A muitos milhares de pés, do avião, conseguimos ver os Alpes Suíços com os cumes esbranquiçados. A neve está já a derreter-se e, depois de aterrarmos na Suíça, são poucos os sinais do Inverno frio – as temperaturas prevêem-se altas e serão até possíveis mergulhos (corajosos) nos lagos azuis profundos.
Estamos no país do chocolate, dos queijos, das montanhas, da tecnologia de ponta, dos relógios, para uma “experiência de lifestyle” organizada pela Lexus, uma marcapremium de automóveis – mas não é (só) para testarmos as capacidades dos 15 carros híbridos que transportam os jornalistas de um ponto para o outro. Durante dois dias, entre rectas planas e campos verdejantes, curvas e contra-curvas, nunca muito apertadas, conhecemos a hospitalidade e capacidade de artífice suíça em hotéis, centros de inovação ou numa fábrica de alta-relojaria.
Azul e verde.
O azul e o verde são, definitivamente, as cores predominantes da Suíça, considerado o segundo país mais feliz do mundo em 2015 com base num relatório das Nações Unidas (que toma em conta o sentimento de bem-estar das populações nacionais através de indicadores como o PIB per capita, a liberdade para tomar opções de vida ou a percepção de corrupção). É este o primeiro impacto - pode até ser um cliché, bem sabemos - e o que mais nos marcou ao longo da nossa curta viagem, que começou em Lausanne.
Na parte francófona do país, Lausanne é a sede do Comité Olímpico Internacional (aquando da nossa visita, a cidade estava já cheia de pequenos lembretes, em forma de cartazes ou panfletos, devido à proximidade dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, que começam a 5 de Agosto). Respira-se, portanto, desporto. Ainda mais em dias de sol: nas margens do lago Léman (ou lago Genebra), há pessoas a fazer jogging, a andar de bicicleta e grupos de jovens a andar de gaivota a pedais no lago (é uma das possibilidades também para turistas: meia hora numa pequena embarcação destas para duas pessoas custa 14 francos suíços, o equivalente a 12,80 euros). Os grupos de miúdos e graúdos multiplicam-se nos jardins, em piqueniques com amena cavaqueira e música alta.
O novo viajante de luxo
Dias antes choveu incessantemente portanto o bom tempo é bem-vindo, comenta Bogdan, do hotel Royal Savoy Lausanne, sugerindo-nos, logo à chegada, um mergulho na piscina do hotel para refrescar. Numa breve visita guiada pelo edifício, chama a atenção para a esplanada com ecrã gigante (na altura para os jogos do Europeu mas manter-se-á para os Jogos Olímpicos) e alguns pormenores do edifício: “este tipo de janelas [com pequenos vitrais em redor] e as escadas estão classificadas como artefactos históricos”, diz-nos.
O hotel Royal Savoy foi construído em 1909 e recebeu inúmeros membros da nobreza, da aristocracia ou celebridades – foi o refúgio da família real espanhola e do rei Bhumibol da Tailândia durante a II Guerra Mundial; acolheu Joe Cocker ou Phil Collins nos anos 1990. Em 2005 fechou para cinco anos de remodelações que custaram 90 milhões de euros, segundo a revista Forbes.
A fachada histórica mantém-se, para lá dos portões de ferro (classificados como artefacto histórico de categoria um pela cidade de Lausanne), e a decoração ficou a cargo da designer de interiores Maria Vafiadis, responsável pelas remodelações de outros hotéis europeus históricos. Da renovação resultou um novo edifício com 100 novos quartos (perfazendo um total de 196, uns com vista para o lago e outros para a cidade), um terraço no topo com vista panorâmica (Sky Terrace) e um spa (aberto desde em Maio) com oito salas de tratamentos, piscinas exterior e interior, jacuzzi, sauna e ginásio.
