Fugas - Viagens

  • Ponte 25 de Abril, Lisboa, Portugal
    Ponte 25 de Abril, Lisboa, Portugal Enric Vives-Rubio
  • Tower Bridge, Londres, Reino Unido
    Tower Bridge, Londres, Reino Unido Neil Hall/Reuters
  • Ponte Juscelino Kubitschek, Brasília, Brasil
    Ponte Juscelino Kubitschek, Brasília, Brasil Ueslei Marcelino/Reuters
  • Ponte Juscelino Kubitschek, Brasília, Brasil
    Ponte Juscelino Kubitschek, Brasília, Brasil Ueslei Marcelino/Reuters
  • Ponte Vecchio, Florença, Itália
    Ponte Vecchio, Florença, Itália Tony Gentile/Reuters
  • Ponte de Brooklyn, Nova Iorque, Estados Unidos
    Ponte de Brooklyn, Nova Iorque, Estados Unidos Carlo Allegri/Reuters
  • Si-o-Seh, Isfahan, Irão
    Si-o-Seh, Isfahan, Irão Sousa Ribeiro
  • Harbour Bridge, Sydney, Austrália
    Harbour Bridge, Sydney, Austrália Daniel Munoz/Reuters
  • Seri Wawasan, Putrajaya, Malásia
    Seri Wawasan, Putrajaya, Malásia Bazuki Muhammad/Reuters
  • U Bein, Amarapura, Birmânia
    U Bein, Amarapura, Birmânia Jorge Silva/Reuters
  • U Bein, Amarapura, Birmânia
    U Bein, Amarapura, Birmânia Sstringer/Reuters

O mundo está cheio de pontes de vistas

Por Sousa Ribeiro

Umas históricas, outras românticas, outras capazes de provocar temor, outras futuristas. Todas pontes para serem admiradas pelo menos uma vez na vida.

Eu não tinha, nesse dia 6 de Agosto de 1966, nem sequer dois meses.

Uns anos mais tarde, vivendo uma infância feliz, longe de Lisboa, escutava as histórias da minha avó e das suas travessias do Douro a pé, para ir às compras a Mesão Frio. Ao longe, emolduradas pela janela da sala ampla da quinta, cintilavam as luzes da vila com as suas casinhas trepando as montanhas, quase tocando o céu escurecido. Pela manhã, chegavam-me os cheiros a café negro e a torradas feitas ao lume; depois corria para a janela e fixava-me num ponto, um pouco abaixo de uma mansão rosada, num cruzamento, contando os carros que se dirigiam em três direcções; as vinhas e a vegetação desciam até ao rio que me parecia intransponível; de quando em vez, passava um comboio, quebrando aquele silêncio tão apaziguador e, aos domingos, no Verão, chegava-me aos ouvidos a música, de uma festa ou um baile; para cima, os montes majestosos, recortando os céus.

Tudo o que me atraía estava do outro lado da margem. Ali, à mão, naquele pequeno mundo que me preenchia, não tinha uma ponte.

A primeira recordação que tenho de atravessar uma, pelo menos com uma dimensão razoável, está bem presente na memória - de mão dada com a minha mãe, devia ter seis anos. A alvorada já se anunciava, a ponte de Mosteirô, ligando os concelhos de Cinfães e Baião, estava em obras, apenas se podia atravessar a pé; já na outra margem, onde outro autocarro nos esperava, pude ver, com olhos curiosos, os três imponentes pilares de pedra, aquela estrutura em ferro ainda mergulhada na semipenumbra, mais tarde substituída, devido à construção da Barragem de Carrapatelo, por uma outra com a assinatura de Edgar Cardoso – classificada pelo engenheiro com a sua mais bela obra. Novamente de mão dada com a minha mãe, nesse mesmo dia, atravessei, com passos receosos, o tabuleiro inferior da Ponte Luís I, ignorando que, uns anos mais tarde, já adolescente, iria passar na Ribeira muitas horas das minhas tardes, observando os rapazes, alguns mais jovens do que eu, mergulhando naquelas águas cor de chá.

