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De uma aldeia de hobbits às pontes do amor

Por Mara Gonçalves

No Alto Minho, por estradas secundárias e lugarejos, vamos encontrando tesouros escondidos no alto de serras e no mais profundo dos vales.

Desde que um dia ouviu alguém compará-la a uma aldeia de hobbits, o guia Francisco Marques nunca mais largou a analogia, saltitando entre o mundo d’O Senhor dos Anéise a ilha fictícia d’As Viagens de Gulliver, quando acrescenta a estas casitas o adjectivo de “lilliputianas”. Certo é que tanto um universo como outro assentam que nem uma luva nestes minúsculos casebres de xistos e granitos encavalitados sob um tecto abobadado, muitas delas já camufladas por um manto de musgo. Não fosse o lixo que abunda no interior destes antigos abrigos de pastores, há muito abandonados, e acreditaríamos estar num qualquer conto de fadas.

Na realidade, estamos na branda de Santo António de Vale de Poldros, a cerca de 1200 metros de altitude, em plena serra da Peneda. A sede da freguesia, Riba de Mouro, fica a uns bons 20 minutos de condução nas curvas e contracurvas destes cerros pedregosos, cobertos de tojo, giesta, urze e carqueja e onde vemos pastar manadas de cachenas (raça bovina autóctone de alta montanha, com os seus característicos cornos compridos e torneados) e garranos semi-selvagens (cavalos da região, de porte pequeno e musculado). 

Vale (ou Val) de Poldros — assim denominada porque “na época de D. Dinis aqui se criavam os poldros [regionalismo para o mais comum: potros] para a guerra” — é uma das “cerca de dez brandas existentes na região do Alto Minho” e aquela que, segundo Francisco, concentra o maior número de cardenhas em melhor estado de preservação. As brandas são aldeias de montanha, localizadas acima dos 900 metros de altitude, para onde se mudavam as populações no Verão (de Março a Outubro), saindo das inverneiras (aldeias “gémeas” localizadas nos vales, onde viviam resguardadas no InVerno) com o gado, alfaias agrícolas e, por vezes, até “toda a mobília”, numa deslocação migratória sazonal conhecida por transumância. “Ainda há quem faça este movimento”, garante o guia da Bliss Tours, aproveitando as inúmeras nascentes que correm pelos vales “até Maio”, utilizadas nos “regueiros de milho” e para a plantação de centeio nos lameiros (socalcos), que vemos agora ainda postos de verde relvado delimitado por muros de pedra.

Francisco situa a fundação das cardenhas “no século IX”, embora não haja certezas quanto à época em que começaram a surgir no alto das serras estes pequenos e toscos abrigos de pastores — com um primeiro andar para habitação e o rés-do-chão para albergar os animais — e onde só falta a porta redonda de madeira para imaginarmos de lá sair Frodo ou o tio Bilbo Baggins e o seu poderoso anel. “Também existem cardenhas noutras brandas, mas a maioria foi destruída pelos proprietários, que utilizaram as pedras para construir casas melhores”, indica o guia, conjecturando que o abandono de Vale de Poldros pelos seus habitantes terá sido a principal causa de preservação das cardenhas nesta aldeia. O Colóquio Internacional de Arquitectura Popular — organizado pela autarquia de Monção e pelo Centro de Investigação em Arqueologia, Urbanismo e Design, da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa e que decorre desde 30 de Março, terminando hoje — foca-se precisamente no exemplo da aldeia de Vale de Poldros para discutir “medidas de salvaguarda, estratégias de intervenção e soluções de natureza social, económica e arquitectónica que permitam a reintegração deste património na vida das comunidades”.

Antes de enveredarmos pelas ruelas de pedra salpicadas de cardenhas, passeamos junto à igreja da aldeia, uma construção granítica, cuja origem “não se consegue datar”. Dedicada a Santo António, organiza-se ali uma “grande festa no 13 de Junho”, juntando muitos romeiros. Nesse dia, há a tradição de se leiloar uma das casas envolventes e quem vence o concurso fica com a habitação por sua conta durante um ano, vai contando Francisco. Ali próximo fica o coreto e, em frente à igreja, debruça-se uma enorme varanda sobre o vale, com zona de merendas. Actualmente, a igreja é propriedade de Fernando Gonçalves, o único habitante da aldeia, e todo o perímetro encontra-se normalmente encerrado.

