Estamos a bordo do maior navio de cruzeiros do mundo, não nos cansamos de repetir mentalmente. Estamos a bordo do maior navio de cruzeiros do mundo e isso significa algo como quatro campos de futebol no patamar com maior área, que se multiplica por sucessivos campos de futebol nos andares seguintes: 18 decks no total, 16 de acesso aos passageiros.
Ao início, como qualquer cidade que conhecemos pela primeira vez, o gigante dos mares revela-se um intrincado labirinto de avenidas e ruelas, áreas “residenciais” e largas zonas públicas, sete bairros distintos. A Royal Promenade é no deck 5 ou no 6? Quais são as escadas para acedermos ao casino? A piscina principal era junto à proa ou na popa? Tentamos decorar o mapa e orientarmo-nos, o grupo marca desde logo um ponto de encontro: qualquer evento colectivo tem partida junto ao Starbucks. No entanto, ao fim de três dias já lhe conhecemos os caminhos principais, já temos espaços preferidos e a cidade flutuante vai parecendo cada vez mais pequena, sem que cheguemos a sentir que lhe descobrimos todos os recantos ou que ficámos sem nada para fazer.
“É preciso uma semana para o descobrir”, anteveria Samuel da Costa, um português emigrado na Suíça há 31 anos que veio fazer este cruzeiro com a família “mesmo por curiosidade em relação ao barco”. “Tinha visto uma reportagem na televisão quando ele foi metido no mar e disse a mim próprio que tinha de o visitar”, conta. Inaugurado em 2010, o Allure of the Seas estava desde então com rotas nos mares das Caraíbas. Este foi o primeiro Verão que rumou à Europa e, até ao momento, não está previsto que volte ao Mediterrâneo. Uma oportunidade que Samuel não queria perder, embarcando na última viagem da temporada. “Éramos para fazer uma semana, mas já estava completo, então fizemos três dias, só mais para conhecer o barco, porque acho isto impressionante.”
Não se pense, contudo, que Samuel é novato nos cruzeiros e que se deixa impressionar facilmente. Este é o oitavo que faz desde 2010 e a mulher, Mabília Pedrosa, já leva dez no currículo. “Gostamos porque são férias para todos. Não há mulher na cozinha, a fazer o quarto, a limpeza; como nas férias em Portugal, em que depois vêm os amigos e tudo isso, há sempre pequenas obras para se fazer”, justificam. A bordo de um navio o tempo é para os dois, para fazerem o que quiserem, para se deitarem e acordarem “quando bem lhes apetece”. E depois, acrescenta Samuel, “é um dos únicos sítios em que a gente tem possibilidade de ir conhecer vários países e as suas culturas”. “Férias-férias são em cruzeiros”, já vaticinaram há muito.
Neste caso, as três noites a bordo pouco darão para tomar gosto ao descanso. Vieram quase só “pelo barco” e as expectativas estão a ser correspondidas. “O que mais gostei [até agora] foi das atracções que tem, que são fora do normal em comparação com outros barcos; o bar panorâmico [Rising Tide Bar] em que a gente entra, pede a bebida e o bar vai subindo e descendo devagarinho e podemos sair num dos dois andares; e esta avenida aberta no centro, com milhares de plantas como se estivéssemos num jardim”, enumera o português de 52 anos, natural de Pedreira de Vilarinho, no concelho de Anadia.
Estamos no Central Park, bem no meio do deck 8, e à nossa volta temos mais de 12 mil plantas naturais de diversas espécies, nos altifalantes canta o chilrear dos pássaros, que à noite é substituído pelo doce e suave som dos grilos. Uma banda sonora mais campestre que marítima e que conseguiremos ouvir mais tarde nas espreguiçadeiras do deck 15, onde passamos largos minutos sem ver absolutamente ninguém, o olhar fito na janela de breu, sem conseguirmos distinguir mar e céu no negro horizonte. Onde está afinal toda a gente?
