É Inverno em Porto de Galinhas e este é o cenário: estão 29ºC de dia, 25ºC de noite, roça os 20ºC dentro de água. A humidade cola no corpo e a brisa dança os cabelos mal pomos o pé na rua, os mosquitos coçam-nos as pernas se falha o repelente ao cair a noite. Só muito de vez em quando é que o azul sai do céu para dar lugar a brancos e cinzentos; desaba um chuveiro passageiro. E então lembramo-nos de que é Inverno em Porto de Galinhas.
Começamos pela meteorologia e sua relativa estabilidade ao longo de todo o ano (fossem feitos deste Inverno muitos dos nossos dias de Verão) porque ela é factor fundamental para aquilo que aqui nos traz; para aquilo que aqui traz tantos visitantes (Porto de Galinhas recebeu cerca de um milhão de visitantes em 2015 e é um dos principais destinos turísticos do estado de Pernambuco, juntamente com a capital, Recife); para aquilo que, afinal, aqui trouxe em tempos tantos portugueses, quando era parada obrigatória no mapa de férias no Brasil, um dos destinos preferidos nas viagens de finalistas.
Sol. Praia. Mar. Sol-Praia-Mar. E, para quebrar a rotina, actividades com mais sol, mais praia, mais mar. E uma parede de coqueiros por entre os resorts com o “pé na areia” (ou uma parede de resorts por entre o coqueiral, dada a quantidade de unidades hoteleiras que foram surgindo nos últimos anos à beira-praia). E, sobretudo, um recife que se rendilha junto à orla para criar piscinas naturais de água lisa, morna e cristalina; ora deixando os turistas num caldo que não ultrapassa a cintura por mais que se afaste mar-adentro, ora desaparecendo para deixar entrar as ondas que os amantes do surf e demais desportos aquáticos tanto apreciam.
A pequena vila de Porto de Galinhas fica sensivelmente a meio da linha de costa do município de Ipojuca e a praia que lhe recebe o nome é apenas uma (porventura a mais bela e concorrida) entre mais de 30 quilómetros de areal quase ininterrupto. Uma linha de compridas praias, que raramente se chegam realmente a separar, servindo cada dobra na geografia para as delimitar e nomear. À excepção dos estuários dos rios Ipojuca e Maracaípe, com maré baixa e boas pernas seria possível caminhar à beira-mar de uma ponta à outra.
Portanto, sol, praia e mar em doses de paraíso tropical. E pode ser só isto uma estadia em Porto de Galinhas. Pode ser só isto até se continuássemos a subir ou descer a costa de Pernambuco ou todo o contorno atlântico do Nordeste. Um “só” que é muitas vezes tudo o que queremos nas férias. Se não for o caso, ou preferir conjugar o descanso com actividades (e descoberta de mais paisagens naturais), Porto de Galinhas também não o deixará ficar mal.
De buggy para as jangadas
O corpo sacode no banco traseiro do buggy enquanto fazemos tangentes aos buracos na estrada de terra batida. Seguimos em direcção ao “início” do passeio, num percurso que se chama “ponta a ponta”: numa manhã (ou tarde) vamos de um extremo ao outro da zona de Porto de Galinhas, percorrendo os principais ex-libris – ideal para um reconhecimento de campo.
Começamos na Praia de Muro Alto, primeiro areal na linha de sucessão Norte-Sul, onde literalmente um muro de recifes negros cria uma barreira paralela à costa. Do lado de lá, o mar azul-escuro, as ondas, os possíveis tubarões. Do lado de cá, um largo corredor de água azul turquesa, alguns peixes e ouriços.
Aninhada sob uma duna de frondosa peruca de arbustos e altos coqueiros, uma banca de “hotdog” vai ganhando ferrugem, faz de cama aos bancos de plástico presos por uma corrente. Sem dono à vista, talvez espere pelo fim-de-semana, pelas enchentes da época alta. Assim como as dezenas de mesas e cadeiras que olham vazias o horizonte de rocha debaixo dos largos chapéus-de-sol. Avistam-se vendedores de passeios de jangada, de caiaque, de stand-up paddle, de chapéus, mas só três ou quatro turistas.
