-Espera um minuto que eu vou buscar o meu diário ao quarto.
A lua sobe no céu, redonda e prateada, iluminando mais do que a luz mortiça do candeeiro colocado sobre a toalha de plástico na mesa da cozinha.
Hyunjung Go está de volta. No rosto, um sorriso; nas mãos, um pequeno caderno de múltiplas cores que coloca sob o candeeiro e aberto numa página com uns caracteres indecifráveis desenhados a tinta vermelha.
- Estás pronto?
Aceno com a cabeça em sinal afirmativo e encho os copos.
“Nunca havia visto, em toda a minha vida, tantos animais na berma da estrada como no percurso entre Tbilissi e Kakheti. Vacas e ovelhas surgiam no caminho com uma frequência inusitada. Hoje é dia 18 de Outubro, faz calor mas não muito, adivinha-se um dia maravilhoso para apanhar uvas.”
As nuvens galopam à volta da lua. A jovem sul-coreana cheira o vinho e praticamente só molha os lábios, num gesto delicado que me transporta no tempo. Parece que ainda estou a ouvir a voz.
- Natela!
Chegara à pequena aldeia ao início da tarde, por todo o lado reinava o silêncio e no meu estômago mandava a fome. Um homem, com uma vida bem preenchida pelos anos e uma barba grisalha, despejava erva daninha num contentor. Ao lado dele, um jovem parecia admirar a sua energia mas não levantava um dedo para o ajudar. Dirigi-me ao mais velho, perguntei se havia um restaurante nas proximidades e, em russo e em linguagem gestual, percebi que direcção devia tomar, atravessando a ponte que ligava as duas margens.
No meu russo muito pobre, expliquei de onde vinha e o que fazia. Os dois trocaram palavras que aos meus ouvidos soavam como murmúrios, até que o ancião, com uma expressão dócil, se dirigiu a mim, com as mãos fazendo-me sinal para o acompanhar, a ele e ao carrinho de mão que empurrava, ao longo de um trilho de terra batida e à sombra das videiras e de outras árvores de fruto.
- Natela, Natela!
Valiko Sadagachvili convida-me a lavar as mãos e ele faz o mesmo, esfregando-as bem. Do pátio exterior da casa modesta seguimos para um pequeno anexo, onde parece caber tudo e nada faltar: há uvas penduradas numa trave de madeira, vinho branco em garrafões de plástico, fruta em conserva, maçãs e cebolas. A meia dúzia de metros a mulher prepara queijo. Valiko Sadagachvili, sentado numa cadeira, bate com a mão na testa, sentindo-se culpado por uma queda que lhe afectou a vista direita. Mas logo recupera a sua vitalidade, levanta-se e escolhe, de entre os garrafões, o vinho que lhe parece mais apropriado para a ocasião.
- Só uvas, nada mais.
Faltam-me as palavras e, mesmo que sobrassem, seriam esmagadas perante a forma tão familiar como sou recebido. Um sentimento de gratidão enche todo o meu ser e não me irá abandonar durante umas horas.
Valiko Sadagachvili enche dois copos, levanta o dele, um sorriso bonito desenha-se-lhe no rosto e brinda:
- Nazdarovya!
Valiko Sadagachvili bebe de um trago, eu limito-me a provar e ele olha-me com espanto por não o imitar.
Identidade nacional
A chama, desperta por uma brisa suave, espalha-se pela parede e o diário fica por momentos numa semipenumbra. Hyunjung Go bebe um pequeno gole do vinho tinto, saboreando-o, como faz a maior parte do povo georgiano — e não é difícil cair em exageros quando se fala da importância do vinho para esta nação de quatro milhões de habitantes.
Mal se chega a Tbilissi, avista-se, dominando a parte antiga da cidade, a antiga fortaleza persa (século IV) de Nariqala e, seguindo ao longo de um trilho que parte da entrada principal desta, logo se perscruta, imponente, uma estátua de alumínio com 20 metros de altura, o símbolo da capital. Uma mulher, a Kartlis Deda ou a Mãe Geórgia, sobe nos céus, na mão direita, sobre o ventre, uma espada, na esquerda, um pouco acima do ombro, uma tigela de vinho, a metáfora perfeita do carácter deste povo que tanto acolhe o visitante calorosamente como luta apaixonadamente contra os seus inimigos.
- Pareces ausente. Queres que continue ou não?