“O novo viajante de luxo procura algo completamente diferente daquilo que a geração anterior procurava. Dantes, o classicismo e a formalidade, em termos de relação com os funcionários do hotel, eram privilegiados. Acredito que isto está a mudar. As pessoas chegam aqui à procura de uma experiência, de uma emoção”, refere Alain Kropf, gerente responsável do hotel.
Kropf, de 49 anos, nasceu, cresceu, formou-se e começou a trabalhar em Lausanne. Um dia achou que precisava de “viajar pelo mundo” para conhecer outras culturas. Esteve em Omã, Hong Kong, Indonésia… “e muitos outros países”. “Quando tive oportunidade, 16 anos depois do início desta viagem pelo mundo, voltei a Lausanne, a este hotel. E quis tentar trazer o sentido de hospitalidade asiático”, explica, lamentando que na Suíça, tal como em muitos outros países europeus, se tenha perdido o “verdadeiro significado” de estar ao serviço de alguém. “Estar ao serviço de alguém é algo muito nobre. Costumamos pensar que estar ao serviço de outra pessoa é um acto inferior. Mas não, é algo muito importante, servir a família ou os amigos de alguém”, atesta.
O português José Moura, a trabalhar noutro hotel de cinco estrelas na Suíça há dois anos, reforçaria esta ideia um dia depois, realçando as diferenças entre a hotelaria em Portugal e na Suíça e referindo que neste último país, a grande aposta é mesmo no turismo de luxo com experiências (e tratamento) de luxo mas com formalidade q.b.
Chaplin escolheu a Suíça
Não mergulhámos nem no lago nem nas piscinas do hotel. Seguimos por entre colinas verdes íngremes com pequenas casas a espreitar aqui e ali, sem nunca perder de vista o lago, de Lausanne até à vila de Corsier-sur-Vevey, em Vevey, onde Charlie Chaplin viveu os últimos 25 anos da sua vida.
O actor e cineasta foi proibido de entrar nos Estados Unidos quando regressava da antestreia do seu filme Luzes da Ribalta (1952) em Londres. Decidiu, então, mudar-se com a mulher, Oona, e os filhos, para a propriedade Manoir de Ban. Escolheu-a pela tranquilidade – tem 14 hectares, com um jardim e vista para os Alpes, está suficientemente longe da estrada e suficientemente perto do lago. Chaplin dizia, e lê-se nas paredes desta casa numa citação retirada da sua autobiografia, que era do largo alpendre, com vista para o lago e para as “montanhas reconfortantes” que podia “pensar em nada e apenas aproveitar a sua magnífica serenidade”.
39 anos após a sua morte (na manhã de Natal de 1977), a mansão pintada de verde-água é agora um museu. O museógrafo Yves Durand e o arquitecto suíço Philippe Meylan demoraram 15 anos a conceber o museu Chaplin’s World – The Modern Times Museum (Mundo de Chaplin – O Museu dos Tempos Modernos). É o primeiro museu do mundo dedicado em exclusivo a Chaplin. “É um museu em movimento, não é estático. É como o personagem a quem presta tributo”, explicou na inauguração do museu, em Abril, Michael Chaplin, um dos onze filhos de Charlie Chaplin.
Ao entrarmos pela porta principal, somos recebidos por um Charlie Chaplin de cabelos brancos apanhados num rabo-de-cavalo, mão no ar e sorriso no rosto. É uma das 30 figuras de cera, feitas pelo Museu Grévin de Paris, espalhadas pela mansão (há, também, a versão em cera do amigo Einstein, da mulher Oona, ou de Winston Churchill) e é inevitável o pequeno salto de susto quando vemos um Chaplin tão real a acenar-nos. Neste piso térreo podemos entrar no escritório de Chaplin, onde há um candelabro feito a partir das suas notas escritas à mão, livros autobiográficos com rabiscos, cartas; na sala-de-estar ou na sala de refeições, com fotografias de família, no alpendre. No segundo andar, o quarto e a história de amor com a sua quarta mulher Oona O’Neill, com quem casou em 1943.