Fernando, de 48 anos, vive solitário na branda abandonada, todos os dias abrindo as portas do seu restaurante a quem ali passa de visita, a grande maioria “galegos” que descem a fronteira para um passeio pela raia portuguesa. Durante as férias, regressa ainda quem entretanto reconstruiu os antigos edifícios para os transformar em modernas casas veraneantes. É num destes edifícios modernos que fica o restaurante de Fernando, numa ponta da aldeia. É ele que nos recebe para o almoço, um repasto com o melhor da gastronomia tradicional da região. Depois dos enchidos vindos dos fumeiros da terra, uma sopa de saramagos (espécie de nabiça selvagem endógena), seguida de “arroz de feijões afogados” (leva massa, feijão e enchidos), batatas fritas em azeite e cebola e uma sucessão de carnes — novilho, costelões, cabrito e cordeiro “à foda”. Apesar do apoio do autarca local, a expressão asneirenta usada na região não entrou no processo de certificação do prato, quase concluído, ficando cordeiro à moda de Monção. A cunhagem do termo é incerta e existem muitas teorias, por isso, se lá for, peça para que Fernando conte a dele. De conversa fácil e gracejo terno, tem conversa para horas.

Para fugir à tropa, Fernando emigrou para Andorra, onde viveu largos anos e, conta, foi onde aprendeu a cozinhar. Em 2004, já regressado à terra natal, abriu este restaurante de terraço sobre o silêncio da serra. “Nunca faço normalmente as coisas iguais. É com o que há, dependendo da estação também”, conta o cozinheiro num português de cantar espanhol. Restaurante isolado e de clientela flutuante, funciona à laia da simplicidade, do improviso e com boas doses de descontração. “Fui aprendendo com os clientes. Houve um que me ensinou sobre vinhos. E, às vezes, também descascam batatas para ajudar ou o que for preciso, outras vezes vão aos cogumelos e depois cozinho aqui.” O certo é que o que vem à mesa cumpre os desígnios do estômago e a hospitalidade de Fernando e dos seus cães e garranos (que chama com a buzina do carro para quem os quiser ver mais de perto) fazem o resto.

No coração do Alvarinho

Deixamos Fernando de novo entregue à solidão da serra e vamos desmoendo o almoço no ziguezague da estrada. Até porque nos espera uma tarde bem regada, de copo na mão. Estamos com um pé em Monção e outro em Melgaço, os dois concelhos formando a mais conhecida das sub-regiões do Vinho Verde, que tornou famoso o Alvarinho. Por aqui, a produção desta casta de uva branca movimenta cerca de dois mil produtores e engarrafadores e, segundo dados de 2013 da associação local de produtores, são colhidos anualmente na região perto de seis milhões de quilos daquela uva. “É das mais caras do país: um quilo custa 1€”, indica Francisco.

É um pouco da história e das características particulares da casta e do terroir da região que vamos conhecendo no Museu do Alvarinho, inaugurado no final de Fevereiro de 2015 na Casa do Curro, em Monção. Desde as origens — as primeiras referências específicas à casta serão datadas do século XIX e os primeiros rótulos na década de 1930, com as marcas Cêpa Velha e Casa de Rodes — aos ciclos da vinha e do vinho, com a exposição de diferentes utensílios. No final, a visita ao museu — que desde a abertura já recebeu “11 mil visitantes”, avança o autarca de Monção — pode ser finalizada com a prova (e/ou compra) de alguns dos néctares de ouro verde produzidos na região. Entre a lista de referências, estão as duas quintas que visitamos durante a tarde: Vale dos Ares e Quinta da Pedra, ambas naquele concelho. 

É Miguel Queimado quem nos guia pela primeira, situada a 200 metros de altitude, na quinta da família materna do jovem produtor. “É uma das vinhas de Alvarinho mais altas da região”, conta o engenheiro agrónomo e viticultor, assumindo que esta “é uma estratégia de diferenciação”, com a produção de vinhos mais frescos. Estamos no relvado em frente ao edifício do século XVII e, de um lado, encontramos o passado personificado no espigueiro, na eira ou na represa onde em tempos se “lavava a roupa e se acumulava a água para o regadio”; do outro, as comodidades contemporâneas mergulhadas numa piscina sobranceira ao vale. 