“Por norma, os agricultores sul-coreanos vendem as melhores uvas e utilizam as mais fracas para a produção de vinho. Em Kakheti não é assim — fico com a ideia de que o fazem porque os cachos estão muito entrelaçados. Por isso, no início, cortar as uvas revelou-se uma tarefa complicada para mim. Mas, aos poucos, olhando disfarçadamente para os meus companheiros, fui apanhando o jeito.”
Hyunjung Go percorre com o indicador os caracteres, bebe o vinho pausadamente, com prazer. Na Geórgia, o líquido imortalizado por Baco, sendo um símbolo de hospitalidade, é também uma manifestação da identidade nacional, intimamente ligado à vida familiar e ao culto religioso. A sul-coreana, de férias no país com uma conterrânea que conheceu em viagem pelo Norte da Turquia, afasta-se de novo e eu entrego-me às memórias de dias anteriores.
Como uma sentinela, recortando-se contra as magnificentes montanhas do Cáucaso, com os seus cumes eternamente nevados, a torre da Catedral de Alaverdi avista-se a grande distância. Na berma da estrada, peregrinos em visita àquele que é considerado o maior centro espiritual de Kakheti gozam da sombra dos ramos de árvores esguias e, para trás, até perder de vista, estendem-se vinhas com as suas folhas pintadas de tonalidades outonais. Acenam-me e convidam-me a fazer-lhes companhia, primeiro destapando o tacho onde coze um borrego partido em pedaços generosos, depois, enquanto esperamos a sua confecção, estendendo-me um copo de vinho branco.
É a minha vez de propor um brinde:
- Nazdarovya.
Em coro, respondem-me e logo voltam a encher os copos, enquanto as crianças me olham como por vezes olhamos uma espécie rara ou em vias de extinção. A menos de duzentos metros, está a catedral, construída no século XI (quando o país iniciou o seu período dourado, cultural e politicamente) para o rei Kvirike de Kakheti — e, com um sentimento de pena por abandonar um grupo tão hospitaleiro e generoso, caminho na direcção dela antes que a tarde definhe.
Com pouco mais de 50 metros de altura, era, nesse tempo distante — e durante quase um milénio — a igreja mais alta da Geórgia mas ao longo dos anos sofreu consideráveis danos provocados por alguns sismos e hipotecou grande parte da sua verdadeira identidade quando, já no século XIX, foi mandada caiar, tapando um conjunto de frescos que apenas foi recuperado em 1966.
A catedral de Alaverdi permanece, ainda assim e a despeito de uma decoração minimalista, tão típica das igrejas da região, como um lugar onde se respira harmonia, com os seus majestosos arcos e, no interior, um interessante jogo de luz proporcionado pelas suas 16 cúpulas com janelas, bem como os ícones de St. George e o dragão (século XVI) e o da Virgem e do Menino (século XI), este último encimando o altar. Espalhados à volta da catedral, encontram-se outros edifícios, como o palácio de Verão do governador Shah Abbas, agora restaurado para servir de residência ao bispo, um balneário, uma torre sineira e a adega Alaverdi Marani, geralmente fechada aos visitantes.
Era o vinho, meu Deus
Veste-se todo de negro, como um corvo, longas barbas castanhas caindo sobre as vestes. O monge Gerasime Otarashvili, que se divide entre os seus deveres religiosos e a supervisão da produção de vinho, convida-me a seguir-lhe os passos por este lugar mágico, um sentimento que se exacerba quando abre um qvevri (enormes recipientes, alguns com três metros de profundidade, feitos de argila vermelha e com capacidade para armazenar mil litros de vinho) e os aromas enchem a atmosfera.
- Produzimos entre 10 a 15 toneladas por ano e as vindimas prolongam-se entre sete a dez dias. O final é marcado por um almoço especial e o início da recolha das uvas reveste-se de grande solenidade, com a leitura de orações.
No século XII, revelam pesquisas arqueológicas, Alaverdi produzia 70 toneladas de vinho e, após um interregno, durante a ocupação comunista, os monges restauraram uma das antigas adegas. Desde 2006 que os vinhos do mosteiro são galardoados um pouco por todo o lado, uns deles elaborados em qvevris, outros seguindo métodos modernos.
Gerasime Otarashvili destapa um qvevri e retira um vinho de uma cor púrpura. Serve-me um copo e ergue o dele. É um Saperavi, o mais caro de todos quantos se produzem no mosteiro, também utilizado nos serviços religiosos.
- Temos seis tipos de vinho, um por cada casta (100%) das nossas vinhas, e todos eles já se tornaram populares em todo o mundo. O vinho é encomendado com grande antecedência e a procura supera claramente a oferta. A maior parte é vendida na Geórgia mas também exportamos para outros 12 países.
