Fugas - Viagens

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Belize: La Isla Bonita

Por Ireneu Teixeira

Imagine-se num paraíso tropical caribenho, mergulhando em águas protegidas pela segunda maior barreira de coral do mundo, por entre 200 ilhas desertas e atóis... Madonna cantou-a, Cousteau catalogou-lhe o onírico Buraco Azul. Bem-vindos a Cayo Ambergris.

Unbelizable”, suspirou Markus. De tão criativo, o elogio cravou-se-me no subconsciente como uma lengalenga. Até hoje. Bradado do alto do “arranha-céus” bávaro — Markus, 2,02 metros, acompanhado do compincha Dieter, o “baixote” de 1,85 metros —, o encómio genuíno ao pequeno país da América Central era dínamo suficiente para prosseguir viagem rumo ao desconhecido. O terminal rodoviário de Chetumal, capital do Estado mexicano de Quintana Roo, na fronteira fluvial com o Belize — o rio Hondo separa-os ao longo de 150 km — foi ponto de cruzamento de duas rotas antagónicas: a alemã, vinda do Sul e com escala final em Cancún, local de embarque para Munique; e a lusitana, que cruzara vários estados mexicanos para, agora, adentrar-se no Belize.

Last night I dreamt of San Pedro/Just like I’d never gone”. Divertidos e nostálgicos, os germânicos reviviam o célebre tema interpretado por Madonna, La Isla Bonita. Havia uma explicação.

– Acabámos de chegar de lá, dessa ilha fantástica, um tesouro da terra perdido no mar das Caraíbas. Não podes deixar de ir. O problema vai ser quereres voltar de San Pedro...

Será? Pareceu-me claro exagero, mas porque não dissipar as dúvidas? Cayo Ambergris, esse é o seu nome de baptismo, passou, então, a integrar os apeadeiros indispensáveis na travessia pelas Américas.

Ao ralenti, o machimbombo consumiu quase quatro horas para percorrer os cerca de 160 quilómetros que distam até à fronteira de Belize City. Até lá, o veículo listado por cores garridas percorreu a caribeña Corozal, onde fez paragem forçada de meia hora, devido a um sobreaquecimento do motor, logo após cruzar uma tosca ponte de travessas de madeira, e Orange Walk, um centro agrícola instalado no âmago do reino verde florestal, de onde emana um bafo quente tropical que invade o autocarro sem comprar bilhete. Eis-me, por fim, na maior cidade deste país atapetado de selva frondosa.

Entre raias e rastas

A antiga capital do país, a mais populosa e relevante, Belize City é um amontoado multicolorido de casas de madeira que se espraia por entre gente vibrante, num ambiente afincadamente latino-africano. Dir-se-ia uma Kingston comprimida, conhecida, tal como a análoga jamaicana, por receber visitas frequentes de catastróficos furacões. Listada de um amarelo incandescente e verde pálido, a estação terminal de autocarro, a Novelo’s, é um espelho de uma nação arco-íris, uma palete enxameada de cores garridas, que vão das vestes dos locais aos balcões das casas coloniais. E outra vez a Jamaica. Vislumbro Bob Marleys por toda a parte, rastafáris de tranças assimétricas encimadas por cabeças de tez escurecida, não renegando as origens africanas. O crioulo confunde-se com o inglês (oficial) e o espanhol centro-americano, sempre proferidos por gente de bem com a vida. Por um quilómetro, bato chão por ruas estreitas e vibrantes.

Depois de atravessar a icónica ponte levadiça Swing, e amaldiçoar o clima tórrido, que me ensopa as costas amassadas pela mochila de viagem, alcanço o cais de embarque. Ao longe, um cruzeiro descomunal, lotado de norte-americanos e canadianos (juntos, são 70% do milhão de turistas que, anualmente, visitam aquelas paragens tropicais), pinta de alvo o horizonte azul, enquanto flutua sobre águas tépidas. “É o pão nosso de cada dia”, desabafa Jack, através da moldura de madeira, o vendedor do bilhete “mais barato” para Cayo Ambergris.

– Mais barato... porque a Madonna encareceu os preços. Agora faz-se fila para visitar “La Isla Bonita”. É uma loucura, mas dá muito dinheiro...

