Fugas - Viagens

  • Ksamil, com as suas três
ilhas ao alcance de umas
braçadas, é uma das praias
mais encantadoras da costa
albanesa
    Ksamil, com as suas três ilhas ao alcance de umas braçadas, é uma das praias mais encantadoras da costa albanesa
  • Apollonia, um dos
complexos arqueológicos
mais bem preservados
    Apollonia, um dos complexos arqueológicos mais bem preservados
  • Num país essencialmente
agrícola, pastores e os seus
rebanhos decoram uma
paisagem verde que contrasta
com o azul das águas que se
avistam de cidades históricas
como Himara, situada no
lombo de uma colina
    Num país essencialmente agrícola, pastores e os seus rebanhos decoram uma paisagem verde que contrasta com o azul das águas que se avistam de cidades históricas como Himara, situada no lombo de uma colina
  • Sarandë, a antiga Ayii Saranda,
está a escassos 45 minutos de
ferry da ilha grega de Corfu
e atrai um grande número de
turistas às suas praias de águas
transparentes
    Sarandë, a antiga Ayii Saranda, está a escassos 45 minutos de ferry da ilha grega de Corfu e atrai um grande número de turistas às suas praias de águas transparentes

Albânia, o lento despertar da eterna desconhecida

Por Sousa Ribeiro (texto e fotos)

Praias de infinita beleza, um rico legado cultural e arqueológico, muitos tesouros naturais e não só. É tempo de partir, antes que se torne destino na moda.

Está na hora de ir apanhar o autocarro que me vai levar de Tirana a Berat, um dos segredos mais bem guardados do país, e daqui até à costa, partindo depois sempre para sul, antes de me desviar para o interior, até Gjirokastër, alvo das melhores anedotas albanesas em virtude da fama de carácter somítico das suas gentes.
- Não queres que te conte só mais uma, a última?
O ambiente no hostel Destil, em Tirana, é descontraído. - Sabes qual é o animal preferido dos habitantes de Gjirokastër?
- …
- É a girafa! E sabes porquê?
- …
- Como tem um pescoço muito comprido, pode comer no quintal do vizinho.

No último instante, decido visitar Berat apenas no percurso de regresso à capital e apanho um autocarro que, ao fim de uma hora, ainda a manhã se espreguiça, me deixa em Durrës, dominada pela silhueta da Grande Mesquita. Enquanto venço o quilómetro que separa o terminal do centro, caminhando sem pressas por entre transeuntes apressados, recordo palavras de Halit Methasani, tradutor de literatura estrangeira.

- Não sei se os albaneses são, como tanta gente apregoa, um povo generoso. Diria que são hospitaleiros e acredito que, durante a tua a viagem, para mais à boleia, não terás grande dificuldade em confirmar essa característica. E não faltam, entre Durrës e Sarandë, lugares interessantes para visitar. Não percas, para começar, o anfiteatro romano.

Sem demora, o impressivo monumento construído numa encosta no interior das muralhas da cidade nos primeiros anos do século II d.C. perfila-se no meu campo de visão, não tão grandioso como nesses tempos de antanho, quando tinha capacidade para acolher entre 15 a 20 mil espectadores, mas, ainda assim, imponente.

Erguido durante o governo do Imperador Trajano, o anfiteatro apenas foi descoberto na segunda metade do século XX e é um dos mais magnificentes de toda a península balcânica e sem paralelo em todo o país, abrigando também uma capela bizantina com um número significante de mosaicos. Com uma localização privilegiada, mesmo no coração da antiga Epidamnos ou Dyrrachium, o anfiteatro sofre, por um lado, as consequências do caótico plano urbanístico, com efeitos na sua estrutura e, por outro, de uma certa neglicência justificada com a falta de apoio financeiro – e, por isso, a sua candidatura a Património Mundial da Humanidade tem vindo a ser sucessivamente recusada pela UNESCO.