Foi aqui que Miguel passou os verões da infância, onde a mãe nasceu e viveu até se mudar para Lisboa. “Sempre gostei de vir para aqui e queria fazer algo cá”, recorda. Há dez anos mudou-se da capital e há três que produz vinho de casta Alvarinho. “Sempre produção em pequena escala” e focada “no segmento premium”. Em 2015, encheram-se 10 mil garrafas, cerca de 20% exportadas para o Canadá e Alemanha. O objectivo, avança, é chegar “às 60 mil daqui a cinco ou seis anos”. 

É já na ordem das 90 mil garrafas por ano que a Quinta da Pedra produz actualmente naquela que é a “maior extensão contínua de vinha da casta Alvarinho” do país: 43 hectares de videiras, que vão acompanhando o ondular da estrada até ao icónico edifício da propriedade, inspirado nas muralhas de Monção. Por aqui, as visitas guiadas às vinhas e à adega são realidade diária e terminam na loja da quinta, onde podem ser feitas ainda diversas provas de vinhos (a Quinta da Pedra é uma das oito propriedades integradas na Ideal Drinks, pelo que se podem degustar apenas as marcas locais ou abrir às diferentes regiões do país onde a empresa está implementada).

Imperdível será a visita à destilaria — “uma das melhores da Europa e do mundo”, garante Nelson Carvalho, responsável pela quinta. Este é um projecto pessoal do proprietário, Carlos Dias, com “um milhão de euros investidos só em equipamento” e que deverá dar ainda este ano os primeiros passos na comercialização, com o lançamento no mercado de aguardentes feitas com destilados de bagaço, frutas e vinho.

Do castelo ao vale das pontes

A placa indica o fim da estrada e o início do caminho tortuoso que teremos de subir a pé para chegar ao castelo de Castro Laboreiro, daqui ainda pouco mais do que uma miragem longínqua. Na verdade, olhamos para o topo do cerro, que parece mais perto dos anjos nos céus que de nós aqui em baixo, e não temos a certeza se de facto lhe distinguimos o dorso muralhado camuflado no negrume granítico da colina ou se é a nossa imaginação a desenhá-lo lá no alto. Ilusão de óptica ou não, é para lá que vamos. Subamos, então.

Diz-se que quanto mais penoso é o caminho, maior se torna a satisfação da chegada e é com esse dito que vamos encorajando o corpo enquanto galgamos a encosta, primeiro saltitando entre rochedos e rios de terra, depois numa escalada pela infinita escadaria de degraus sinuosos e irregulares que vai abraçando a pequena montanha. Aqui e ali, paragens para recuperar o fôlego na paisagem que se amplia em horizontes numa dança com o vento. 

Por fim, uma velha porta de madeira no limite do abismo sinaliza o destino. Segundo Francisco, terá sido D. Afonso Henriques a ordenar a construção da muralha em volta, mas não se conhece a data de fundação do castelo, sendo a edificação da fortificação actual normalmente atribuída a D. Dinis. Se foi para nós difícil aqui chegar, também o terá sido para o inimigo. Conta o guia que Castro Laboreiro e o seu povo foram “sempre fiéis ao lado luso”, embora o castelo não tenha sido um dos com maior importância no quadro da história militar portuguesa.

Mas estamos, então, a 1025 metros de altitude e aqui, no topo da mais alta colina, o que sobra do castelo desvanece-se num primeiro momento, afogado no assombro de 360º de sucessivos panos de encosta, um horizonte de pétreos cerros eriçados contra as nuvens leitosas. Do cinzento dominante sobressaem, de um lado e do outro, pequenos aglomerados habitacionais com os seus telhados vermelhos. Só então o olhar regressa ao castelo, classificado como Monumento Nacional em 1944. Da antiga fortificação, restam apenas algumas linhas de muralhas e as duas entradas, uma a norte, conhecida como porta do sapo ou da traição, e outra a nascente, designada porta do sol. 

Caminhamos entre e por cima dos muros de pedra fitando a vertigem e, pouco depois, já descemos de novo a encosta, agora até ao vale que se encaminha para a inverneira de Assureira. Em minutos, baixamos da coroa ao ventre de Castro Laboreiro. E ainda nem passeámos pelas ruas da vila castreja, vergada ao silêncio da desertificação e do envelhecimento das gentes, mas que vale bem a visita, com o casario típico cuidado, o pelourinho do século XVI e a igreja matriz.

