Fugas - Viagens

  • ©BRECON BEACONS NPA
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  • Sousa Ribeiro
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Verde mais verde não há

Por Sousa Ribeiro

Ocupando uma área que se estende por 1346 km2, o Brecon Beacons National Park, em Gales, devolve o viandante à pureza do ar, ao contacto com a natureza no seu estado mais selvagem, ao encontro de aldeias onde a vida parece nunca ter mudado.

Os motards estacionam as suas máquinas que brilham sob os raios solares e sentam-se, de cerveja na mão, a admirar a paisagem que rodeia Pont ar Daf, na A470. Como um carreiro de formigas, homens e mulheres sobem o trilho que parece conduzir ao céu azul. Pen-y-Fan tem uma sonoridade bela mas é a imponência desta montanha, levantando-se a quase 900 metros acima do nível das águas do mar, que transforma o percurso no mais concorrido de todos entre os muitos que o Brecon Beacons National Park oferece aos seus quase cinco milhões de visitantes por ano.

O pico mais elevado na área abrangida pelo parque é muito popular entre os ingleses (a fronteira com Gales está a curta distância) mas não só: todos os anos, aquela que já é conhecida como a Motorway é pisada por cerca de 120 mil pessoas, números que aumentam substancialmente se contabilizarmos todos os outros que carecem de passeios mais silenciosos, optando por distâncias mais longas e com melhores panorâmicas, desde o lado norte de Pen-y-Fan ou partindo de Brecon.

- O Brecon Beacons é bonito em qualquer altura do ano: na Primavera enche-se de narcisos e de jacintos, os bosques cobrem-se de uma tonalidade rosada. No Verão, com as noites mais longas, é agradável passear ao longo dos canais, das colinas, espreitar as cascatas, apreciando o ar puro e terminando sentado ao ar livre num pub local. Por alguma razão, uma percentagem significativa de visitantes já esteve mais do que uma vez no parque.

Joanna Maurice, responsável para as comunicações no Brecon Beacons, fala com entusiasmo de um lugar que a encanta nas diferentes estações do ano e que produz receitas anuais para a economia local na ordem dos 133 milhões de libras.

- No Outono, o parque muda de cor, transforma-se num mar de laranja, de amarelo, de um castanho-avermelhado; é também o tempo dos festivais gastronómicos de Brecon e Abergavenny; no Inverno, a neve cobre o topo das colinas e por vezes veste de branco também os vales, enquanto as pequenas vilas recebem os seus atractivos mercados de Natal, com produtos e comida local.

Correndo ao longo de 45 milhas, desde Llandeilo, a ocidente, até à fronteira inglesa, o Brecon Beacons (Parc Cenedlaethol Bannau Brycheiniog em galês) proporciona alguns dos melhores cenários paisagísticos na zona central do país. Com quatro regiões distintas (correspondendo às quatro cadeias montanhosas e ocupando quase 1350 km2, equivalente ao tamanho do sistema de metro de Londres), todas elas servidas por estradas em bom estado de conservação, o parque permite o encontro com a solitária Black Mountain, para oeste, com as suas lagoas e os seus lagos glaciares aos pés da escarpa de Fan Brycheiniog (mais de 800 metros de altura), e com as Black Mountains (não confundir), protegendo vales verdejantes e imersos numa quietude que parece eterna. 

E há Fforest Fawr, situada entre as estradas A4067 e A470, escutando o rugido das fortes correntes dos rios, do marulho constante produzido pelas cascatas que se precipitam para o abismo, desde o Tawe e o Neath, numa zona que os normandos gostavam de percorrer, dedicando-se à caça, e que a UNESCO reconhece, desde há algum tempo a esta parte, como um geoparque. 

Por este território, tão impregnado de paz, encontram-se também alguns dos mais extensos e complexos sistemas de grutas em todo o Reino Unido (quatro dos cinco mais compridos em todo o Reino Unido estão localizados no Brecon Beacons), algumas delas acessíveis (mesmo para crianças) sem ter de recorrer a um guia especializado — visita imperdível sob o solo, no National Showcaves Centre for Wales (o bilhete dá acesso a um museu, uma quinta da Idade do Bronze restaurada e a um parque temático pré-histórico, entre outros,), é a designada Cathedral Cave, dois quilómetros e meio que, mais cedo ou mais tarde, percorrendo espaços abobadados, deixam contemplar um lago alimentado por duas cascatas cujas águas tombam pelo meio de aberturas na rocha. Não muito longe está a Bone Cave, onde foram descobertos 42 esqueletos da Idade do Bronze, ou de Dan-yr-Ogof, com as suas interessantes formações calcárias.