A história diz-nos que a produção de vinho no país é anterior ao nascimento de Cristo e que há já oito mil anos se procedia ao cultivo de vinhas nos montes Shulaveri. Gerasime Otarashvili propõe um novo brinde.
- O vinho, na Geórgia, sempre teve uma componente religiosa e social. Para nós, o vinho é um líquido divino feito com a nossa participação, um elemento necessário e utilizado na maior parte dos serviços sagrados, como a Eucaristia. Além disso, o vinho tem um lugar especial no nosso dia-a-dia. Não há festa ou mesa sem vinho. Desde o nascimento até à morte, é servido em todas as ocasiões especiais.
Do boicote à modernidade
De quando em vez, sozinho na cozinha, lanço um olhar ao diário de Hyunjung Go, desejando descodificar os caracteres.
- Ainda estás aí? Pensei que já estavas a dormir. Estive no Skype com a minha família.
Pego na garrafa e deito um pouco de vinho no copo de Hyunjung Go.
“As mulheres colhiam as uvas e colocavam-nas em cestos. Os mais jovens entre os homens carregavam-nos até à entrada da quinta, depositavam as uvas em contentores de plástico e voltavam a entregá-los às mulheres. Entretanto, outros homens, mais velhos, mas fortes, trabalhavam numa espécie de armazém atrás da casa. As uvas passavam dos contentores para as prensas e eles rodavam a manivela, comprimindo-as, sem grandes cuidados porque – diziam – era vinho apenas para consumo próprio.”
Produzir vinho, em grande ou menor escala, é obrigatório para muitos georgianos — e servi-lo a um convidado é uma questão de orgulho. Quem não tem uvas, compra-as muitas vezes nos mercados para que, na hora de receber, haja vinho caseiro na mesa e se possa fazer do momento uma celebração, não faltando sequer a eleição de um tamadá, o maestro do brinde e o responsável por oficializar um acto que, para os locais, é solene. Na Geórgia brinda-se à paz, à família, às mulheres e aos filhos, aos amigos, aos convidados e aos falecidos, a quem em determinado período da vida plantou vides.
Entre as 2000 castas mais populares no mundo, mais de 500 são georgianas e, dessas, quase 40 são actualmente utilizadas na produção comercial. Para o palato dos ocidentais, o vinho da Geórgia sempre teve um sabor doce mas o boicote à importação, em 2006, por parte da Rússia, serviu de incentivo para a produção de vinhos mais refinados, utilizando tecnologias mais modernas. O mercado russo representava, antes do boicote, cerca de 80% (mais de 50 milhões de garrafas) das exportações de vinho da Geórgia mas a descoberta, nesse ano, de que este país do Cáucaso fabricava vinho adulterado, contendo pesticidas e não respeitando os requisitos sanitários, teve um forte impacto na economia, provocando o encerramento de muitas adegas.
Em Maio de 2006, o ministro da Defesa da Geórgia, Irakli Okruashvili, admitiu a veracidade da tese russa e fez aumentar a tensão entre os dois estados (em guerra em 2008 na sequência dos conflitos na Abecásia e na Ossétia do Sul) ao declarar que “muitos produtores exportaram vinho falsificado, porque a Rússia é um mercado onde até é possível vender merda.”
Gosto de ouvir a voz melodiosa de Hyunjung Go mas o sono atinge-me com a força de um trovão, torna-me mais sonhador, mais distante. Ela continua a ler. “Quinze ou mais pessoas, todas da família, participavam na recolha das uvas. Ao fim da tarde, as vides ajudaram a fazer uma fogueira para grelhar carne de porco. Ao lado, uma mesa comprida, com pão, queijo caseiro, outras carnes, legumes, vinho, um copo e um prato para cada um esperava por nós.”
Hyungjung Go não sabe o nome desta espécie de banquete umbilicalmente ligado à tradição hospitaleira deste povo. Supra, assim se designa, e da mesa onde já não repousa o diário mas apenas a luz fraca do candeeiro sou transportado para outra, numa pequena aldeia, não muito distante de Gori, a cidade que viu nascer Joseph Estaline, um adepto de Khvanchkara (um tinto suave que combina duas castas, Alexandrouli e Mujuretuli)
- Natela! Natela!
Natela Kuzivelichvil surge, finalmente, na moldura da porta, com pão, feito em casa, nas mãos. Diz-me que estão juntos há 45 anos. Os quatro filhos vivem em Tbilissi. Valiko Sadagachvili corta outro pão, mais doce, a mulher afasta-se, volta de novo, agora com queijo artesanal num prato; ele sobe um escadote, retira algumas uvas, pede a Natela para as lavar.