Na mansão, a mobília original mantém-se e há vários objectos pessoais, vídeos e fotografias da vida familiar de Chaplin, bem diferente da vida e imagem de Charlot, a sua personagem mais icónica. A experiência imersiva na vida do cineasta continua com a possibilidade de entrar nos cenários dos seus filmes num estúdio interactivo construído ao lado da mansão: a rua de Charlot na Rua da Paz (1917) dá passagem para outros cenários e, como se fosse um parque temático, podemos escondermo-nos debaixo de uma mesa na casa de A Quimera de Ouro (1925), a meio de uma tempestade simulada, sentarmo-nos na cadeira do barbeiro de O Grande Ditador (1940), entrar na cela de Tempos Modernos (1936) ou no restaurante de O Emigrante (1917).
Jantamos entre figurinos e vídeos rápidos, a preto e branco, com excertos de filmes mas o café-restaurante O Vagabundo (1915), que serve pequenos-almoços, almoços e jantares com produtos e vinhos regionais, tem também uma esplanada nos jardins contíguos à mansão.
A inovação
Voltamos à estrada, e a Vevey, no dia seguinte, para visitar o Nest, o novo centro de inovação e exposições interactivas da gigante Nestlé. Construído no local da primeira fábrica da empresa, o Nest celebra o 150.º aniversário da Nestlé. É uma “casa aberta”, explica a directora Catherine Saurais, com três espaços que representam o passado, presente e futuro.
Numa visita multimédia, fazemos uma viagem à Vevey do século XIX para conhecermos Henri Nestlé e a fundação da marca, todos os produtos (os seus lançamentos são aqui relacionados com momentos marcantes da história mundial) e os desafios da marca para o futuro, ligados à nutrição e saúde. Está lá a história da primeira tablete de chocolate – e é mesmo possível receber uma num dos postos interactivos –, o protótipo da primeira máquina de café Nespresso, as primeiras campanhas publicitárias televisivas em diversos países.
“O Nest é um centro sobre a nossa identidade e sobre os desafios da Nestlé dentro da indústria alimentar”, reforça a directora, falando do centro como um “trabalho em progresso” – abriu a 15 de Junho e, durante a nossa visita, há ainda algumas experiências a serem testadas.
A nossa viagem continua pelas paisagens pitorescas de Fribourg até La Chaux-de-Fonds, uma vila suíça no cantão de Neuchâtel, onde fica a sede da fabricante de relógios TAG Heuer e o seu museu (visitas sob marcação), onde estão expostas 300 peças de relojoaria raras da marca.
Serpenteamos de sala em sala atrás da nossa guia, Périne, de bata branca – as nossas roupas, vindas da rua, trazem poeiras que podem migrar facilmente para os mostradores dos relógios em construção, por exemplo –, que nos leva da sala do design até à sala dos protótipos, “onde tudo começa”, para uma outra sala cheia de máquinas com pequenas partes dos relógios. Rénaud, especialista nos testes de resistência, conta-nos que um jogo de póquer é a actividade mais intensa e perigosa para um relógio. “O senso comum diz que são os desportos de alta intensidade os mais prejudiciais para um relógio mas o póquer é o pior porque estamos sempre a bater com a mão, e o pulso, na mesa quando atiramos uma carta”, esclarece.
No atelier começamos a ouvir tique-taques. Todos os dias são feitos 800 a 1000 relógios completos. Ao contrário do laboratório contíguo, de alta-relojoaria, onde há apenas seis mestres a montar as peças, neste há cerca de 60 pessoas na linha de montagem que não desviam o olhar à nossa chegada. Um trabalho tão rigoroso ou compassado como o movimento dos ponteiros de um relógio.