Convencido a não embarcar nos lustrosos San Pedro Jet Express, optei, ao invés, por navegar com os locais numa espartana lancha, à pinha de trabalhadores da tal ilha encantada dos amigos alemães. Enquanto não partia, e até para me proteger do fogo solar, adentrei-me no pequeno museu marítimo anexo ao terminal. A navegação de hora e picos permitiu-me depois absorver a miríade de cores do manto líquido translúcido e o olhar hipnótico da miúda à minha frente, de pé, amparada pelas pernas da mãe. Somei por derrotas o jogo do sério. Não roubei um sorriso que fosse àquela boneca cor de cacau. A lancha atracou, primeiro, no exclusivo Cayo Caulker, local eleito pelos abastados reformados norte-americanos, e, depois, em San Pedro, a capital do maior cayo belizenho. Existem vários cais de embarque, como braços gigantes a boiarem sobre as águas desmaiadas. Detenho-me com o cardume de raias que nadam por baixo do cais, como se tivesse desembarcado debaixo de água. Um delírio!

Os humores de São Pedro

A antiga vila piscatória ainda retém vestígios de um passado não muito distante. De entre a miríade de pequenos hotéis, enveredo pelo mais económico de entre a oferta pouco dada a viajantes com fundo nos bolsos. Depois das pernas e das pasteleiras, os carrinhos de golfe tornaram-se no meio de transporte da moda, uma praga que tende a alastrar-se. Casas de bonecas habitadas por humanos, restaurantes, lojinhas e mercadinhos na escala adequada ao território e uns quantos fregueses de passagem, por entre turistas e trabalhadores sazonais, é o que se pode encontrar nesta vila-capital incrustada numa massa de terra com 40 quilómetros de comprimento por 1,5 de largura. O interesse reside, por conseguinte, ao largo, ao alcance de um olhar e de várias braçadas: na segunda maior barreira de coral do mundo. Aqui a vida direcciona-se para Oriente, como uma doutrina.

O faz-tudo do pequeno hotel, José Luis, é produto da história recente de San Pedro. Convicto, este emigrante mexicano anuncia-se filho da terra, sustentado numa teoria histórica.

– Os primeiros habitantes desta ilha foram os maias, ainda antes da cultura pré-colombiana. E eu sou um deles, porque venho de Tixkokob, do Norte do Iucatão. Por isso, esta casa também é minha.

A proximidade com o recife e toda a exuberante envolvência levaram a uma rápida substituição da pesca pelo turismo, mais rentável. Dos treze mil habitantes de San Pedro, uma larga fatia são conterrâneos de José Luis, levando o castelhano a rivalizar com o inglês.

Mesmo ao virar da esquina, o cais para embarcações privadas e turísticas estava a ser reconstruído depois da passagem do furação Ernesto, que se formou em Cabo Verde e, depois de cruzar com fúria o Atlântico, atingiu esta costa já na pele de cordeiro. “Felizmente, transformou-se em tempestade tropical”, lembrou o canadiano Andro, de Calgary, ainda assim com robustez suficiente para causar estragos. Ambergris Caye é protegida da fúria ocasional do mar pelo imenso muro coralíneo, que é também a sua principal atracção turística. Mereceu, em 1996, a classificação de Património Mundial da UNESCO, para além de sete dos seus locais mais famosos terem sido reconhecidos como habitat protegido. De pigmentação escurecida e cabelo negro aos caracóis, “mas com sangue português, por via da mãe”, anotou, Andro perdeu-se de amores por San Pedro e, com a família, por ali ficou como guia de mergulho. Trauteava, em surdina.

I fell in love with San Pedro
Warm wind carried on the sea, he called to me
Te dijo te amo
I prayed that the days would last
They went so fast

E nunca mais partiu. Ao contrário de uma lancha, repleta de humanos de ambos os sexos, preparada para a guerra submarina. Fatos negros, máscara de mergulho, nadadeiras, lastros, coletes, reguladores e octopus, cilindros de ar comprimido e lustrosas facas. Prontos para uma batalha que se antevia épica.

Calypso no Buraco Azul

A brisa tropical da ilha incendiava-me a pele, testemunhando “toda a natureza selvagem e livre”, como reza a letra. Que ilha bonita, esta, atingindo o seu zénite no manto líquido que nos afoga o olhar. Tubarões (do recife), tartarugas marinhas, raias e cardumes de peixes tropicais fazem as delícias na reserva marinha de Hol Chan Marine Reserve. Não é líquido que a deusa gringa da pop tenha pousado as vistas no Hoyo Azul ou Blue Hole, ainda que fique subentendido na cantilena.