Mais tarde, numa das lojas da vila, Maria Eduarda há-de contar-nos que apesar da crise política e económica que se vive no Brasil, Porto de Galinhas “ainda vai mexendo por causa do turismo”. Mas pouco. “Agora é época baixa [mas] este ano está muito baixo mesmo. No ano passado já estava, mas este ano ninguém compra. [É] de ter três dias sem vender, de entrarem duas pessoas por dia”, descreve a funcionária de uma loja de roupa de produção local.
A feira de turismo Destination Brazil Travel Mart – que se estreou em Porto de Galinhas (substituindo a antiga BNTM) e motivou a viagem da Fugas – teve como principal objectivo estimular a retoma do turismo na região. “Com a valorização do dólar, o Nordeste começou a ser competitivo em relação a outros destinos das Caraíbas”, afirmava então Nelson Pelegrino, secretário de Turismo da Bahia e presidente da organização do certame, não sendo indiferente ao vantajoso aproximar dos Jogos Olímpicos.
Mas voltemos à praia. Depois do inevitável mergulho, regressamos ao “bugue” (como por aqui lhe chamam) e continuamos caminho até ao recife dos postais. Primeiro por dentro da “única reserva de mata atlântica de Porto de Galinhas”, depois pela rodovia que recentemente tirou o trânsito maior da faixa hoteleira. “Normalmente vamos mais por dentro, junto à praia, mas hoje vamos com pressa”, desculpa-se José Eduardo da Silva quando o buggy que lidera a caravana vira à direita e toma a estrada principal.
A maré está a subir e em breve os recifes mais famosos da região ficarão submersos. Não há tempo a perder se queremos ver as pequenas piscinas que ali se formam, os desenhos que se esculpem entre o conjunto rochoso (o mais afamado é um “mapa do Brasil”) e as centenas de peixes que nadam energéticos nesta espécie de aquário natural.
Recife de peixes e corais
Na praia de Porto de Galinhas, o mar junto ao acesso principal mal se vê entre o emaranhado de jangadas de vela triangular colorida, a maioria com anúncios publicitários estampados. São 86 embarcações típicas do nordeste brasileiro para um percurso que não dura cinco minutos entre a areia e o recife; seis turistas por jangada.
Mas vale a pena, nem que seja para experienciar aquele bailado coreografado com mestria: cada jangadeiro numa dança de braços com o remo na popa; dezenas de jangadas que deslizam graciosas para cá e para lá, ora muito íntimas, ora distantes, num ritmo coordenado.
Uma vez chegados ao manto de “arrecife” acastanhado e semi-alagado, batalhões de turistas vão-se acotovelando pelo percurso demarcado. O corredor é substituído regularmente para proteger o recife, depois de anos de negligência e degradação, deixando grande parte interdita aos turistas. Ainda se vêem jangadeiros a dissimular garrafas de plástico cheias de ração para atrair peixes para gáudio dos turistas, mas a alimentação está proibida e, na verdade, basta mergulhar a ponta do dedo na água para vê-los aproximarem-se a alta velocidade.
“Dão ração animal [para gado] porque é mais barata e aqui não há à venda a outra para peixe, mas faz-lhes muito mal. Ficam gordos e cheios de óleo, já vi e dá pena”, contar-nos-á Elias, dias depois, enquanto pesca peixe-agulha na orla da praia do Pontal do Cupe. “Eles proibiram de fazer isso ali no recife e de pescar também mas aqui, olhe, é só eles agitarem a garrafa no ar e vêm logo, já conhecem”, aponta o pescador para uns rapazes à beira-mar que tentam convencer um turista a comprar mais um pouco de ração.
De volta à jangada, o passeio termina com o mergulho numa piscina natural. “Querem a mais funda ou a mais pequena?”, pergunta Reinaldo. Vence o lago profundo: chama-se “piscina da sogra” (“se tem problemas com a sogra e ela não sabe nadar...”, ri-se o jovem jangadeiro) e inclui nadar entre um coral “de fogo” – um vermelho-vivo em contraste com peixes, algas e o azul-verde transparente do mar.