Taberna do Adriático

No topo da colina, avisto, recortando-se contra o céu azul, um edifício de grandes proporções que alcanço depois de caminhar uns quinze minutos por um atalho. A imagem de decadência contrasta com um passado coberto de glória mas os noivos, com uma divina indiferença face aos constantes actos de vandalismo – iniciados durante as perturbações sociais que eclodiram em 1997 na sequência dos esquemas financeiros em pirâmide e que causaram cerca de 4000 mortos – continuam a acorrer ao lugar em busca de sorte no dia em que contraem matrimónio. Levantado entre 1926 e 1937, o antigo palácio de Verão foi um presente de alguns empresários de Durrës ao rei albanês Ahmet Zog I como sinal de prosperidade; mas o monarca que antes foi presidente e, antes ainda, primeiro-ministro, dispôs apenas de duas temporadas para desfrutar, na companhia da rainha Géraldine Apponyi de Nagyappony – com quem casou uns meses após a conclusão das obras – do luxo de um espaço onde não faltavam elegantes escadas de mármore e delicados tectos de madeira trabalhada e que, visto à distância, tem a pretensão de se semelhar a uma águia.

Em Abril de 1939, Benito Mussolini invadiu a Albânia e Ahmet Zog I, sentindo a sua vida ameaçada, mais ainda que durante as 55 tentativas de assassinato de que foi alvo, partiu para o exílio, fazendo-se acompanhar da família mas também de uma considerável quantidade de ouro retirado dos bancos nacionais – mas muito dele já na posse da família real porque a invasão não era de todo esperada.

Contemplo pela última vez o palácio que, como o anfiteatro, carece de verbas para ser renovado e avisto a cidade do mesmo local onde, em tempos distintos, depois da II Guerra Mundial, figuras como Nikita Khrushchev e Jimmy Carter, convidados do regime, também a perscrutaram.

Mais para diante, banhado pelos raios solares, o porto, um dos mais antigos do Mediterrâneo, freme de vida. No século VII a.C., Durrës, capital da Albânia entre 1914 e 1920, tornou-se num dos principais eixos comerciais da costa adriática e, já no século passado, no símbolo do êxodomaciço dos albaneses durante a ditadura de Enver Hoxha (1945-1985).

Durrës foi, no século II a.C., ponto de partida da Via Ignátia, a estrada com mais de mil quilómetros e de grande importância militar (por ela marcharam os exércitos de Júlio César e Pompeu mas também o apóstolo Paulo na sua segunda viagem missionária) que rasgava as antigas províncias romanas de Ilíria, Macedónia e Trácia até se deter em Bizâncio, a actual Istambul. Reza a lenda que, desde o ano 1000, a cidade que Cícero definiu como “admirável” e o poeta Catullus como “Taberna do Adriático” terá mudado de mãos 33 vezes – não admira, portanto, que o Museu Arqueológico, virado para o mar, apresente tamanha riqueza de artefactos dos períodos grego, helenístico e romano. Sendo Durrës, em tempos imemoriais, um centro de adoração de Vénus, não estranho ver, no interior do museu, uma ampla colecção de bustos da deusa do amor e, mal chego ao exterior, calcorreio a Torra e, seguindo ao longo da Anastas Durrsaku, vou observando fragmentos das muralhas bizantinas da cidade (século VI), construídas após a invasão visigoda e complementadas, já no século XIV, por torres redondas venezianas. Deixo para o final as ruínas dos banhos romanos e as poucas colunas que restam do que foi em tempos uma basílica e, antes de partir – porque Durrës quase sempre foi um ponto de partida – rumo ao sul, caminho ao longo da marginal, com os seus restaurantes, os seus bares, os seus múltiplos hotéis que se abraçam e quase não deixam respirar as praias, mais as suas gentes que, aqui, sentindo o cheiro do mar e o murmúrio das vagas suaves, me parecem menos descontraídas e menos amigáveis do que na cidade que a todo o instante oferece um vestígio do passado.

A grandeza de Apollonia

É um engenheiro de uma operadora telefónica, Ibrahim Cela, falando fluentemente inglês, quem faz um desvio para me deixar no solitário e silencioso mosteiro de Ardenice. Poupado à destruição no período do totalitarismo, mas umas vezes usado como restaurante e em outras como hotel, o antigo mosteiro ortodoxo é hoje um lugar de culto e residência habitual de quatro monges, bem como um exemplo de conservação que não me fora dado a ver em Durrës. 