Sozinhos entre milhares
“Neste momento, estão a bordo 8216 pessoas no total, entre elas 2150 membros da tripulação de quase 80 países diferentes”, enumera o capitão Johny Faevelen, a partir da ponte de comando do navio. É o único dia de navegação que viveremos a bordo do Allure of the Seas, nesta ponta final da última rota no Mediterrâneo, três noites entre o porto italiano de Civitavecchia, localizado a cerca de 70km de Roma, e o destino final, em Barcelona (onde chegaríamos na manhã seguinte), com única paragem em Nápoles. É hoje, com toda a gente embarcada, que sentiremos o peso real dos números, pensamos.
No entanto, e embora a lotação total de 8800 pessoas não esteja completa, a verdade é que nunca nos sentiremos entre uma multidão e facilmente encontramos recantos solitários a qualquer hora do dia. “São tantas as actividades e os sítios onde as pessoas podem ir e divertir-se que nem se nota que estão de facto aqui 8000 pessoas”, já tinha comentado Samuel, a quem também “fascina a quantidade de gente que aqui vai dentro”.
Os espectáculos dividem-se entre três espaços principais: o Amber Theater (onde assistimos ao espectáculo Blue Planet, embora por ali também passe o musical Mamma Mia, da Broadway), o AquaTheater (com um espectáculo de saltos para a água e acrobacias) e o Studio B, com um ringue de patinagem no gelo (onde vimos o Ice Games!, que tem um português, Ruben Pereira, como gerente da produção).
Depois há o jardim do Central Park, o carrossel clássico na Boardwalk, a avenida interior Royal Promenade repleta de restaurantes e de lojas (e a sensação de estarmos num centro comercial), o casino, a área das piscinas e jacuzzis e a zona dedicada ao entretenimento, com dois simuladores de surf e bodyboard (FlowRider), um campo multiusos e um de minigolfe, mesas de pingue-pongue, paredes de escalada e o Zipline, uma tirolesa com mais de 80 metros de comprimento que percorre toda a extensão da Boardwalk, nove decks ali em baixo.
É a segunda vez que Denise Stansfield, na casa dos 70 anos, se arma de capacete e cabos para deslizar por ali fora, aterrando no colchão verde do outro lado da gigante varanda. “Gosto de aventura e de experimentar coisas novas”, conta. No dia anterior já tinha percorrido o Zipline e feito escalada, agora corre para as pequenas bancadas do simulador de bodyboard, desta vez para ver a neta mais velha equilibrar-se na prancha enquanto um jacto de água cria uma espécie de onda. É o segundo cruzeiro da Royal Caribbean que faz, depois do Celebrity of the Seas, e defende que este “é mais orientado para as famílias e mais casual”. “Ontem, o dress code definido para o jantar era formal mas havia muita gente de calças de ganga e roupa normal”, exemplifica a inglesa com um ar de desagrado.
Todas as noites é deixado sobre a cama o Cruise Compass para o dia seguinte, uma espécie de jornal de bordo, com a sugestão para o tipo de roupa a vestir durante o jantar, os horários dos estabelecimentos, dos espectáculos e das actividades, entre outras informações.
Comida para todos os gostos
“One, two, three, step. Uno, dos, tres, paso”, vai ensaiando o animador no centro da Royal Promenade, primeiro sem música, depois liga os sons latinos com um toque no telemóvel. Aos poucos participantes do início vão-se juntando mais pares. Em breve estão quase 30 pessoas a dar à anca ao som de Quien Eres Tu. A maioria são reformados, só encontramos duas raparigas e um casal na casa dos 30 anos entre o grupo. Normalmente há mais famílias e gente nova a bordo, garante Francisco Teixeira, director da Melair Cruzeiros (representante da Royal Caribbean em Portugal), lembrando que o período escolar já começou.
Deixamo-nos ficar na “esplanada” do Bolero’s e é ali que pela primeira vez sentimos o movimento do navio, como se fosse o início de uma ligeira tontura. Um suave limiar do equilíbrio. E só de olhos postos nos trejeitos do mar é que nos voltaremos a lembrar que não estamos em terra firme. À noite, o Bolero’s é dos bares mais animados, com a pista sempre cheia de pares a dançar os ritmos latinos. Em frente, canta-se agora karaoke em alemão e depois em italiano, no andar de baixo há stand-up no Comedy Club, o clube de jazz está encerrado para um evento privado e a discoteca está esta noite por conta dos miúdos. Os graúdos dançarão madrugada dentro na festa do Solarium Bar, no deck 16.