Agora me dou conta de que a Lisboa nunca havia ido e ainda haveria de esperar mais uns anos.

- Sabes a anedota dos dois portugueses que visitam Amesterdão e ao fim de algum tempo decidem aventurar-se, cada um para seu lado, pela cidade?

Tim Schilling sorri, sentado junto à porta envidraçada que dá para a movimentada Schelderstraat.

- Marcaram um encontro para mais tarde e sabes onde? Na ponte.

Amesterdão tem mais de mil pontes, cruzei muitas delas, umas mais românticas, outras mais históricas, de bicicleta. Algumas conhecia-as de nome, dos postais que o meu pai de vez em quando enviava. Que fascínio aquela cidade exercia sobre mim! Por vezes, ao final da tarde, sentava-me na esquina dos canais Reguliergracht e Herengracht e por ali ficava, olhando as pontes e os barcos sulcando as águas.

Só depois conheci Lisboa e a primeira vez que vi a Ponte 25 de Abril foi da janela de um avião proveniente de Amesterdão, precisamente 20 anos depois de ser inaugurada. Não imaginava que, durante outros 20, haveria de atravessá-la algumas dez mil vezes, ora fitando os cacilheiros que pareciam parados nas águas do Tejo, ora deleitando-me com a luz bonita e pura de Lisboa às primeiras horas da manhã, ora observando as luzes piscando quando a noite avançava. Desse dia, há 50 anos, pouco sei, apenas retenho ecos de histórias que li, de documentos que fui percorrendo com os meus dedos, desse tempo em que os ardinas ainda anunciavam os jornais. “A Ponte – a ponte sobre o Tejo, a maior da Europa e uma das maiores do Mundo, inaugurou-se hoje: foi dia de festa para o povo”, podia ler-se no Diário Popular. Rezam as crónicas que a construção (terá custado à época dois milhões e duzentos mil contos) foi abençoada pelo Cardeal Cerejeira, que se ouviu o hino nacional e se escutaram 21 tiros, que o primeiro carro a iniciar o trajecto de 2300 metros foi um carro da Polícia de Viação e Trânsito, atrás do qual seguiam dois outros, um transportando a mulher de Américo Tomás, Presidente da República, e o outro António de Oliveira Salazar, que, embora contra a sua vontade, deu o nome à ponte por onde o povo, como se fosse uma romaria, pôde finalmente circular às primeiras horas da tarde. Se é verdade que, por essa altura, o país tinha cerca de 400 mil automóveis, os 50 mil que no dia da inauguração atravessaram a ponte representam uma percentagem elevada – o dia era de festa, ninguém queria faltar ao “nascimento” daquela que foi considerada uma das grandes obras do regime, erguida em apenas quatro anos. Rebaptizada Ponte 25 de Abril após a revolução, serve-nos hoje de passagem, não para a outra margem, mas para outras pontes que nos fazem sonhar. Muitas outras caberiam neste espaço se houvesse espaço. É tudo uma questão de pontes de vista.

Ponte Vecchio
Florença, Itália

Não é fácil esquecer, embora cada vez mais distante, esse final de tarde, o sol dourando as águas calmas do Arno, subindo até às casas de tons amarelecidos, as cores crepusculares anunciando um entardecer mágico que se fazia acompanhar pela suave brisa que subia do rio, como se desejasse acariciar os pensamentos. A Ponte Vecchio é muito mais do que uma ponte, é um teatro de vida, uma criação de mil amantes, como diria, no seu papel de poeta, Miguel Ângelo, capaz de acelerar, com a sua visão, o ritmo cardíaco, de produzir vertigens, alucinações, de dar corpo a essa doença psicossomática sentida por Henri-Marie Beyle, muitos anos mais tarde conhecida como síndrome de Stendhal, o pseudónimo do escritor francês.