O regresso, a pé, até à pequena aldeia que dá pelo mesmo nome, proporciona-me cheiros outonais e o encontro com agricultores – o país é essencialmente agrícola – que me saúdam à minha passagem. Com mais duas boleias, chego a Fier mas logo avanço para Apollonia, caminhando até cruzar uma antiga linha férrea agora ocupada por vendedores de galinhas, de patos e de perus; um velho Mercedes detém-se e deixa-me à entrada das ruínas da antiga cidade fundada por gregos de Corinto e Corfu em 588 a.C. (a toponímia deriva do Deus Apollo).

Situada entre colinas ondulantes e um vasto olival com soberbas panorâmicas sobre a planície que se estende por quilómetros, Apollonia rapidamente se tornou uma cidade-estado importante, cunhando a sua própria moeda e tirando partido do comércio de escravos e, a partir de 229 a.C., já sob o domínio dos romanos, um grande centro cultural com uma famosa escola de filosofia. Júlio César concedeu-lhe o título de cidade-livre em sinal de gratidão pelo apoio que a população lhe demonstrou na luta contra Pompeu, o grande, durante a guerra civil travada no século I a. C., e enviou o sobrinho, Octavius, mais tarde o Imperador Augustus, para completar os estudos em Apollonia.

Escutando os gritos e os risos das crianças, em visita de estudo, vou errando pelas ruínas (um total de quatro quilómetros no interior das muralhas) e admirando a elegância do pequeno teatro (original) ou os pilares da fachada restaurada do que foi, no século II d. C., o centro administrativo de Apollonia. Se a Casa dos Mosaicos, datando do século III a.C., se encontra encerrada ao público e os mosaicos cobertos com areia como forma de protecção, não dou o meu tempo por perdido quando vagueio, sob um sol glorioso, pelo mosteiro bizantino e pela igreja de Santa Maria, com as suas gárgulas nos pilares exteriores. Mas um pouco por todo o lado, no jardim em volta da igreja ou nos claustros, sente-se um prazer renovado ao fitar uma ampla e interessante colecção de estátuas, bem como algumas das mais recentes descobertas (uma grande parte do complexo continua por escavar), como a necrópole fora das paredes do castelo, com as suas pedras tumulares que remontam à Idade do Bronze e do Ferro.  

O azul-turquesa de Vlorë

Outra vez a pé, vou deixando Apollonia para trás e passo por pastores, guardadores de patos e de perus. Um deles, à distância, pergunta-me de onde venho e grita 
- Viva Portugal!
Aqui e acolá, entre a densa vegetação, desponta um ou outro bunker, herança de um tempo em que a Albânia estava fechada ao mundo. 

Chego a Vlorë, em pouco tempo, com um simpático escultor.
A primeira sensação é positiva, um sentimento talvez influenciado pelas palavras de Jonida Qirko.
- A primeira vez que visitei Vlorë tinha 13 anos – agora tenho 18 - e, desde essa altura, venho com regularidade. Vlorë contempla tudo o que me atrai quando viajo: o mar, a natureza, a história e a arqueologia.
Jonida Qirko trabalha numa agência de modelos, uma actividade que conjuga com os seus estudos.
- Nunca mais esqueci a primeira vez que estive em Vlorë: que lugar maravilhoso, tão romântico, com gastronomia para todos os gostos e todos os orçamentos. E a melodia das ondas e as águas cristalinas. Mas Vlorë é muito mais, é a história, as suas ruas pitorescas, uma cidade com tudo o que um visitante pode desejar. 

Jonida Qirko sabe do que fala – Vlorë, rodeada por imponentes montanhas com milhares de oliveiras e ancorada na baía homónima, onde as águas do Adriático se enamoram com as do Jónico, foi fundada por gregos como uma das suas colónias na costa ilíria e habitada, de forma contínua, desde o século VI a. C. Aquele que é o centro económico e cultural mais importante do sul do país, onde a tradição se cruza com a modernidade, ocupa um lugar muito especial no coração dos albaneses: foi em Vlorë que, em 1912, após anos de constantes revoltas contra o domínio otomano, se proclamou a independência e se instituiu o governo provisório liderado por Ismail Qemali.

