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E Nova Iorque criou o Natal

Por Isabel Lucas

Os nova-iorquinos dizem que o Natal, como o Ocidente o celebra, nasceu ali. Branco, iluminado, consumista, festivo. Uma festa que parece ser para sempre enquanto dura.

São quase três da tarde de um dia de Outubro no Bryant Park e há um nevoeiro molhado que de vez em quando se transforma numa chuva pouco persistente. Abrigados, dois homens jogam xadrez numa mesa de ferro. Estão debaixo de um chapéu que ainda no dia anterior servira para proteger do sol. Junto a eles, há um carrossel parado e um movimento de bastidores. Uma rapariga está empoleirada num escadote a pintar uma parede de azul. Vários tons a desenhar objectos naquele que há-de ser um quiosque de venda de bijuteria. Um rapaz, cinco ou seis anos de idade, brinca com um sino que tirou de um caixote e corre atrás de um bando de pombos. A uns vinte metros, um grupo de homens esvazia uma carrinha, alinhando tábuas no chão enquanto outros esticam uma espécie de oleado gigante.

A pista de patinagem vai nascer ali, por detrás de uma fonte onde a água gela, sempre que a temperatura desce a menos dez, menos vinte graus. Prepara-se aquela que é uma das temporadas festivas mais celebradas e que atrai mais visitantes em Nova Iorque, a cidade que no ano passado recebeu 55 milhões de turistas, recorde absoluto, um número que suplanta em vinte milhões o que foi alcançado em 2002, o ano pós-11 de Setembro. Mas por aqueles dias de Outono, a paisagem da cidade mais visitada do mundo está ainda cheia de sinais do Verão. Esplanadas cheias, skaters de t-shirt e calções, turistas indiferentes às montras que anunciam roupa de Inverno, temperaturas acima da média em véspera de Halloween. Atravessar aquele parque no centro de Manhattan e assistir aos preparativos de Natal é como forçar o tempo, fazê-lo tomar um rumo que não é o natural.

“E não é sempre assim?”, contrapõe Marjorie Smith. Está sentada com um livro aberto enquanto come uma salada numa das mesas do parque. Será o quinto Natal em Nova Iorque desta funcionária administrativa de uma multinacional americana. “Tudo parece sempre começar muito cedo. Acaba o Verão e vêem-se luzes de Natal.” Ri-se. “O Natal aqui é quando Nova Iorque quiser e Nova Iorque quer que comece cedo.” 

Oficialmente, parece começar quando se ligam as luzes da árvore do Rockefeller Center, em plena Midtown. Este ano aconteceu às sete da tarde do dia 2 de Dezembro, quando se acenderam as 45 mil lâmpadas do abeto de 24 metros de altura e com uma estrela de vidro Swarovski no topo. Pela 83.ª vez consecutiva, a árvore foi montada na praça para onde confluem os 19 edifícios em estilo Art Deco que integram o complexo Rockefeller e onde está também uma das quatro principais pistas de gelo ao ar livre que, com a do Bryant Park, a Wollman Rink, no Central Park e, a mais recente, em Brookfield Place, fazem parte do mapa das atracções do Natal em Nova Iorque que dura até que as luzes se apaguem, às oito horas da noite do dia 7 de Janeiro.

A grande invenção

Conta-se que a primeira vez que houve uma árvore iluminada pelo Natal no bloco entre a quinta e a sexta avenidas e as ruas 48 e 51 aconteceu por iniciativa dos operários que trabalhavam na fundação do complexo Rockefeller, um projecto desenhado por um grupo de arquitectos liderado por Raymond Hood. Foi em 1931, em plena Depressão, e os trabalhadores, sobretudo imigrantes italianos, agradeciam o facto de terem trabalho. Numa foto da época recentemente publicada pelo New York Times, vê-se um grupo de homens, de chapéu ou boné na cabeça, calças largas, arregaçados ou de casaco, a receber o cheque com o pagamento junto a um abeto enfeitado com fitas vermelhas, azuis e brancas, as cores da federação americana. Ainda não era a árvore oficial. Essa seria colocada no mesmo sítio um ano depois, em 1932, e de modo mais ostensivo a partir de 1939, com a inauguração oficial do Rockefeller Center. Nos anos mais recentes, a árvore é visitada diariamente por meio milhão de pessoas e tentar furar a multidão para uma fotografia entre as cinco da tarde e a oito da noite é uma prova de resistência a que qualquer nova-iorquino quer fugir.