Documentos históricos atestam da existência de uma ponte sobre o Arno já em 966 mas a actual, calcorreada todos os dias por milhares de turistas, foi levantada em 1345, na sequência de uma cheia, gozando do estatuto de mais antiga da cidade de Florença (Itália). A sua construção é atribuída ao artista e arquitecto Taddeo Gaddi, um díscipulo de Giotto, mas há quem sugira, dada a sua harmonia e as suas proporções, o envolvimento de frades dominicanos na forma como foi planificada. A tese ganha maior credibilidade por ser conhecido o papel desempenhado por Giovanni da Campi, um frade da igreja de Santa Maria Novella, na reconstrução (com os seus arcos amplos e rebaixados, uma especialidade dos dominicanos), entre 1334 e 1337, da Ponte alla Carraia, próxima da Ponte Vecchio e destruída pela forte corrente em 1333 — Giovanni da Campi faleceu três meses após o início das obras na Ponte Vecchio mas nada prova que não tenha participado no projecto.

Inicialmente em madeira, as mais de quatro dezenas de lojas que as entidades locais alugaram a comerciantes na Ponte Vecchio eram agora em pedra, para não correrem o risco de se incendiar. Numa primeira fase, os negócios eram variados mas em meados do século XV o governo concedeu esse privilégio ao Grémio dos Talhantes, a quem vendeu (bem como a curtidores que utilizavam urina de cavalo para curtir as peles), em 1495, esses espaços que não tardaram a tornar-se sórdidos.

Quase cem anos mais tarde, em 1593, pensando no bem-estar da população (e no seu próprio bem-estar), o grão-duque Ferdinando I desalojou os comerciantes e substituiu-os por joalheiros e ourives, diminuindo os odores e aumentando as receitas. Ainda antes, em 1565, nascia, no lado oriental da ponte, o Corridoio Vasariano, um corredor desenhado por Giorgio Vasari a pedido dos Medici (uma poderosa família de banqueiros que governou Florença e, mais tarde, a Toscana durante três séculos), que acabavam de se mudar do Palazzo Vecchio para o Palazzo Pitti e necessitavam de uma ligação entre este último e os Uffizi (destinados a escritórios da magistratura do estado toscano e actualmente a maior galeria de arte de Itália) para não se sujeitarem a caminhar ao lado do povo.

Aparentemente construída como sistema de defesa — com multas para quem danificasse as suas paredes — a ponte começou, mais ou menos por essa altura (e ainda no século XVII), a ganhar uma outra forma, com lojas (e janelas) apoiadas em suportes de madeira debruçando-se sobre o Arno, precisamente com o aspecto que hoje nos oferece. 

A Ponte Vecchio foi a única ponte da cidade que escapou aos bombardeamentos durante a II Guerra Mundial. Hitler, convidado de honra de Benito Mussolini, em Maio de 1938, teve a oportunidade de a admirar e de lançar olhares desde as três janelas centrais do corredor, uma panorâmica da qual se terá enamorado a tal ponto que apenas ordenou a destruição dos edifícios de um lado e do outro, impedindo o acesso à ponte, que permanceu intacta.

Mais ou menos três meses após a inauguração da Ponte Salazar, em Novembro de 1966, temeu-se o colapso da Ponte Vecchio. Bombeiros e empregados do Corridoio Vasariano correram a salvar os quadros e testemunhos da época revelaram que a ponte dançava ao sabor da forte corrente. Muitas das peças de ourives e relojoeiros foram levadas pelas águas galopantes do Arno. Mas a Ponte Vecchio resistiu para se perpetuar como um teatro de vida.