- Dia e noite, o Brecon Beacons, com vestígios da Idade do Bronze, da Idade do Ferro e com ruínas romanas, permanece encantador: no Verão, é a melhor altura para admirar, silente, a Via Láctea; no Inverno, para observar o espectáculo único das constelações, coincindindo com um período forte — pelo menos em Dezembro, Fevereiro e Março —, com múltiplas acividades.

Joanna Maurice vive o parque, com as suas memórias, a sua experiência que contagia. Não faltam lugares para observar os céus, como o Reservoir, em Usk, plano, ideal para um piquenique em família, para montar um telescópio, com acessos fáceis, ou o Llanthony Priory, com as suas ruínas fantasmagóricas, quase na fronteira entre Gales e a Inglaterra, ou, finalmente, entre outros, o Hay Bluff, na estrada que transpõe o Gospel Pass, entre Llanthony e Hay-on-Wye, com admiráveis panorâmicas sobre o vale de Hay e os condados de Powys e Shropshire, muito mais para lá, para noroeste.

É em Hay Bluff que me cruzo com Hettie Tessa Daly, uma jovem estudante de 20 anos natural de Clyro, próximo de Hay-on-Wye.

- Esta é a minha zona preferida do Brecon Beacons. Gosto de contemplar, do alto da colina, a vila de Hay-on-Wye e, partindo daqui, seguir por estradas estreitas até Capel-y-Ffin e Abergavenny. Desde criança que me sinto atraída por Hay Bluff, pela sua beleza e tranquilidade, e aqui passo muito do meu tempo livre, caminhando com os meus cães, montando a cavalo ou escalando. E, mais próximo do lugar onde vivo, seduz-me uma parte das Black Mountains chamada Begwyns, na direcção da pacata aldeia de Painscastle. É um cenário maravilhoso, ideal para caminhadas por trilhos cheios de erva e que foram atravessados ao longo dos séculos.

Deixo Hettie Tessa Daly entregue ao seu silêncio e rumo a Ystradfellte, até uma área onde as quedas de água, dissimuladas entre mais de uma centena de trilhos, não deixam ninguém indiferente e atraem uma grande fatia dos turistas — são lugares românticos e aí pode residir a explicação para o facto de serem mais visitadas por casais.

País das cascatas

O Vale de Neath tem tantas cascatas que rapidamente ficou celebrizado como o waterfall country. A mais alta de todas, caindo de uma altura de 27 metros, é a Sgwd Henrhyd, no rio Nant Llech, a nordeste de Glyn-Neath, onde se chega através de um trilho situado nas proximidades de Coelbren. Por aqui e por ali, as ovelhas e os póneis (o pónei galês da montanha, muito resistente, é considerado o cavalo puro-sangue de Gales e não há muito tempo um homem tentou entrar com um num comboio no Norte do país) quebram o verde da paisagem, com o seu mosaico de cores e de flores fustigadas pelo vento.

O Brecon Beacons, com a sua paisagem cultural, influenciada pela natureza mas também pela mão do homem no cultivo secular das terras agrícolas, é um espaço com uma biodiversidade admirável, com uma variedade de habitats que resultam na presença de milhares de espécies de fauna e flora, incluindo árvores e plantas que não se encontram em outro lugar do mundo.

A caminho de Cardiff, faço uma pausa e passeio com Charlotte Baston pelos jardins coloridos do Cyfarthfa Castle, na Brecon Road, em Merthyr Tidfil, nos limites do Brecon Beacons. Uma parte significativa do rés-do-chão está agora ocupada por uma galeria e um museu (entrada gratuita) que traça o crescimento de Merthyr Tidfil à custa da produção de ferro e mostra locomotivas com histórias e os passos de movimentos políticos trabalhistas, de levantamentos a martírios, até à chegada ao poder de Keir Hardie, o escocês (1856-1915) que se tornou no primeiro membro do Parlamento em representação dos Labour.

A mansão, construída como uma fortaleza ou um castelo (por isso é conhecida como The Pretend), em 1824, pelo homem-forte do negócio de ferro, William Crawshay, encerra uma história que obriga Charlotte Baston a fitar o chão que pisa, como quem sente vergonha.