A nossa última paragem é junto ao belíssimo lago de Neuchâtel, no hotel Palafitte, onde conhecemos José Moura. Fala um francês perfeito e só descobrimos a sua nacionalidade portuguesa depois de sermos interrompidos a meio de uma conversa com um “olá, boa noite” ao invés dos desejos de “bonsoir”. “Não há muitos portugueses por aqui”, diz José, aludindo aos preços altos do turismo de luxo suíço. E apesar de ter regressado há dias de umas férias em Matosinhos, a sua cidade natal, o ex-jogador de futebol do Leixões alegra-se por ter hóspedes com quem exercitar o português – afinal, já está tão habituado à língua francesa que confunde uma e outra palavra.
O hotel Palafitte foi construído em 2002 para a 6.ª exposição nacional da Suíça, um evento em torno dos lagos de Neuchâtel, Biel e Murten, para mostrar o talento e a inovação destas zonas do país. Assim, o hotel, pensado pelo arquitecto Kurt Hoffman, foi construído como uma instalação, sem o objectivo de ser utilizado como unidade hoteleira nem o de durar mais de seis meses (o tempo da Expo.02) – de todas as criações, foi o único que resistiu e desde então tem conseguido renovar a sua licença de um ano todos os anos.
É, também, o único hotel da Europa construído sob palafitas, uma escolha que se deve à vontade de preservar a própria história de Neuchâtel, onde foram descobertos vestígios de antigas construções suíças edificadas com estes conjuntos de estacas de madeira.
De um total de 40 quartos, 26 são pavilhões de 68m2 sobre o lago, com acesso directo para a água através das escadas da varanda – “por isso, pode-se dizer que é o hotel com a maior piscina da Europa”, brincam os responsáveis na apresentação do hotel. Os restantes 14 quartos são numa segunda linha, com a mesma vista panorâmica para os Alpes. É a mesma do restaurante La Table de Palafitte, com uma ementa feita pelo chef Franck Paget e que privilegia os ingredientes e vinhos de produtores locais.
Quando finalmente o sol se põe e o céu laranja e rosa dá lugar ao negro da noite, o silêncio impera. Acendem-se luzes dentro do lago que permitem o reflexo da água no tecto do quarto e nos embalam. Só aos primeiros sinais de claridade da manhã, perto das 5 horas, havíamos de ouvir dois corajosos a fazer canoagem no lago. Amanheceu nublado. Mas o azul do lago (ou o verde, dependendo da luz, do reflexo) e as montanhas mantêm-se imponentes, ainda que meio desfocados devido à neblina matinal. Os mergulhos no lago (onde, no pico do Verão, a temperatura da água chega aos 20 graus) ficam para a próxima visita.
A Fugas viajou a convite da Lexus
Informações
Como ir
A TAP voa entre Lisboa e Genebra todos os dias da semana (numa pesquisa rápida para a primeira semana de Agosto, encontramos viagens de ida e volta a partir dos 317 euros). A companhia aérea low-cost Easy Jet também (ida e volta, na mesma altura, a partir de 197 euros). O voo dura cerca de 2 horas e 25 minutos.
Lausanne fica a 63,3 quilómetros de Genebra. De Lausanne até Vevey são 18,5 quilómetros e daqui até Neuchâtel são 94 quilómetros. Poderá alugar um carro ou ir de comboio.
Preços
O Chaplin’s World (Route de Fenil, Corsier-sur-Vevey; www.chaplinsworld.com) está aberto das 10 às 18 horas, todos os dias da semana. A entrada para um adulto custa 21 euros e o bilhete para crianças dos 6 aos 16 anos custa 15 euros.
A visita ao The Nest (Chaussée de la Guinguette, 10, Vevey; www.le-nest.ch), aberto de Junho a Outubro entre as 10 e as 18 horas e de Novembro a Março até as 17 horas, custa 16,50 euros. Os adultos com crianças têm redução no preço do bilhete (11,50 euros) e as crianças dos 6 aos 16 anos pagam 6,80 (o preço inclui um guia áudio em alemão, francês ou inglês e uma versão adaptada para crianças).