Tower Bridge
Londres, Reino Unido

Sinto dificuldade em pisar o chão envidraçado e evito mergulhar o olhar nas profundezas, no tabuleiro inferior por onde os carros passam sem pressas e alguns dos transeuntes com todo o tempo do mundo. Aqui, a uma altura de 40 metros acima do nível das águas do Tamisa, num cenário majestoso, são os turistas que circulam mas noutros tempos, pelo menos até 1910, altura em que foi encerrado o tabuleiro superior, era um local mais frequentado por prostitutas e ladrões. Reaberta em 1982 para acolher a Tower Bridge Exhibition, agora com entrada paga e permitindo o acesso a uma mostra que inclui fotografias, filmes e outro material interactivo que traçam a história ligada à construção da ponte, a passagem pedonal dispõe, desde finais de 2014, de um chão em vidro, cobrindo uma distância de 11 metros de painéis com 7,5 centímetros de espessura (cada um pesa mais de 500 quilos), o que representou um custo total de um milhão de libras (cerca de 1,2 milhões de euros).

Inaugurada em Junho de 1894, a Tower Bridge foi, durante alguns anos, alvo de fortes críticas de figuras ligadas à arquitectura e o concurso para a sua construção esteve também rodeado de forte polémica — Horace Jones, autor do projecto vencedor, também fazia parte do painel do júri mas, com a sua morte, pouco depois do início das obras, coube ao seu antigo assistente, George Daniel Stevenson, assumir a responsabilidade dos trabalhos que se prolongaram por oito anos e incluíram, entre outros materiais, 31 milhões de tijolos, dois milhões de rebites e 22 mil litros de tinta (o custo total ascendeu a quase 1,2 milhões de libras, equivalente, actualmente, a aproximadamente 120 milhões).

A abertura da nova ponte ficou a dever-se, em grande parte, ao aumento significativo da população da zona leste da cidade, privada de uma estrutura que lhe permitisse cruzar o Tamisa. Entre a Tower Bridge e a London Bridge estende-se uma área vulgarmente designada por Pool of London, o coração histórico do comércio londrino, pelo que a construção daquela última teria de privilegiar a passagem dos barcos que entravam e saíam da piscina. Ainda hoje, a despeito da diminuição do trâfego fluvial, as embarcações têm prioridade — e as básculas, numa primeira fase movidas a energia hidráulica, erguem-se até um ângulo máximo de 86 graus em cerca de um minuto. Em 1952, a ponte começou a levantar-se quando um autocarro de dois pisos ainda se encontrava em marcha — o motorista, Albert Gunton, teve de acelerar para aterrar na outra báscula, recebendo na altura 10 libras pelo seu acto de bravura. Já mais tarde, em 1997, Bill Clinton, na altura presidente dos Estados Unidos, viu a sua comitiva ser de repente travada na Tower Bridge para não atrasar a passagem de um barco. Tony Blair seguiu em frente, Bill Clinton chegou ligeiramente atrasado para o almoço. E de nada valeram as tentativas da Scotland Yard para fazer descer de novo as pontes basculantes.

Ponte Juscelino Kubitschek
Brasília, Brasil

Algumas nuvens negras perfilam-se no horizonte e o sol, prestes a lançar um último suspiro, derrama uma faixa dourada sobre as águas. A ponte Juscelino Kubitschek, considerado o pai do Brasil moderno e presidente do país entre 1956 e 1961, é agora ainda mais bela do que às primeiras horas da manhã. Com quase 40.000 m3 de betão, mais de 12 mil toneladas de aço na sua estrutura principal (a de auxílio necessitou de mais de 1300), a ponte, inaugurada a 15 de Dezembro de 2002, está situada onde em tempos corria o rio Gama, hoje transformado no lago Paranoá, cenário de praias artificiais, de bares, restaurantes e clubes que tanto seduzem os brasileiros aos fins-de-semana.

Uma das maiores atracções turísticas de Brasília, a capital tão estigmatizada pelo conceito de cidade sem alma, a ponte Juscelino Kubitschek, ligando o Setor Habitacional Sul (SHIS) ao centro do Plano Piloto (projecto urbanístico elaborado pelo arquitecto Lúcio Costa), é um exemplo de beleza e modernidade, mas também de perfeito enquadramento na concepção arquitectónica de Brasília, uma urbe que teve de inventar o seu modo de vida, como um grande jardim botânico: 70% da superfície está destinada aos espaços verdes, com mais de quatro milhões de árvores e 150 espécies.