Desta vez, o percurso demora-se noutros recônditos encantos: duas antigas pontes romanas, ambas alteradas durante a Idade Média (com a construção de guardas, entre outras modificações). De um lado da estrada municipal 1160, metros antes do desvio para Assureira, a pequena ponte que recebe o nome desta aldeia. Do outro, escondida atrás do arvoredo (e acessível por um curto caminho), a imponente Ponte Nova ou da Cava da Velha. A cada casal de turistas enamorados que aqui traz, Francisco lança sempre o mesmo desafio: depois de observadas as duas pontes de pedra, cada um terá de escolher qual a que melhor define o amor que os une.

A primeira, bucólica e romântica, com um arco em volta perfeita sobre um plácido riacho, que convida a mergulhar os pés nos meses veraneantes. O desuso a vesti-la com o verde das margens e atrás um velho moinho abandonado a rematar o quadro pitoresco. Ou a segunda, altiva sobre o rio Castro Laboreiro, cujo caudal vai caindo em rápidos no declive rochoso, com “dois arcos laterais em volta perfeita, contrafortes e estrutura central em cavalete invertido” (classificada como monumento nacional em 1986). 

De todas as respostas, Francisco guarda a de um casal norte-americano. Ambos escolheram a segunda. A justificação? “Cada um está representado num dos arcos laterais, porque um apoia o outro para construir algo maior.”

Informações

O que fazer
Este passeio levou-nos por alguns dos segredos do Alto Minho que habitualmente ficam fora dos roteiros turísticos mais típicos da região. O que significa que uma viagem a esta zona raiana do Norte do país só fica completa com a visita complementar aos seus ex-líbris, como os centros históricos de vilas como Monção, Melgaço e Valença, com os seus respectivos castelos e zonas muralhadas; o Palácio da Brejoeira, o Mosteiro de Fiães ou as Termas de Monção; pedalar pela ecopista do rio Minho ou mergulhar na praia do Taboão, entre tantos outros. E, claro, o Parque Nacional da Peneda-Gerês. Não deixe ainda de provar os vinhos de monocasta Alvarinho e, ainda assim, descobrir-lhes diferenças, rematando com uma visita a uma das quintas na Rota do Alvarinho. A gastronomia minhota também não precisa de apresentações, embora destaquemos os pratos de carne de vaca cachena da Peneda, registada como Denominação de Origem Protegida (DOP).
Por último, de recordar que o Alto Minho é terra de muitas festas e romarias, existindo eventos em praticamente qualquer altura do ano. A Festa do Alvarinho e do Fumeiro, em Melgaço, por exemplo, decorre de 22 a 24 de Abril.

Onde comer

Val de Poldros
Restaurante rústico de gastronomia regional serrana.
Branda de Santo António de Vale de Poldros, 
Riba de Mouro – Monção
Tel.: 251 561 401 / 934 894 364

Chafarix
Restaurante de cozinha regional e uma carta de vinhos com mais de 200 referências. Pratos feitos à base de cachena todos os domingos ou sob reserva antecipada. Encerra à segunda-feira.
Praça Amadeu Abílio Lopes – Melgaço
Tel.: 251 403 400 / 936 751 060
Email: chafarixgeral@gmail.com
www.chafarix.com 

Onde ficar

Hotel Minho
Unidade de turismo de quatro estrelas, remodelado recentemente, com 60 quartos, restaurante e spa, entre outras valências. Quartos duplos a partir de 70€ por noite.
Estrada Nacional 13, Vila Meã – Vila Nova de Cerveira 
Tel.: 251 700 245
Email: geral@hotelminho.com
hotelminho.com

Convento dos Capuchos
Hotel rural de quatro estrelas, situado num antigo convento do século XVIII. Tem 24 quartos e um restaurante de cozinha de autor assinada pelo chef Marco Mendes, entre outros pergaminhos. 
Quinta do Convento dos Capuchos, Antiga Estrada de Melgaço – Monção
Tel.: 251 640 090
Email: geral@conventodoscapuchos.com
www.conventodoscapuchos.com


A Fugas viajou a convite da Entidade Regional de Turismo do Porto e Norte de Portugal

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