Há uma massa compacta de gente de sacos na mão a percorrer a Quinta Avenida nos dois sentidos, desde a Biblioteca Nacional, junto ao Bryant Park, até à praça em frente ao Plaza Hotel, mesmo à entrada do Central Park. No passeio, o ritmo do passo em que se consegue andar é ditado pela velocidade média de um aglomerado indeciso ou dividido na sua atenção, que oscila entre a cabeça no ar, tentando captar o horizonte de arranha-céus, demorar os olhos no que consegue apreender do espectáculo montado nas montras, ver onde pisa, ou embasbacar-se com alguém que passa ao lado. Fixar um rosto dura segundos e não parece haver uma língua discernível. Há palavras soltas em inglês, espanhol, chinês, russo, português de Portugal e do Brasil, francês, italiano… Homens e mulheres vestidos de pelúcia e de papelão a anunciar novidades, promoções, mendigos sentados com cartazes que pedem mais do que atenção e outros de pé, mão esticada a uma moeda. “Dêem-me esses espectáculos – dêem-me as ruas de Manhattan”, disse Walt Whitman, o escritor que gostava das multidões mas que não viveu para ver as que agora percorrem a ilha pelo Natal, comandadas por uma banda sonora de cânticos religiosos, clássicos natalícios da música pop, sinos de renas, buzinas de carros com condutores impacientes, pregões a anunciar descontos antecipados, ou uma pechincha, ali mesmo, numa banca de rua.

Era disto que Henry Miller falava quando dizia que Nova Iorque pode levar qualquer um à loucura se não se tiver uma espécie de “estabilizador interno”? Miller morreu em 1980, e embora as suas multidões estivessem mais próximas das actuais do que as de Whitman, ainda não eram assim. Dito isto, é bom accionar o estabilizador quando se está no chamado Passeio de Natal, o Holiday Walk, entre as ruas 40 e 59 da Quinta Avenida. As lojas-mãe, ou flagship stores das grandes marcas, trabalharam um ano inteiro na decoração de montras que tentam conjugar da melhor forma luxo e originalidade. Há visitas guiadas organizadas para ver o que fazem a Sacks, Louis Vuitton, Bergdorf Goodman, Prada, Henri Bendel. Qualquer site turístico as anuncia, com ou sem entrada nas lojas. Disputam a atenção de milhares de pessoas e tornam-se uma das maiores atracções de Natal, juntamente com a montra dos armazéns Macy’s, um pouco abaixo e a Oeste, em Herald Square, esquina da Sexta Avenida com a Rua 34. Com os teatros à volta de Time Square e a Radio City Hall, onde desde 1933 acontece um dos mais emblemáticos espectáculos da cidade – o Radio City Christmas Spectacular –, estes são inevitáveis grandes aglomerados de um visitante em tempo de Natal.       

Tudo o resto será pacífico, com mais ou menos filas de espera. Se começar pelo holiday walk e terminar o passeio assustado ou cansado, experimente uma terapia para acalmar: seguir do Plaza Hotel e entrar no Central Park ao fim do dia — pelas cinco, seis da tarde — e surpreender-se com um silêncio como só o frio e a neve são capazes de fabricar. São menos de cinco minutos de distância a pé entre o Natal mais ruidoso e o mais pacífico.

Diz-se em Nova Iorque que foi Nova Iorque que inventou o Natal tal como o celebra o Ocidente, antes mesmo de Charles Dickens, na Inglaterra de meados do século XIX, ter criado o conto literário que, com o texto bíblico, sintetiza o que se convenciona chamar de espírito de Natal. O Natal dos presentes, das luzes, do banquete em família, da grande festa. O Natal branco dos postais que faz sonhar o hemisfério Sul, o Natal com importações do Norte da Europa, como as renas ou a paisagem. O Natal do sonho que se vende, se compra e se oferece centrado na figura do Santa Claus nasceu em Nova Iorque. São Nicolau é o padroeiro da cidade.