Valiko Sadagachvili tem uma energia infinita, ao fim da tarde liga o motor do pequeno tractor, convida-me a sentar-me ao seu lado e percorre as ruelas de terra batida, a todos anunciando, com visível orgulho, a presença de um jornalista português. De um saco, retira uma garrafa de litro e meio de vinho, que me estende com um sorriso antes de me abraçar. Esta, mais do que qualquer outra, é uma despedida triste. Olho de novo a garrafa e aceno uma última vez. Caminho entregue à minha solidão, tendo apenas como companhia uma frase de Gerasime Otarashvili:
- O vinho alegra o coração do homem e um coração cheio de alegria é sempre um coração afectuoso.
Guia prático
Quando ir
Kakheti está situada na parte oriental da Geórgia, fazendo fronteira com o Azerbaijão a sul e a oeste e com a Rússia a norte. A melhor altura para visitar a região é na Primavera ou no Outono (para assistir ou participar nas vindimas, entre 20 de Setembro e 20 de Outubro), quando as temperaturas são mais agradáveis. No Verão, os termómetros superam facilmente os 30 graus e no Inverno descem drasticamente nas zonas mais montanhosas.
Como ir
A forma mais prática e mais em conta para viajar entre Lisboa e Tbilissi, capital da Geórgia, é com a Turkish Airlines, com uma escala em Istambul. Há outras companhias aéreas que fazem a ligação entre as duas cidades (sempre com uma paragem) mas nenhuma oferece melhores tarifas (cerca de 370 euros para um bilhete de ida e volta) do que a empresa turca. Desde o aeroporto, a forma mais barata para chegar ao centro da cidade é de autocarro (n.º 37), a cada trinta minutos, entre as 7h e as 22h. Tbilissi dispõe de dois terminais de autocarros e de marshrutky (mais pequenos) mas quem pretender utilizar este meio de transporte para chegar a Kakheti deve dirigir-se ao de Ortachala, situado a cerca de dois quilómetros da parte antiga da capital. As marshrutky saem da parte da frente do terminal e demoram cerca de duas horas para efectuar o percurso até Telavi, onde deve mudar para outra, junto ao mercado, para visitar Alaverdi e os arredores ou a cidade de Sighnaghi.
Onde comer
Em Tbilissi, não perca a oportunidade de provar as delícias do Racha, na esquina da Lermontov com a Dadiani, uma caverna com um ambiente acolhedor, boa comida georgiana a preços em conta — e não se deixe intimidar face à ausência de um menu em inglês porque donos e empregados farão todos os possíveis para lhe explicar (ou mostrar) o que é khinkali, mtsvadi, kchachapuri ou badrijani. Em Telavi, aconselha-se o Old Marani, na Chavchavadze, 154 (tem também umas caves de vinho) e em Sighnaghi o Wine World, em frente ao Parque Bebris, onde pode provar alguns dos mais de cem vinhos que constam da carta.
Onde dormir
Se pretender passar uma ou mais noites em Tbilissi, dispõe de várias alternativas que vão de encontro a todo o tipo de orçamentos. Para os mais afortunados, recomenda-se o Hotel Ambasadori, na Shavteli, 13, onde um duplo (incluindo pequeno-almoço) custa aproximadamente 150 euros. Para quem viaja contando os tostões (12 euros em dormitório), uma das melhores opções passa pelo Gallery Hostel, na Brose Street, 11, próximo da parte antiga da capital e com uma atmosfera familiar. Em Talevi, recomenda-se a Tushishvili Guesthouse, na Nadikvari, 15 (dez euros por pessoa) e em Sighnaghi o David Zandarashvili’s, na Tsminda Giorgi, 11 (15 euros incluindo pequeno-almoço e jantar). Para um pouco mais de luxo, tendo sempre os aromas do vinho presentes, aconselha-se o Schuchmann, fundado por alemães e localizado a cinco quilómetros de Telavi, com tarifas entre os 65 e os 90 euros (quarto duplo) e entre 125 e 170 (suíte).
A visitar
Kakheti, durante largos períodos da história um reino independente ou semi-independente, não é apenas uma região famosa por ser a maior produtora de vinhos mas também pelo seu importante legado histórico e cultural. Na estrada entre Telavi e Alaverdi não deixe de visitar, uns quilómetros antes de chegar à catedral, o mosteiro de Ikalto, rodeado de ciprestes e uma das duas mais proeminentes academias medievais do país (a outra era Gelati), onde terá estudado o poeta nacional Shota Rustaveli.