Pelos manguezais
Molhados de mar e de chuva, regressamos ao buggy de Eduardo. Espera-nos mais um passeio de jangada, agora pelo manguezal. A estrada de areia sobre a praia de Maracaípe continuava por ali fora até ao nosso destino, “mas o mar subiu e já não dá”, conta o bugueiro, face a novo desvio. Em tempos, todo o percurso era feito à beira-mar, mas a circulação pelo areal foi entretanto proibida (entre as razões, a desova das tartarugas, que ali decorre entre Outubro e Junho).
Eduardo é motorista de buggy há 13 anos, desde que saiu da Usina Trapiche, no vizinho município de Sirinhaém. “Trabalhava na cana do açúcar”, conta. Durante 23 anos, fez de tudo um pouco no antigo engenho, até ser dispensado. Com a indemnização comprou o buggy. “É a melhor coisa que encontrei até agora. É diferente”, justifica. O filho mais velho, 21 anos, também já opera no ramo, mas Eduardo queixa-se da falta de trabalho. Existem 306 veículos credenciados, de matrícula vermelha (indicação de que estão afectos a uma actividade remunerada), mas “os piratas estão roubando trabalho”. “Uns 50” buggies fazem os mesmos percursos turísticos ou serviços de táxi sem pagar quotas de associação ou impostos.
No Pontal do Maracaípe, as jangadas trocam as velas por chapéus-de-sol, deslizamos pelo estuário do rio como gôndolas em Veneza. À nossa volta, densos manguezais cobrem as margens com as raízes a emergir na maré baixa, aqui e ali uma língua de areia, alguns coqueirais a despontar no céu azul, um silêncio quente, entorpecedor. Por vezes é possível avistar pequenos camarões, caranguejos aratus ou os famosos siris (de carapaça mole e ingrediente principal de vários pratos regionais). Mas o chamariz principal são os cavalos-marinhos, que cedo nos mostrarão num boião vindo do leito do rio. Macho e fêmea, um castanho, outro laranja, numa dança de fotografia em fotografia no aquário improvisado.
Animais marinhos, vêm para o estuário do rio Maracaípe reproduzir-se, protegidos no novelo de raízes do mangue. “Quando chegam, vêm com a cor original – amarelo, laranja, vermelho –, depois mudam para se camuflarem e ficam castanho escuro, a cor da água aqui”, explica o jangadeiro José António “Preto”, enquanto aponta para a diferença de tonalidades a nadar no boião. “Ficam cá o ano todo, mas quando chove muito vão para o mar à procura de água salgada”, conta. A chuva que caiu há pouco revolveu o fundo e toldou a água, adocicou-a, antecipa em jeito de desculpa. “Mas quando está maré baixa e a água fica clarinha, dá para vê-los da jangada junto às raízes do mangue.”
O paraíso do sossego
Se em Porto de Galinhas há uma pequena mas animada vila, com um centro repleto de lojinhas, bares e restaurantes com esplanada (entenda-se quatro ou cinco ruas), na Praia dos Carneiros – 50 quilómetros a Sul e já no município de Tamandaré – ficamo-nos pela praia a perder de vista, o mar calmo protegido por nova barreira de recife, os pequenos resorts e vilas (melhor) enquadrados na mata de coqueiros que bordeja o areal. E um sossego. Um sossego sem fim.
O caminho até lá faz-se por entre povoações de habitações precárias e descarnadas e plantações, muitas plantações, de cana-de-açúcar. “Antes esta região do Nordeste era uma área de grande produção de cana-de-açúcar trazida pelos portugueses. Ainda é possível visitar engenhos e fazendas desse tempo”, recorda a guia turística Erani Rocha.
O areal está praticamente deserto e, asseguram-nos, mesmo durante a época alta serão poucos os turistas e veraneantes que se avistam por aqui. Até porque a grande maioria dos acessos à praia são propriedade privada dos empreendimentos e restaurantes ali construídos (o que pode resultar em taxas para quem queira apenas aceder ao areal, não sendo um problema para quem aqui chega num dos passeios turísticos de autocarro ou de barco a partir de Porto de Galinhas).