“Temos 24 conceitos de restauração diferentes, cerca de 45 bares e despensas de bar e mais de 10 mil metros quadrados de cozinhas”, enumera Markus Juen, director de Food&Beverage do Allure. A seu cargo tem quase “metade do navio” e “metade da tripulação”; a função de alimentar diariamente um cruzeiro com mais de 8000 pessoas a bordo. “É massivo”, define. O planeamento é feito com seis semanas de antecedência e durante toda a viagem (sete noites), o navio é carregado de comida e bebida apenas uma vez. “São cerca de mil paletes”, avança.
“Só na sala de jantar principal são servidos cerca de 30 mil pratos, desde entradas a sobremesas, e nos restaurantes de especialidade temos à volta de 650 clientes por noite. No total, podemos chegar a 45 mil pratos de comida por dia”, indica o responsável. Nestes restaurantes de gastronomia especializada (comida italiana, sushi ou grelhados norte-americanos, por exemplo), é aconselhável reservar mesa antecipadamente. Assim como em todos os espectáculos. É a única crítica que o casal português aponta. “É uma organização a que não estamos acostumados, talvez se viermos uma segunda vez já sabemos que é assim e é mais fácil, mas no primeiro e no segundo dia foi um bocadinho complicado porque queríamos entrar em certos sítios e como não tínhamos reserva não podíamos entrar, tínhamos de esperar na bicha”, conta Mabília.
Uma tripulação de histórias
Do capitão à empregada de mesa, não encontrámos nenhum estreante a trabalhar em cruzeiros (embora existissem, com toda a certeza). O que encontrámos foram casos de quem começou em baixo e foi subindo até ao topo, de gente que até ali não tinha encontrado trabalho na área de estudo e várias histórias de amor a bordo. É o caso de Markus, que trabalha na empresa desde 1991. “Vim com a intenção de ficar apenas um ano para ver o mundo e ganhar dinheiro, mas o bichinho dos navios ataca-te e ficas para a vida”, conta. Começou como assistente de empregado de mesa e é hoje o responsável por toda a área de restauração. Conheceu a mulher, gerente de recepção, no último navio onde trabalharam. “Na verdade acabámos de casar em Julho”, ri-se timidamente.
Também Delia Paradeira, empregada de mesa brasileira, conheceu o noivo a bordo, quando trabalhavam num cruzeiro de uma empresa concorrente. “Depois de dois anos parada, não tinha perspectivas de emprego no Brasil e voltei para os cruzeiros. Nem num mês ganharia o que faço aqui em quatro dias”, revela. Já Ruben Pereira, das Caldas da Rainha, tinha estudado Som e Imagem em Leiria e não encontrava trabalho na área até ver “um anúncio no centro de emprego”. Há quatro anos que trabalha na produção de espectáculos a bordo dos navios da empresa e não se vê a regressar a Portugal tão cedo.
Depois há o capitão Johny Faevelen, que trabalha há 40 anos na companhia, no Allure desde a sua inauguração. “Cresci junto ao Círculo Polar Árctico, na Noruega, num barco de pesca com o meu pai e aos 18 anos candidatei-me a um emprego no mar e aqui continuo. Passei quase toda a minha vida em navios de cruzeiro”, conta, garantindo “não ter planos para se reformar tão cedo”. No entanto, um dia antes de partir para a viagem transantlântica que levaria o Allure of the Seas de regresso à Florida, confessava já estar ansioso por lá chegar. “Está a ficar um pouco frio aqui agora”, ri-se. “É a única grande diferença, nunca fica frio nas Caraíbas.”
A Fugas viajou a convite da Royal Caribbean Portugal e da TAP Portugal
Harmony of the Seas
Sai um gémeo, entra um irmão maior
O Harmony of the Seas vai lançar-se ao mar em Abril de 2016, tornando-se no terceiro navio da classe Oasis da Royal Caribbean, depois do Oasis of the Seas (inaugurado em 2009) e do Allure of the Seas (nascido um ano depois). Quando sair pela primeira vez do porto de Southampton, em Inglaterra, o Harmony torna-se oficialmente no maior navio de cruzeiros do mundo, substituindo por menos de uma tonelada de arqueação bruta e um centímetro de comprimento o Allure, tal como este o tinha feito com o irmão mais velho.
