onde comer

A melhor e mais deliciosa experiência passa por uma visita a um centro de vendedores ambulantes (China Town Complex, Chomp Chomp, Lavender Food Center e Adam Road Food Centre, entre outros), onde a qualidade do que se come vale bem a pena o preço (muito em conta) que paga. Em Kampong Glam, é imperdível uma visita ao Zam Zam (699 North Bridge Road), uma verdadeira instituição aqui instalada desde 1908 e onde os martabaks (pão achatado com carneiro, frango ou legumes) são uma permanente tentação. Na China Town, os apreciadores da gastronomia de Sichuan não se sentirão defraudados com o banquete que lhes é oferecido no Chuan Jiang Hao Zi (12 Smith Street), especializado em comida a vapor.

Onde dormir

O Raffles Hotel, um grande palácio em estilo colonial, é a primeira alternativa para quem procura viver uma experiência única num espaço repleto de história — e talvez o preço pago por uma noite (entre 580 e 4650 euros) também fique para a história da viagem. Mas, a despeito de encontrar um quarto vago ser, por vezes, uma tarefa complicada, Singapura tem opções para todos os orçamentos e uma das mais credíveis, pela relação preço-qualidade (entre 90 e 120 euros), passa pelo Perak Hotel, situado no coração da Little India. Entre as opções mais em conta, o Fern Loft, em China Town e na Little India, oferece camas em dormitórios por apenas 12 euros ou um duplo por menos de 40 euros.

Informações

Para visitar Singapura é necessário apenas um passaporte com validade de seis meses. O visto, sem qualquer encargo, pode ser obtido no aeroporto, à chegada, ou em qualquer fronteira, garantindo uma permanência de 30 dias na ilha (em alguns casos, mas somente nas fronteiras terrestres, pode não exceder as duas semanas, uma situação facilmente contornável com uma breve visita à vizinha Malásia e o posterior regresso a Singapura).

Um dólar de Singapura equivale a aproximadamente 70 cêntimos e é preferível recorrer às casas de câmbio, que, ao contrário dos bancos, não cobram comissão.

A diferença horária entre Portugal e Singapura é de sete horas no Verão e de oito no Inverno.

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