Da autoria do arquitecto Alexandre Chan, a ponte também conhecida como JK e Terceira Ponte do Lago Sul (a ideia da sua construção nasceu da necessidade de descongestionar o tráfego nas outras duas já existentes) contempla três elegantes arcos que cruzam na diagonal e tem 1200 metros de comprimento e 24 de largura (três faixas de cada lado e duas laterais, destinadas aos ciclistas e à circulação pedonal).

Empregando mais de mil trabalhadores, foi erguida em menos de um ano, a despeito das dificuldades para encontrar um solo estável  (apenas encontrado a grande profundidade), já que está situada numa falha geológica — mas poucos são aqueles que questionam esse grande desafio quando a noite cai sobre Brasília e as pontes da JK se iluminam, convidando a um passeio nocturno sempre de olhos postos no conjunto monumental.

Ponte de Brooklyn
Nova Iorque, Estados Unidos

No dia 17 de Maio de 1884, após uma primeira tentativa recusada pelas autoridades, Phineas Taylor Barnum, um empresário americano por essa altura proprietário de um circo, recebeu permissão para largar Jumbo, um elefante africano que pesava seis toneladas e fora adquirido, dois anos antes, à London Zoological Society, liderando outros 20 paquidermes, sete camelos e dez dromedários ao longo da majestosa Brooklyn Bridge. Inaugurada em Maio de 1883, numa cerimónia que atraiu 250 mil pessoas, rapidamente correu o rumor de que a ponte, cruzando as águas do rio East, não oferecia condições de segurança; para provar o contrário, os governantes aceitaram que Phineas Taylor Barnum, encantado com a promoção do que apelidava “Greatest Show on Earth”, organizasse um desfile tão bizarro que o The New York Times escreveu que mais parecia que se haviam aberto as portas da Arca de Noé em Long Island.

Velhinha, agora, com 133 anos, a Brooklyn Bridge, com as suas torres de granito e os seus cabos de aço, estendendo-se ao longo de quase 1600 metros, não só é segura como continua a servir de passagem para milhões de trabalhadores, para turistas, para comboios, carros e bicicletas, oferecendo uma paisagem cénica difícil de igualar, graças ao esforço de seis centenas de homens que ao longo de 13 anos se encarregaram de a erguer, ligando as margens de Manhattan e Brooklyn. Entre eles, pelo menos duas dúzias pereceram, incluindo o arquitecto que a desenhou, John Augustus Roebling, nascido na Alemanha em 1806 mas de partida para a Pensilvânia quando tinha apenas 25 anos, carregando a esperança de se tornar agricultor naquele estado — uma ideia que se revelou um fiasco e o apressou a dedicar-se com mais afinco à engenharia civil. Pouco tempo antes do início da construção, quando ultimava alguns detalhes no rio East, os dedos de um dos pés de John Augustus Roebling foram esmagados por um barco e este viria a falecer, vítima de tetano, ao fim de três semanas. O filho, Washington A. Roebling, na altura com 32 anos e com ampla participação no projecto, assumiu a liderança das obras que terão custado qualquer coisa como 15 milhões de dólares americanos (mais de 300 milhões nos dias de hoje).

Si-o-Seh
Isfahan, Irão

Poucos monumentos no mundo produzem tanto encanto no viandante como a ponte Si-o-Seh, uma sensação que não se desvanece nem mesmo depois de depositar prolongados olhares nas sumptuosas mesquitas azuis dessa cidade que representa melhor do qualquer outra a Pérsia (actual Irão) eterna — Isfahan.