Tropical the island breeze
All of nature wild and free
This is where I long to be
La isla bonita

Um caranguejo “azul da Pérsia” teimava, na areia fofa, em desviar-me o olhar enquanto lia o folheto sobre a grande atração da zona. Rezava o seguinte: “O grande círculo azul escuro no meio do mar turquesa das Caraíbas tem 300 metros de diâmetro e 125 de profundidade; [as fotografias aéreas do Blue Hole são, aliás, a imagem de marca do Turismo do Belize, utilizadas vezes sem conta para ilustrar as belezas naturais do país] e localiza-se no Atol de Recifes Lighthouse”. Não fui. Apenas os detentores do nível de mergulho mais avançado podem aventurar-se a partir dos 18 metros de profundidade, pelo que fiquei, literalmente, a ver navios. Ainda assim, persuadido pelo entusiasmo dos testemunhos embevecidos dos mergulhadores que atracavam ao cais numa cadência assimétrica.

No início dos anos 1970, o famoso oceanógrafo Jacques-Yves Cousteau explorou as grutas e cavernas que constituem aquela maravilha marítima, valendo-se, na ocasião, de Calypso, amigo e inseparável navio. O investigador, fotógrafo, cineasta, amante do mar e mergulhador francês considerou o Blue Hole membro de pleno direito do seu top 10 dos melhores locais de mergulho do planeta. Os mergulhadores descem a 40 metros de profundidade em águas cristalinas, onde são brindados com paredes em relativa escuridão e não tanta vida marinha como em águas menos profundas das redondezas, mas, ainda assim, é um mergulho mítico.

- Para além da barreira de corais, o Belize possui três dos quatro atóis do oceano Atlântico: o restante é o atol das Rocas, no Brasil. O atol explorado pelo antigo capitão é o mais distante, mas, também, o mais fascinante dos três. É, igualmente, um refúgio importante para espécies ameaçadas, inclusive tartarugas marinhas, manatins (peixe-boi) ou o crocodilo-marinho-americano.

Andro parecia ter a lição bem estudada. A noite cobrira a Terra de sombras, mas o rosto de Nicolás — um argentino que se perdera de amores por uma paulista e que, agora, procurava harmonia em Cayo Ambergris — amarelava-se sob a luz do velho lampião. Vendia bugigangas no Central Park, diante da avenida Barreira de Coral, a poucos metros da igreja de São Pedro. Um bafo, mesmo àquela hora, como a sua exclamação, enquanto fitava um ajuntamento ocasional.

– Os belizenhos continuam fiéis à sua reputação: tão quentes como o clima!

Aqui, gentes e culturas rivalizam em atracção, como as águas impressionantes que abraçam vestígios maias preservados pela vida selvagem. Como se pode esquecer tudo isto, Madonna?

GUIA PRÁTICO

Como ir

Os cidadãos da União Europeia não necessitam de visto para entrar no Belize, bastando-lhe um passaporte com validade superior a seis meses. A forma mais directa (por menos de 1500 euros) de chegar a Belize City é através da United Airlines, via Frankfurt e Filadélfia. Se tiver tempo disponível, e quiser poupar uns trocos, pode fazer o percurso via Cancún, ou Guatemala City, e de lá apanhar um autocarro, ou novo voo, para a cidade portuária, de onde saem barcos para São Pedro, capital de Caye Ambergris. Não, não é fácil chegar ao paraíso.

Quando ir

O clima subtropical é invariavelmente quente e húmido. A melhor altura para visitar o pequeno país é entre Dezembro e Maio (época seca), sendo que Agosto e Setembro são dois meses pouco chuvosos. A temporada de furacões vai de Junho a Novembro.

Onde ficar

As unidades hoteleiras polvilham a ilha Bonita, ainda que não sejam para todas as carteiras. Os viajantes independentes podem encontrar pequenos hotéis com preços a rondar os 20-50 euros/noite ou dormitórios em hostels à frente da praia, a partir dos 15 euros/noite. Se optar pela opulência, o El Secreto é um dos melhores resorts, e mais dispendiosos, com quartos duplos a rondar os 350 euros/noites (duplo), com transfers incluídos.