- Passear por este parque faz com que evoque muitas emoções. A estética da estrutura impressiona, os meus cães gostam de conhecer outros cães, as pessoas detêm-se para um curto diálogo, escuta-se o cântico dos pássaros, a atmosfera é bela e serena. Depois ponho-me a pensar, sempre que ando por aqui, sentindo-me desconfortável, nas minhas lições de história nas cadeiras da escola: o homem que mandou construir este castelo era um tirano prepotente, que se considerava o rei do castelo enquanto olhava, do cimo da colina, as centenas de trabalhadores que empregava, para ter a certeza de que eles lhe pertenciam. Este negócio foi feito à custa de sangue, suor, lágrimas e por vezes de vidas, ao passo que o tirano e a sua família conheciam uma existência de luxo.

O azul é a cor dominante nos céus, os jardins estão bem tratados, o verde corre até ao horizonte distante. Charlotte Baston prossegue após uma pausa para libertar o cão da trela:

- Nesta casa os ponteiros dos relógios andavam mais devagar, ele conseguiu, através de um processo desonesto, que os empregados trabalhassem mais horas. Pagava-lhes com fichas que apenas podiam ser gastas nas suas lojas caríssimas — muitos deles passavam fome. Sinto um conflito interno e interrogo-me: toda esta beleza à custa de tanta miséria? Uma idiotice, como muitas no país. Mas aqui e um pouco por todo o Brecon Beacons, com a sua forte herança rural e industrial, o cenário é magnificente, a paisagem e o silêncio libertam-nos de pensamentos. 

A música enche o interior do carro. “A lonely girl/From the Brecon Beacons”.

Brecon, oito mil habitantes

Não é por mero acaso que, entre todas as vilas englobadas no Brecon Beacons, Brecon conquista (77%), de acordo com um estudo recente da equipa de marketing do parque, o topo das preferências dos visitantes, superando Abergavenny (52%), famosa por acolher o Skirrid Mountain Inn, o pub mais antigo de Gales, há mais de 900 anos a servir cerveja, Crickhowell (50) e Hay-on-Wye (41%) — se bem que nesta última não está contabilizado o meio milhão de participantes no festival literário anual que enche as ruas da primeira booktown a ser criada no mundo, em 1961, seguindo um conceito de Richard Booth, de comercializar livros usados em antiquários.

Situada na confluência dos rios Usk (não deixe de visitar a pitoresca aldeia de Talybont-on-Usk, a escassos dez quilómetros da vila) e do Honddu, Brecon prosperou durante séculos como centro de produção de lã e de tecelagem. Nos dias de hoje, a vila, com uma população que não chega aos oito mil habitantes (suficiente para se tornar na mais populosa no parque que acolhe, no total, 33 mil residentes), é a base perfeita para errâncias pelo Brecon Beacons e pelas paisagens rurais que a envolvem com a sua serenidade — e palco de um conceituado festival de jazz em Agosto.

A mesma quietude se sente, na maior parte das vezes, nas suas ruas cujas janelas se abriram, no dia em que a visitei, para assistir à passagem da procissão que celebrava a Páscoa, e quase sempre ao longo das margens dos rios num cenário pintado de ciclistas, de caminhantes e de pescadores solitários. Brecon é, da mesma forma, o terminal mais a norte do Monmouthshire & Brecon Canal, construído entre 1799 e 1812 e pelo qual passavam barcos carregados com carvão, minério de ferro, calcário (70%  do total do país encontra-se dentro dos limites do parque) e produtos agrícolas. No presente, algumas embarcações ainda percorrem as 33 milhas que separam Pontypool de Brecon mas agora muito mais leves e limpas, transportando turistas ou moradores.

Como que vigiando o curso da águas do Honddu, no topo de uma colina, projectando-se contra o céu azul, a catedral, fundada no distante ano de 1093 como parte de um mosteiro beneditino. O lugar tem algo de mágico, como ponto de observação sobre o verde que se estende a perder de vista e pela sua bonita igreja — mas pouco resta da antiga estrutura normanda, à excepção da fonte esculpida e uma parte da nave.

Mais para lá, as montanhas com contornos definidos do Brecon Beacons.

Guia prático

Como ir

A opção mais cómoda e mais barata passa por voar com a easyJet entre Lisboa e Bristol e, desde a cidade inglesa, de autocarro até Cardiff, um percurso de cerca de uma hora que pode ser feito recorrendo aos serviços da Megabus e por apenas quatro libras por trajecto. Da capital galesa há transportes frequentes até Brecon mas tem como alternativa uma viagem de autocarro desde o aeroporto de Bristol até Hereford e, finalmente, daqui até Hay-on-Wye, onde pode começar a visita ao Brecon Beacons.

De Bristol a Hereford são aproximadamente 70 quilómetros e há serviços regulares de autocarro desde o aeroporto com paragens no terminal de Bristol e em Gloucester, um percurso que se cumpre em pouco menos de quatro horas e com um preço (ida e volta) de cerca de 45 euros.