Rodeada de água ou mesmo num tempo de seca, nada impede os seus habitantes de darem um passeio, de dia ou de noite, junto a esta ponte construída no século XV pelos sucessores de Tamerlande mas totalmente modificada entre 1599 e 1602 (de novo restaurada na primeira metade do século XIX) por Allahverdi Khan, um dos generais preferidos do Xá Abbas I e de origem georgiana. Com as suas elegantes arcadas (são 33, correspondentes ao alfabeto georgiano) que se estendem a todo o comprimento (pouco mais de 130 metros e 12 de largura), a ponte é seguramente mais sedutora quando se reflecte nas águas do Zayandeh Rud — “o rio que dá a vida” —, com a delicadeza de uma mulher mirando-se num espelho.

Harbour Bridge
Sydney, Austrália

Os barcos aconchegam-se na pequena baía, atrás do cenário verde projectam-se edifícios como agulhas furando o céu azul, mais para lá a Ópera, depois a ponte, antes que o olhar se perca no horizonte indefinido. Com um comprimento de 1150 metros, a Harbour Bridge, na Austrália, é uma obra-prima da engenharia, com o seu famoso arco em aço que não tem paralelo no mundo — é o mais alto de todos, 134 metros acima do nível das águas e, devido às mudanças no clima, o topo ora regista uma subida ora uma descida de 180 mm —, ligando os subúrbios a norte com o centro de Sydney e por onde passam, diariamente, perto de 200 mil viaturas.

Após oito anos de trabalhos, aquela que é conhecida entre os locais como coathanger ( cabide) foi inaugurada a 19 de Março de 1932 graças ao esforço diário de 1400 homens (16 deles morreram durante as obras) que utilizaram seis milhões de rebites e 53 mil toneladas de aço para a tornarem realidade (só o arco pesa 39 mil toneladas). O dia da inauguração da ponte — onde chegou a trabalhar, em obras de pintura, o conhecido autor Paul Hogan — nunca será esquecido: a cerimónia deveria ser presidida por John “Jack” T. Lang, governante máximo de Nova Gales do Sul, mas foi o capitão Francis de Groot, membro do partido de direita New Guard, que cortou a fita com a sua espada por entender que esse privilégio competia a um elemento da Família Real — Francis de Groot, nascido em Dublin, foi detido, a fita voltou a ser colocada e John “Jack” T. Lang inaugurou oficialmente a Harbour Bridge.

Seri Wawasan
Putrajaya, Malásia

Putrajaya está para a Malásia como Brasília está para o Brasil: a nova capital administrativa do país, criada, como quase todos os grandes projectos arquitectónicos, a partir do sonho de um visionário, Mahathir bin Mohamad, primeiro-ministro entre 1981 e 2003, é uma cidade pensada para que o homem viva em harmonia com o Criador e com o meio ambiente, mas, ao tempo tempo, uma cidade inteligente e moderna. Mais visitada por asiáticos do que por turistas europeus — não me recordo de ter visto um único —, tem na Seri Wawasan, cruzando as águas do lago Putrajaya, um dos seus postais de eleição. Os casais, consumado o matrimónio, não resistem a posar para o fotógrafo sobre esta ponte onde vale a pena voltar quando o dia declina, para assistir ao momento em que se ilumina, lançando diferentes tonalidades sobre o lago artificial.

Inaugurada em 2003, a Seri Wawasan, também designada como número 9, é uma ponte estaiada, de grande beleza estética, com um vão de 165 metros (o comprimento total é de 240) suportado por cabos de aço que descem desde o pilar (feito em aço e betão e com uma inclinação de 75 graus) que se ergue, a 96 metros de altura (numa das extremidades), contribuindo para que muitos olhos a associem a um navio à vela.

Da ponte futurista, a panorâmica abraça a mesquita Putra e as dezenas de barquinhos que rasgam suavemente as águas e é raro o minuto em que um carro não se detém — a atracção é irresistível, um telemóvel ou uma máquina fotográfica tentam captar os mais diferentes ângulos de uma ponte que enche de orgulho os malaios.    