Nos dias de hoje, Vlorë, também um importante centro de recrutamento da Sigurimi, a polícia secreta, nos tempos de Enver Hoxha, é um lugar tranquilo, com fascinantes museus que ocupam o viandante durante algumas horas, como o Museu de História, com uma amostra de artefactos desde o século IV a. C. até à II Guerra Mundial, ou o Museu Etnográfico, ambos na Sheshi i Flamurit, ou ainda o Museu Nacional da Independência, próximo do porto e ocupando uma mansão que serviu de quartel-general do primeiro governo albanês.
Sigo ao longo da avenida repleta de palmeiras, de cafés e restaurantes, lanço olhares demorados à quietude das águas de um azul-turquesa, ainda mais para lá, até à Lagoa Narta, e logo me encontro em frente da Mesquita Muradi, uma pequena mas elegante estrutura de pedra branca e vermelha e um modesto minarete, obra cuja autoria é atribuída a um dos mais famosos arquitectos otomanos, Sinan Pacha, nascido na Albânia. Não muito distante, num dos extremos da concorrida artéria Sadik Zotaj, erguendo-se contra a abóbada do mundo, agora de um azul desmaiado, está o Monumento da Independência e, a dois passos da base, o túmulo de Ismail Qemali, com os seus jardins fronteiriços bem cuidados onde jovens casais de namorados materializam as suas paixões ou idosos, sob o peso da nostalgia, provavelmente evocam as suas. 

Para a direita, o mar é um tapete prateado e um ferry de grande dimensão cobre parte de uma montanha agora com contornos pouco definidos.
- Tu não vais conseguir.
Lulu, o cão de Diana Bella, salta para as pernas da dona e estende o focinho para lá da janela.
- É tarde, há poucos carros a circular a esta hora e, por norma, as pessoas não param para dar boleia. Eu parei porque também viajei muito pelo mundo.

A oficial da marinha deixa-me, pouco convencida do meu sucesso, poucos quilómetros depois, já na saída de Vlorë, num pequeno parque junto à estrada que serpenteia ao lado de um mar cada vez mais azul. A espera é curta, subo para uma carrinha que transporta peixe e que me leva até Orikum; a partir daqui, o asfalto olha na direcção das montanhas majestosas, algumas com casas no sopé banhadas pelos raios oblíquos do sol. Quase não passam carros, vou andando, observando o fumo que se ergue das chaminés, os extensos vales, escutando ora o silêncio, ora os latidos pouco amigáveis de um ou outro cão. Finalmente, uma viatura detém-se, um simpático idoso que não fala inglês e me conduz até uma aldeia, de onde parto, uns minutos depois, numa carrinha de caixa aberta, atrás, respirando a brisa, apesar da insistência dos cinco homens para que me junte a eles, na cabina – e logo me convidam para tomar café.

A estrada sobe, sobe, em ziguezague, apela ao esforço do motor, a panorâmica é deslumbrante, vestida de verde e de pedra. As nuvens mancham o céu de cobre e insinuam-se por entre os pinheiros, o vento sopra com mais força e, ao fim de algum tempo, como se de uma recompensa se tratasse, o Parque Nacional Llogaraja, território privilegiado de veados, javalis e lobos, exibe-se em toda a sua generosidade. O pico, com 1025 metros, começa a ficar para trás, nos vales, pastores e rebanhos, perdidos no horizonte, semelham-se a formigas, a estrada é uma serpente que vai rastejando, para a frente e para trás, e o sol espreita por entre a cortina, pincelando o mar de múltiplas tonalidades.

Dhërmi, pequeno para tantos italianos nos meses de Verão – e albaneses aos fins-de-semana – recebe-me ao crepúsculo. Alugo um quarto numa casa e passo as primeiras horas da noite numa taberna, servido por um casal grego simpático que me convida a beber raki depois de um delicioso jantar.
Aos poucos, a vida enche-se de silêncio e o céu de estrelas.