O navio holandês que chegou a Nova Amesterdão em 1773 transportava a imagem de St. Nicholas e os holandeses traziam a tradição de oferecer presentes às crianças no dia 6 de Dezembro. Com o tempo, a data juntou-se a outras celebrações: o nascimento de Jesus e o solstício de Inverno, mas São Nicolau continuou no centro da festa, menos por razões religiosas do que pagãs, numa história que se vai contando com as imprecisões e a imaginação do passe-a-palavra. Como factos temos uma cidade colonizada sobretudo por protestantes que, contudo, adoptou o santo como símbolo de uma celebração que escapava aos pressupostos da Igreja e que a literatura da época foi ajudando a fixar, sobretudo através de escritores como Washington Irving, que terá imaginado Sinterklaes  — uma designação dada na Holanda a São Nicolau — a deslizar nuns esquis puxado por um cavalo e a entrar nas casas pelas chaminés, onde deixava os presentes para as crianças. O nome Santa Claus é uma alteração de Sinterklaes, que volta a aparecer num poema de Clement Clarke Moore e, pela mesma altura, um livro para crianças substituía o cavalo do Santa Claus por renas. Criava-se a narrativa de um Natal a que as elites não tardaram a aderir, seguindo o povo, e alimentada pelos comerciantes nova-iorquinos atraídos pelo negócio à volta: brinquedos, decoração, comida. E tudo associado à imagem de um santo festivo, bonacheirão, que escrevia cartas às crianças e lhes distribuía presentes. Ele era a representação do Natal americano que em 1931 se universalizou vestido de vermelho, segurando uma garrafa de Coca-Cola. O autor da ideia foi Haddon Sundblom. Era o início de uma campanha publicitátia que durou 35 anos e associou o Natal ao consumo. Há quem queira agora reverter esta imagem para restituir a de um ideal de Natal menos ostensivo. Mas este é o espírito do Natal americano, e Nova Iorque é o seu maior símbolo.

Não há Natal mais filmado, retratado, cantado, descrito, reconhecido a rivalizar com o Natal bíblico, ainda que este tivesse nascido primeiro. Nem há como fugir a clichés. Há neve a cair no teclado de um piano numa música da banda punk inglesa The Pogues. Fala de excluídos na noite de Natal numa prisão de Nova Iorque e de sonhos frustrados, de ser velho, abandonado. A voz rouca de Shane McGowen e a melódica de Kirsty McColl, os dois a percorrer a Broadway em Fairytale or New York, que em 1987, ano em que a canção foi gravada, se tornou logo num hino. Era uma alternativa quase anti-Natal, mas foi absorvida pelo Natal. Quando se tenta criar um original ele reproduz-se numa voragem, arrisca ser mainstream. Basta ter Nova Iorque e Natal na mesma “frase”. E não se estranhe ouvir Pogues entre os clássicos aqui cantados, sobretudo, por duas vozes: Frank Sinatra e Bill Crosby.      

Chegar pela primeira vez a Nova Iorque em tempo de Natal é sempre uma experiência de contraste e de confronto. Entre a mediatização da cidade pela música, pelo cinema, pela televisão, fotografia, literatura e, finalmente o olhar filtrado apenas — como se fosse pouco — por todas as memórias que serviram para alimentar esse imaginário. Já se viu tudo, mas não se sentiu o cheiro a tarte de maçã e canela, misturado com a baunilha e cravinho que junta em bebidas quentes, ou o sabor a eggnog — bebida de leite, ovo, açúcar e noz-moscada, servida tradicionalmente nesta época. Ou o odor a pinho das centenas de árvores à venda à porta de supermercados, em passeios, mercados de rua, um negócio que desafia regras e que no início do século, noticiava o New York Times, era responsável pelo abate de cinco milhões de árvores. Só a cidade de Nova Iorque. Hoje há quintas a produzir durante um ano pinheiros que são vendidos entre os 40 e os 400 dólares, dependendo do tamanho, qualidade e do bairro onde são comercializados. Não se sentiu também a vertigem de não saber para onde olhar primeiro ou por onde começar a caminhada interminável pela oferta de Natal na cidade.

Não faltam guias. Estão sob consulta na Internet e servem todos os gostos e muitas carteiras. A iluminação, os espectáculos, as montras, os hotéis e restaurantes, as lojas. Pode comprar um dos pacotes ou construir outro, mais pessoal, partindo de umas poucas certezas. É Inverno. Se tudo correr bem, está frio, pode nevar e há forte possibilidade de o céu estar azul. Uma caminhada de sul para norte, à beira do Hudson, garante cara gelada e uma perspectiva luminosa da outra margem, do outro estado, e, quase certo, a salvo de bandos ruidosos de turistas. Com sorte, as botas na neve são o som mais audível desse passeio. Passado Tribecca, vire para Este, junto ao Whitney Museum, e entre por Meatpacking District, actualmente um dos bairros com uma das mais interessantes — e também inflacionadas — ofertas de comércio, restaurantes, bares, galerias de arte de Nova Iorque.