No entanto, ao contrário do Allure, que é praticamente uma réplica do Oasis à excepção de pequenos detalhes, o Harmony tem não só três novidades na área de entretenimento (o Ultimate Abyss, um escorrega de dez andares que deslizará ao longo de 30 metros, desde o topo do AquaTheater até à Boardwalk; o Perfect Storm, três escorregas aquáticos — Cyclone, Typhoon e Supercell — que descem o navio ao longo de três decks; e um renovado parque infantil aquático, que passa a chamar-se Splashaway Bay) como traz várias atracções já existentes nos navios da classe Quantum, a mais recente da companhia (o popular Bionic Bar – onde os barmen são dois robots; o restaurante de especialidade Wonderland — de “cozinha imaginativa” e que aqui vai ter dois andares; e os camarotes interiores com varanda virtual são alguns dos exemplos).
Depois de três pequenas viagens de apresentação, o Harmony of the Seas vai partir para Barcelona, onde ficará durante o Verão de 2016, com rotas no Mediterrâneo. Em aberto, está ainda a possibilidade de, durante o percurso até à cidade espanhola, o novo gigante dos mares parar em Portugal. “Neste momento ainda desconhecemos a rota oficial, mas pode ser que venha a Lisboa”, avançou Francisco Teixeira.
Tal como o Allure of the Seas, que este ano fez pela primeira vez uma temporada no Mediterrâneo (e não é esperado que o volte a fazer), também o Harmony ficará na Europa apenas no Verão do próximo ano, partindo depois em direcção à Florida, nos EUA, onde partilhará as rotas nas Caraíbas com os dois navios-irmãos.
Próximos itinerários
Neste momento, o Allure of the Seas já está de regresso às Caraíbas e por lá ficará, pelo menos até 2017, com cruzeiros de sete noites, em dois roteiros que se vão alternando semanalmente, ambos com partida e chegada em Fort Lauderdale (Florida, EUA): o primeiro tem escala nos portos de Nassau (Bahamas), Charlotte Amalie (ilha São Tomás, nas Ilhas Virgens Americanas) e Philipsburg (na ilha Saint Maarten); o segundo com escalas em Nassau, Falmouth (Jamaica) e Cozumel (México).
No entanto, há um navio gémeo a estrear-se nos mares em Abril de 2016 e a temporada inaugural do Harmony of the Seas será feita no Mediterrâneo, com partida e chegada de Barcelona. A rota inicial, que sai da cidade catalã a 7 de Junho, será de cinco noites, com escala em Civitavecchia (Roma) e em Nápoles e dois dias de navegação. A partir daí, cada domingo marca a partida da Rota dos Príncipes, com escalas em Palma de Maiorca, Marselha, La Spezia (Florença), Civitavecchia (Roma) e Nápoles. O último cruzeiro da temporada tem saída prevista de Barcelona a 16 de Outubro. No final do mês, o Harmony of the Seas juntar-se-á aos dois navios da mesma classe nos mares das Caraíbas.
Preços
Para um cruzeiro de oito dias nas Caraíbas a bordo do Allure of the Seas, o catálogo da Melair para 2016 anuncia preços a partir de 808€ por pessoa (ocupação dupla, pensão completa e com taxas portuárias incluídas). Já no caso das rotas do Harmony of the Seas pelo Mediterrâneo, os preços começam em 678€ por pessoa para o cruzeiro de cinco dias e em 1152€ para a Rota dos Príncipes (igualmente em ocupação dupla, pensão completa e com taxas portuárias incluídas). Contudo, tal como os preços dos voos, as tarifas dos cruzeiros flutuam muito e oscilam de acordo com a ocupação do navio, tendo tendência a se tornarem mais caras quanto mais próximo da data da viagem for feita a reserva. Ao preço do cruzeiro, há ainda que juntar as viagens de ida e volta para Fort Lauderdale, no primeiro caso, ou para Barcelona, no segundo.
Informações
Royal Caribbean - www.royalcaribbean.pt
Melair (empresa representante da Royal Caribbean em Portugal) - www.melair.pt