De Hereford, junto à estação ferroviária, partem sete autocarros (n.º 39 mas aos domingos, quando os serviços são reduzidos a três, deve procurar o 39A) por dia (o primeiro às 8h35 e o último às 17h45) que chegam a Hay uma hora depois. Como facilmente se percebe, a utilização de transportes públicos requer tempo e paciência, pelo que o ideal mesmo é alugar um carro. Em alternativa, pode consultar preços da Vueling, que viaja sazonalmente entre Lisboa e Barcelona e desde esta até Cardiff. Da capital do País de Gales a Hereford, de comboio, é pouco mais de uma hora de viagem (cerca de 25 euros para um bilhete de ida).

Quando ir

Em teoria, o melhor período para visitar o Brecon Beacons National Park é entre Abril e meados de Outubro. Julho é, por norma, o mês mais seco e com melhores temperaturas (a média ronda os 21 graus), Dezembro o que recebe maior precipitação e Janeiro e Fevereiro os mais frios, com os termómetros registando não raras vezes valores negativos. A região beneficia de um clima temperado, um pouco como sucede em todo o país, mas as chuvas são frequentes, mesmo nos meses de Verão. É importante não esquecer que se trata de uma zona montanhosa, onde as condições climatéricas podem variar drasticamente, pelo que se aconselha que leve roupas que lhe permitam enfrentar todos os humores do clima e programar da melhor forma as suas actividades.

Onde comer

Em Hay-on-Wye, é uma tentação a tríade local, orgânico e sustentável (pratos entre os 15 e os 25 euros) proporcionada pelo Three Tuns (encerra às segundas e às terças), na Broad Street, num edifício do século XVI renovado e ampliado após um incêndio que o destruiu parcialmente. Em Brecon, o Bridge Cafe, na Bridge Street, com três quartos para alugar no primeiro andar, produz comida saborosa e a preços razoáveis e em Felinfach não deixe de provar a gastronomia do Felin Fach Griffin e de olhar a extensa lista de vinhos.

Onde dormir

São múltiplas as opções de alojamento na área ocupada pelo Brecon Beacons National Park. Em Abergavenny, por exemplo, pode instalar-se comodamente no Kings Arms Hotel, na 29 Nevill Street, com preços que variam entre as 65 libras (para um single) e as 125 (quarto para quatro), bem como duplos por 85 e triplos por 100 libras — o hotel dispõe também de restaurante e de outras facilidades. Para uma experiência inolvidável, nada melhor do que rumar a Brecon, até ao The Castle of Brecon Hotel, na Castle Square, tendo como vizinhos bonitos jardins, as ruínas do castelo normando do século XI de Brecon, a cascata do rio Honddu e, recortando os céus, as montanhas de Brecon Beacons (sem ignorar os produtos sempre frescos utilizados pelo chef Derrick John Parsons no restaurante adjacente que é um misto da cozinha moderna e tradicional). Os preços no Brecon Castle Hotel vão de 87 libras (standard) a 157 (adequado para famílias), com a possibilidade de alugar também uma cottage (127 libras) ou habitações com vista para Brecon Beacons (com tarifas de 107 e 137 libras, standard ou superior, respectivamente). Se preferir instalar-se em Hay-on-Wye, um dos melhores lugares, situado nos arredores da vila, numa atmosfera serena e com vista para o rio Wye, é o Start (www.the-start.net), na Bridge Street, ocupando uma casa do século XVIII totalmente renovada e com quartos duplos por cerca de 90 euros, incluindo pequeno-almoço. Para os adeptos de campismo, também não faltam alternativas, como o Pyscodlyn Caravan & Camping Park, a escassos três quilómetros de Abergavenny, ou o Cantref Bunkhouse Acommodation & Camping, a curta distância de Brecon, ou o sereno e silencioso Priory Mill Farm Camping, a não mais do que dez minutos a pé da mesma vila, na Hay Road, com tarifas diárias de oito libras para um adulto e cinco para crianças até aos 11 anos (os cães também pagam, duas libras por noite).

Informações

Os cidadãos portugueses apenas necessitam de um documento de identificação (passaporte, bilhete de identidade ou cartão de cidadão) para visitar Gales. A moeda é a libra esterlina, que equivale a 1,31 euros. Entre outros, espalhados pelo Reino Unido, Portugal tem consulados em Londres, na 3, Portland Place (próximo da estação de metro de Oxford Circus e contactável através do telefone 00442072913799) e em Manchester, na 1, Portland Street (00441612360990).

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