O que comer

A cozinha local é fortemente influenciada pela mexicana e guatemalteca, conhecidas por serem picantes. Os ingredientes principais são os peixes, mariscos, carne de vaca, de porco, frango ou ervas como o cilantro (coentros). Entre as diferentes propostas destacam-se o ceviche, os mariscos frescos, a sopa de camarões, os feijões com arroz, sopa de escabeche e relleno, preparadas com vegetais e frango, e os granachos, aperitivos à base de tortilha de milho frita, acompanhada de feijões fritos, berza, queijo e molho picante. Encontrará alguns pratos “exóticos” preparados com carne de armadillo, de veado ou de gibnut, um pequeno roedor. A Belikin é a única cerveja produzida no país.

O que fazer

As atracções do lugar são todas em estado líquido, já que as sólidas, em terra, não abundam( a não ser as relacionadas com o ócio). O buraco azul é o destino de excelência e a razão maior da visita ao cayo, mas existe um porém do tamanho do buraco: não é dado a iniciantes. Ou seja, quem só fez o módulo básico do curso de mergulho tem de ficar no barco ou a entreter-se no snorkeling, porque os mergulhadores descem a mais de 40 metros, de modo a explorar as várias cavernas e as impressionantes estalactites — algumas com mais de cinco metros de comprimento que decoram as paredes deste universo submerso, cujo tecto desabou há cerca de 10 mil anos. Se tiver tempo disponível, explore a parte continental, um verdadeiro paraíso constituído por reservas florestais, reservas naturais, santuários de vida selvagem, parques nacionais e antigas cidades maias. Para os amantes do trekking, o Belize é um paraíso. Pode realizar diversas caminhadas pelas numerosas reservas naturais, como é o caso da Mountain Pine Ridge, ou rafting por rios, como o Makal. Os passeios a cavalo são outra das alternativas. Pode-se alugar em San Ignacio, Cayo Ambergris e em San Pedro.

Informações

O Belize é um pequeno país (quatro vezes menor que Portugal) com apenas 300 mil habitantes. A capital é Belmopan (com menos de 20 mil habitantes), ainda que Belize City (com cerca de 80 mil habitantes) seja a maior e mais importante cidade do país. O dólar belizenho vale cerca de metade de um dólar norte-americano, a divisa corrente nestas paragens. Maioritariamente mestiço, no Belize misturaram-se diversas línguas e grupos étnicos muito variados: hispânicos, ingleses, libaneses, índios, africanos, chineses, entre outros. Todos eles souberam crescer em harmonia e incutir um cunho cosmopolita ao território. Não esquecer, porém, que os maias foram os verdadeiros colonizadores da América Central e, claro, do Belize.

As autoridades locais não exigem qualquer vacina para entrar no país, mas é recomendável a profilaxia da malária se pensa em visitar as zonas selvagens. Infelizmente, não existem construções coloniais ou edificações que suscitem interesse ao viajante. Durante o período colonial espanhol, as construções eram predominantemente em madeira e de escasso uso, dado o pouco interesse dos espanhóis pela região. Porém, os assentamentos arqueológicos como os de Lubaantum e Nim Li Punt, no Sul; Caracol, Pilar, Cahal Pech e Xunantunich, no Centro; e La Milpa, Lamai, Cerros e Santa Rita, no Norte, são vestígios a não perder. Trata-se de construções, templos e pirâmides pertencentes à cultura maia.

SABIA QUE...

Como em muitas outras partes da região, Elizabeth II é a monarca oficial do país?

Os maias já habitavam o país em 1000 a.C.?

A costa belizenha é considerada como uma das sete maravilhas subaquáticas do mundo, albergando mais de 460 espécies de peixes?

Cerca de metade do território de Belize é ocupado por floresta tropical? E que em certas extensões é tão rica e exuberante quanto a Amazónia?

A reserva natural de Cockscomb Basin, por exemplo, é a única do mundo dedicada exclusivamente à preservação do jaguar, o maior felino do continente americano?

No século XVIII, britânicos e espanhóis travaram uma acesa disputa militar no intuito de garantirem o corte de madeira na região? E que o Tratado de Versalhes, assinado em 1783, entregou estes direitos aos britânicos, altura em que começaram a chegar os escravos ao Belize?

Em 1960 promulgou-se uma Constituição onde se outorgava um regime especial de autonomia, que se prolongaria até o ano de 1981, data da independência do Belize?

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