O complexo, devastado pelos persas no século XVI, foi fundado no século VI por Zenon, um dos 13 padres do deserto ascetas, e 600 anos mais tarde o rei David, o construtor, endereçou um convite ao filósofo Arsen Ikaltoeli para estabelecer uma academia neste lugar onde as doutrinas do neoplatonismo ganharam expressão.
O complexo religioso integra a igreja da Transfiguração, construída entre os séculos VIII e IX sobre uma outra onde Zenon foi cremado mas caiada e completada com uma cúpula em tijolo no século XIX, a pequena Sameba, igreja da Trindade restaurada ao longo dos tempos (procure o interessante relevo de três santos no topo da fachada), a igreja de Santa Maria (Kvelatsminda), com uma única nave e erguida entre os séculos XII e XIII e, finalmente, atrás desta última, o edifício sem telhado onde funcionou a academia.
Na fronteira com o Azerbaijão, e ainda mais majestoso, encontra-se o Davit Gareja, um dos lugares mais históricos da Geórgia, com os seus 15 mosteiros que se espalham por uma das áreas mais remotas do país, numa paisagem lunar que atrai o visitante no primeiro instante. O mosteiro de Lavra, o único ainda hoje habitado, foi fundado por Davit Gareja, outro dos padres do deserto que regressaram do Médio Oriente para difundir o Cristianismo na Geórgia no século VI.
Manuscritos foram traduzidos e copiados e uma escola de pintura de frescos floresceu no mosteiro de Lavra antes de o lugar conhecer alguns dos seus mais trágicos episódios: em 1265, foi arrasado pelos mongóis, mais tarde saqueado por Timur e, na noite de Páscoa de 1615, há 400 anos, viveu o seu pior momento, quando os soldados de Shah Abbas mataram seis mil monges e destruíram os seus tesouros artísticos. Os mosteiros, embora operacionais até finais do século XIX, nunca mais recuperaram a sua importância mas o lugar continua a produzir um encanto especial sobre o viandante — e na colina que se ergue sobranceira ao mosteiro de Lavra vale a pena visitar um outro, Udabno, com os seus bonitos frescos.
Se, em Telavi, a maior cidade da região, situada no vale de Alazani, entre as montanhas Gombori e o Cáucaso, pouco mais há para ver do que o castelo Batonistsikhe, antiga residência dos reis de Kakheti entre os séculos XVII e XVIII, Sighnaghi, a 60 quilómetros (uma hora e meia de marshrutka), é um apelo constante a um passeio sem pressas.
Considerada, justamente, a cidade mais bonita de Kakheti e a cidade do amor, Sighnaghi está situada no dorso de uma colina com panorâmicas soberbas sobre o vale Alazani e tem uma impressiva e bem preservada arquitectura dos séculos XVIII e XIX com casas de cores garridas que rodeiam praças encantadoras. Sighnaghi dispõe também de um interessante museu com mostras da arqueologia e da história da região, bem como um conjunto de quadros de Pirosmani (nascido em Kakheti), na verdade a segunda maior colecção logo depois da Galeria Nacional, em Tbilissi. Sighnaghi deriva do turco e significa abrigo — e a toponímia ganha ainda mais sentido quando se observam as suas muralhas defensivas, quatro quilómetros em circunferência, mandadas erguer pelo rei Erekle II, mais as suas 23 torres e seis portas, cada uma delas com o nome de uma aldeia próxima.
Informações
Portugal não tem representação diplomática na Geórgia e qualquer assunto deve ser tratado com a embaixada portuguesa em Ancara, na Kirlangiç Sokak, n.º 39, Gaziosmanpasa (GOP), Çankaya, através dos e-mails ankara@mne.pt ou sconsular.ankara@mne.pt ou dos telefones +(90) 312 405 41 09 e +(90) 312 405 60 28/29, entre as 9h30 e as 13h e entre as 14h e as 17h30.
Os cidadãos portugueses apenas necessitam de um passaporte válido para entrar na Geórgia. A moeda em circulação no país é o lari, que corresponde a 0,36 euros, mas alguns hotéis (pelo menos os mais caros) aceitam pagamento em dólares americanos ou em euros. A língua oficial é o georgiano mas a população jovem fala fluentemente inglês, embora mais na capital do que nas regiões remotas do país — onde é mais fácil encontrar quem domine o russo do que o inglês. A diferença horária entre Portugal e a Geórgia é de mais quatro horas. No Verão, ao contrário dos vizinhos Azerbaijão e Arménia, a Geórgia não procede a qualquer mudança.