Estamos, portanto, novamente entregues à tríade sol-praia-mar. Água de coco na mão, corpo entre o bronzeado balançado na rede e o mergulho na água morna, apenas interrompido para um passeio de catamarã pelas redondezas. Primeira paragem junto ao recife, onde encontramos uma inusitada esplanada dentro de água. Não faltam os chapéus-de-sol, as geleiras e latas de cerveja, mas cedo os turistas recolhem aos barcos. O agitar do mar com a subida da maré começa a dificultar o banquete.
Seguimos para a praia de Guadalupe para um banho de argila. O magro areal nem se avista entre a parafernália de bancas a vender sabonetes e cremes (há cura para quase todos os males e ainda se “rejuvenesce dez anos”), água de coco, batidos e sumos de fruta, cerveja, refrigerantes, espetinhos de carne, de camarão, de queijo coalho. Ficamo-nos pela pele coberta de barro acinzentado (afinal, quem não quer parecer mais novo ou pelo menos sentir o corpo suave por momentos?) e continuamos o passeio pelo manguezal no estuário dos rios Arinkindá e Formoso até regressarmos pela orla da Praia dos Carneiros para vermos de perto um dos seus ex-libris. A capela de São Benedito, fachada branca bordada a verde esmeralda, com escadaria que termina no mar.
Construída no século XIX, a pequena igreja colonial destaca-se entre o cenário de coqueiros e é palco cobiçado para casamentos. “Às vezes, a noiva chega de barco. É muito bonito”, conta Irani. Em 2015, foi protagonista de um casamento na novela “Verdades Secretas” e saltou (ainda mais) para a ribalta no Brasil. Actualmente, realizar ali a cerimónia religiosa, contam-nos, custa à volta de 12 mil reais (três mil euros).
Porto de Galinhas e toda a costa de Pernambuco podem já não ser o destino barato de outrora – “chegava a pedir lagosta ao pequeno-almoço”, confidenciam-nos – mas continua a ser um paradisíaco dolce far niente tropical.
GUIA PRÁTICO
Como ir
A TAP voa entre Lisboa e Recife todos os dias da semana, à excepção de terça-feira. O voo dura cerca de oito horas e chega à capital Pernambucana às 20h50 (menos quatro horas em Portugal); no regresso, aterra em Lisboa às 11h30. No site da companhia aérea portuguesa encontrámos viagens de ida e volta a 1042€ para meados de Julho. Porto de Galinhas fica a cerca de 50 quilómetros de distância (menos de uma hora de carro).
Onde ficar
Zona turística por excelência, o que não falta em Porto de Galinhas são resorts, hotéis e pequenas pousadas.
A Fugas ficou alojada no Pontal do Ocaporã (Sítio Costa Tropicana, lote 1-b2; Tel.: +55 81 3552 5000; www.ocapora.com.br).
O Kembali (design contemporâneo; kembalihotel.com);
o Nannai (apartamentos e bangalôs luxuosos; www.nannai.com.br) ou o Armação (mais perto da vila; www.hotelarmacao.com.br/) são outras opções.
Na Praia dos Carneiros, a Pousada Praia dos Carneiros (pousadapraiadoscarneiros.com.br) ou os vizinhos Bangalôs do Gameleiro (www.praiadoscarneiros.com.br).
Onde comer
O Beijupirá é o nome mais famoso da região e merece tal predicado. O primeiro restaurante da cadeia abriu em Porto de Galinhas em 1991 (veio depois um em Olinda e outro na Praia dos Carneiros; (www.beijupira.com.br).
Em Maracaípe, João Restaurante tem peixe fresco e outras iguarias num restaurante com esplanada (e piscina) sobre a praia; é de provar o doce tradicional cartola, feito com banana e queijo coalho (www.facebook.com/joaorestauranteportodegalinhas).
A Fugas viajou a convite da TAP Portugal e da Destination Brazil Travel Mart