Sucessão de praias

Aos primeiros alvores de um dia que promete sol e calor, já estou na estrada. As praias, línguas de areia beijando águas cristalinas, sucedem-se: de Dymades, próxima de Dhërmi, avança-se para a encantadora Gjipe, desta para Jale e logo, ainda e sempre à boleia, abordo a antiga de Himara, velhinha com mais de três mil anos mas conservando muitos dos traços da sua fundação. Em tempos de antanho, foi habitada pela tribo grega dos caónios, uma das três principais do Epiro, e nos dias de hoje, quando se deambula pelas suas ruelas de pedra e de casas caiadas de branco, algumas com bandeiras gregas que brincam com o vento, o silêncio e a nostalgia impregnam-se na alma do viajante. Em 1990, a maior parte dos habitantes de etnia grega abandonou Himara mas actualmente assiste-se a um regresso – e o grego volta a ser a língua mais escutada na pequena povoação dominada pelo castelo e por duas igrejas, uma delas, a de Todos os Santos, com os seus ícones ortodoxos prateados, os seus frescos e as suas paredes agora cinzentas do fumo de cerimónias religiosas de tantos séculos.

Avisto um pastor vagueando por sobre as ruínas no lombo da colina que domina o Golfo de Spille; uma cabra, num equilíbrio precário, olha-me desconfiada mas logo vira a cabeça noutra direcção – e como eu a compreendo a sua repentina indiferença. Ao fundo, no final de um vale cultivado, mostra-se a bonita praia de Livadhi e, mais para lá, até ao horizonte longínquo, as águas calmas do mar sulcado por cargueiros solitários.

A Albânia, com 427 quilómetros de costa, não deixa de se revelar uma surpresa a cada curva – entre duas boleias e muitos mais quilómetros a pé, tanto se deseja absorver a beleza infinita das montanhas como a das praias. Até atingir Lukovë, visito o Castelo de Porto Palermo – alegadamente construído por venezianos -, na baía do mesmo nome; mais para norte, avisto um bunker submarino (numa área militar restrita) e, às primeiras horas da tarde, Sarandë recebe-me com um frémito de vida que jamais conhecera ao longo da minha jornada pela riviera albanesa.

Apartamentos e hotéis preenchem a moldura da urbe em forma de ferradura e outrora conhecida como Ayii Saranda (um antigo mosteiro, hoje em ruínas, dedicado a 40 santos e alcandorado numa colina sobranceira à cidade) e turistas gregos aproveitam a proximidade de Corfu (45 minutos de ferry) para a visitar e banharem-se nas suas águas. Mas Sarandë, também chamada Porto Edda na década de 1940 – o nome da filha de Mussolini -, permanece como um lugar agradável, com praias de águas transparentes, quase 300 dias de sol por ano, um sedutor passeio marítimo e alguns mosaicos (num estranho complexo na Rruga Flamurit) e uma sinagoga do século V.

Ksamil e o Olho Azul

Antes que o dia se extinga, rumo à idílica praia de Ksamil e por ali fico, fitando um pescador solitário e observando as vagas que se vão atropelando e a harmonia da paisagem decorada com três pequenas ilhas. Durante o regime comunista, a pequena aldeia (cerca de três mil habitantes) era mais conhecida pela produção de azeite e pela fama dos limões e das tangerinas do que pela sua praia limpa. Gradualmente, face à procura, tanto de albaneses como de estrangeiros, os edifícios começaram a ser levantados sem obedecerem um plano urbanístico – e em 2010 o governo procedeu à demolição de duas centenas que haviam sido construídos de forma ilegal numa área incluída no Parque Nacional de Butrint, que se estende por de 29 km2.

A partir de Ksamil, utilizo pela primeira vez um transporte público – e o mesmo farei mais tarde, para regressar a Sarandë, não sem antes pousar os olhos demoradamente nas ruínas e desfrutar da quietude de Butrint. Situado na desembocadura do lago homónimo, o assentamento foi habitado desde tempos pré-históricos, mais tarde uma colónia grega, depois uma cidade romana e sede de bispado. Butrint conheceu um período de prosperidade sob o domínio bizantino (transformando-se num centro eclesiástico), foi ocupada pelos venezianos e abandonada no final da Idade Média – até ser redescoberta, em 1927, por arqueólogos italianos.