Seguindo o High-line — uma linha de caminho-de-ferro abandonada e transformada num jardim público suspenso —, siga até ao mercado de Chelsea. São poucos quarteirões. Aqueça-se com um café quente. E perca-se. É um mercado fixo. Comida, roupa, livros, acessórios e tempo para conversar e repor a temperatura. Pela cidade, há nesta altura outros mercados temporários que imitam a tradição de mercados de cidades do centro da Europa. Os mais famosos são os do Bryant Park e de Union Square, mas no Soho, no Village, em Brooklyn e Astoria há pequenas vendas de rua com produtos a rivalizar em preço e originalidade com as lojas tradicionais.

O conselho é seguir o impulso depois de vistos os “obrigatórios”. Andar pela cidade e entrar em galerias, livrarias, em pequenos cafés ou pubs, aquecer-se com uma bebida e ouvir jazz num speakeasy no Village ou no Harlem, experimentar um dos muitos restaurantes que servem, literalmente, a cozinha de todo o mundo — e olhar para os preços acrescentando ao valor entre 18 a 20% de gratificação, mais os 8% de imposto que o Estado cobra. Uma alternativa económica são os foodtrucks, com comida cada vez mais variada, de boa qualidade e capaz de satisfazer todo o tipo de dietas. À noite não são tão fáceis de encontrar, mas há mapas a assinalar horários e locais de paragem.

O problema em Nova Iorque é que umas férias não chegam e o Natal, porque mais que se acredite que seja uma permanência quando lá se está, passa rápido. Por mais que se proteste com multidões, com preços, com filas, esta é uma cidade para voltar e o Inverno e o Natal fazem parte da sua essência. Há os clássicos para matar saudades, mas ela estará sempre mudada. Mesmo no Natal. Se não acredita, faça um teste: assinale todos os sítios onde foi e aqueles onde gostaria de ter ido com referências precisas. Depois volte e descubra as diferenças.  

Guia prático             

Onde Dormir

Os clássicos e as grandes cadeias fazem preços e programas especiais, mas arrisque-se um dos muitos hotéis com escala mais pequena. Não falta oferta. O NoMad, o Library, o Chambers, The Nolitan ou o Americano, junto ao High-line, num edifício desenhado pelo arquitecto mexicano Enrique Norton.

Hotel Americano
518 W 27th St, New York
Tel. +1 212 216 0000

Onde comer

Marea
Muitos restaurantes em Nova Iorque estão abertos na Consoada com uma ementa especial. O John Dory, ABC, Momofuku são alguns exemplos. Destaque para o Marea, de um dos mais prestigiados chefs de Nova Iorque, Michael White, especializado em peixe e marisco e detentor de duas estrelas Michelin.

240, Central Park South
Tel.: +1 212 582 5100

Russian Tea Room
É um clássico, fiel a um ambiente inspirado na Rússia dos czares, com pratos a remeter para um geografia delimitada pelo Leste europeu, mas com um toque contemporâneo. Bom para retemperar energias.

150 West 57th Street
Tel. :+1 212 581 7100

Onde ir

Lincoln Center – New York City

Ballet
O Quebra-Nozes, de Tchaikovsky, pelo George Balanchine Ballet. Com representações diárias até dia 3 de Janeiro.

David H. Koch Theater
20 Lincoln Center
www.nycballet.com/Ballets/N/George-Balanchine-s-The-Nutcracker.aspx

Radio City Christmas Spectacular
É uma das grandes tradições de Natal em Nova Iorque. Começou em 1933 e é uma espécie de rito de passagem dos americanos. Fazer a árvore, beber eggnog, ir ao Radio City ver as Rockettes celebrar o Natal com alguns clássicos da temporada.

Radio City Music Hall
1260 Sixth Ave. Manhattan
Radiocity.com

Top of the Rock
Abriu em 2005, no 70.º andar do GE Building na Rockefeller Plaza, e tem um observatório com telescópios de onde se pode avistar grande parte da cidade. Ao final da tarde, com a iluminação ligada, é uma alternativa à vista mais conhecida de Midtown, o Empire State Building. 

30 Rockefeller Plaza
www.rockefellercenter.com/attractions/top-of-the-rock-observation-deck/
Aberto todos os dias das 8h à meia-noite

Feira e ringue de patinagem do Byant Park
É uma dos maiores ringues de patinagem de Inverno em Nova Iorque, e é grátis. Podem andar 500 patinadores em simultâneo. Fica em pleno parque, enquadrado por uma feira de Natal.
Aberto até 6 de Janeiro
Bryannt Park 

Greenpoint Holiday Market
É uma das novas atracções sazonais de Brooklyn e privilegias os criadores locais. Arte e artesanato, comida, bebida e animação estão até 6 de Janeiro no bairro mais a norte de Brooklyn.
Greenpoint Loft
67th Street West

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