Na companhia de um reduzido número de turistas, vou errando pelo teatro grego, que acolhia 2500 pessoas, pelos banhos públicos e, já no interior da floresta, ao longo de um muro com inscrições gregas, pelo baptistério (os coloridos mosaicos representando animais e pássaros estão cobertos com areia) e pelos admiráveis arcos da basílica. Subo à antiga acrópole, actualmente um castelo que abriga um museu e, daqui, grato pela paisagem que é dada a contemplar, fico com uma ideia de como era a cidade no passado, ao mesmo tempo que vou olhando as águas do canal Vivari que ligam o Lago Butrint ao estreito de Corfu e que o sol se encarrega de dourar a esta hora.

Syri i Kaltër, 25 quilómetros para o interior através de uma pequena cadeia montanhosa, é o meu último destino e nada fica a dever a todos os outros: uma piscina natural conhecida como Olho Azul e em tempos apenas reservada à elite comunista. O azul-escuro domina a pupila e tons mais claros enfeitam a iris, num perfeito contraste com a vegetação que a rodeia.

A estrada rasga a paisagem verde, estende-se até sentir a respiração das montanhas. Para lá, para trás dos montes imponentes que recortam os céus tingidos de pequenas nuvens de um branco quase imaculado, está Gjirokastër, outro dos segredos mais bem guardados da Albânia e capital das anedotas.

- A mãe, toda sorridente, vai buscar os filhos à escola e, pelo caminho, promete aos dois que quem apresentar os melhores trabalhos de casa terá no domingo seguinte um prémio: o mais esmerado irá ver as pessoas a comer gelados. 

GUIA PRÁTICO

Quando ir
A Albânia pode ser visitada em qualquer altura do ano mas a Primavera e o Outono afiguram-se como as melhores estações. O Verão coincide com a época alta, quando as populações do interior, com temperaturas superiores a 30 graus em Julho e Agosto, acorrem à costa albanesa, que goza de um agradável clima mediterrânico. Nas zonas mais montanhosas, fortes nevões são uma constante entre Novembro e Março.

Como ir
Não há ligações aéreas directas entre Lisboa e Tirana e a tarifa mais económica, com uma escala em Istambul, é proporcionada pela Turkishairlines (www.turkishairlines.com), cerca de 330 euros para um bilhete de ida e volta. No voo de ida, o tempo de paragem naquela cidade turca não excede os 60 minutos mas no regresso obriga a uma longa escala. Pernoitar em Istambul é uma hipótese a considerar ou, em alternativa, pode recorrer à Lufthansa (www.lufthansa.com), que cobra pouco mais de 500 euros para um voo entre a capital portuguesa e a albanesa, com uma escala de cerca de três horas em Viena e com voos operados em conjunto pela TAP e a Austrian.

Onde comer

Vila Logoreci
Rruga Papa Gjon Pali II, 9, Tirana

Castella
Rruga Grigor Durrsaku
Durrës

Xhokla
Plazhi i Ri
Vlorë

Pupi
Rruga Sarandë-Butrint
Sarandë

Onde dormir

Destil Hostel
Rruga Qemal Gurnjaku
Tirana

Tirana International
Skanderbeg Square, 8
Tirana

Hotel Adriatik
Rruga Pavaresia
Durrës

Hotel Alpine
Rruga Sadik Zotaj
Vlorë

Hotel Grand
Rruga Sarandë-Butrint 1
Sarandë


INFORMAÇÕES

Os cidadãos portugueses apenas necessitam de passaporte (não carecem de visto de entrada) com uma validade de pelo menos seis meses para visitarem a Albânia.
Muitos dos hotéis e mesmo alguns restaurantes aceitam pagamento em euros mas a moeda local é o lek (lekë no plural) – um euro corresponde a aproximadamente 140 lekë.
A língua oficial é o albanês mas uma grande maioria da população jovem fala também inglês, italiano, francês ou alemão – com uma significante diáspora, a Albânia é um dos países mais poliglotas do mundo. Portugal não tem qualquer representação diplomática em Tirana.

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