Pamban
Índia

Não é uma ponte para todos e uma viagem de comboio ao longo dela não é recomendável para quem tem um coração fraco. É uma alucinação, inspira medo, respeito. Mas, para aventureiros, deve ser feita pelo menos uma vez na vida, com a certeza de que nunca a esquecerá.

Pamban.

Mais uma maravilha da engenharia, correndo sobre o mar ao longo de dois quilómetros, ligando Rameswaram, na ilha de Pamban, ao continente. A ponte, inaugurada em 1914, é a segunda mais comprida do país depois daquela que liga (2,3 quilómetros), desde 2010, Bandra a Worli, na costa ocidental de Bombaim, e apresentou, em 2013, a sua candidatura a Património Mundial da UNESCO.

Apoiada em 143 pilares de betão, a ponte, ladeada por uma outra, rodoviária, desde 1988, tem duas básculas no meio para permitir a passagem de navios e foi seriamente danificada (mas reparada num tempo recorde, em apenas 46 dias) em 1964, na sequência de um ciclone (ventos de 240 km/h), um risco permanente que se faz acompanhar de um outro: só um lugar no mundo, na Flórida, apresenta níveis de corrosão mais elevados, o que representa um constante e desgastante trabalho de manutenção.

Pamban.

Vale a pena. Uma vez na vida.

U Bein
Amarapura, Birmânia

Comigo, num envelope, levava umas fotografias que tirara, nove anos antes, a um barqueiro. Eram ainda em papel e, como as tirara, sentia-me obrigado, neste meu regresso, a devolvê-las. Ao fim do trilho, rodeado de casas humildes e de mosteiros e onde a vida decorre como sempre, avisto as embarcações coloridas e os meus olhos dirigem-se, como que atraídos por um íman, para o homem que me conduzira, sem pressas, pelo lago na altura menos impregnado de turistas.

Sim, recordo-me.

Claro que ele estava a mentir. Em tantos anos, face à abertura do país, milhares de viandantes se passearam por aquelas águas.

Mas ele ficou feliz, olhava de quando em vez as fotografias, sem ignorar os remos para me levar até à outra margem.

U Bein, Birmânia.

O nome soa exótico, o lugar permanece na memória durante anos e anos, não se apaga, pelo contrário, provoca um sentimento de nostalgia quando evocado à distância.

U Bein.

O vestígio mais famoso da antiga cidade de Amarapura, de onde foram transferidos 150 mil habitantes quando Mandalay conquistou o estatuto de capital, anima-se ao final da tarde, o sol estilhanço as águas do lago Taungthaman, os mais de 900 pilares em teca maciça formando desenhos, como serpentes, os monges e os trabalhadores cruzando a ponte que desafia o tempo desde meados do século XIX, alguns com bicicletas, de regresso às suas aldeias ou aos seus mosteiros, a vida feita de milhares de silhuetas ao longo de mais de um quilómetro, os guardadores de patos passando sob as suas estacas e o sol a pôr-se, um cenário poético, harmonioso.

U Bein.

Não há muito mais a dizer. Aqui impõe-se o silêncio. E algumas fotografias. Para mais tarde devolver.

Kintai
Iwakuni, Japão

Naquele dia, não cheguei propriamente a desfrutar da sua beleza. Talvez porque buscava silêncio. Era o final de Abril, dia de festival, de celebrar o nascimento do Imperador Showa, Hirohito, com uma parada samurai ao longo da ponte, cheia de cor, de trajes típicos, onde se colocavam todos os olhares de muitos japoneses e de alguns ocidentais. Regressei, dois anos mais tarde, mas uma semana antes. A ponte Kintai, aos pés do castelo de Iwakuni, revelava-se agora em toda a sua delicadeza, convidando a cruzá-la, para trás e para a frente, ou a admirá-la desde o rio Nishiki, com os seus bonitos cinco arcos em madeira, ou somente a pensar na sua história que remonta a 1673, apenas interrompida ao fim de 276 anos, quando não resistiu ao tufão Kijia, em 1950. Votada ao abandono, com o país ainda a viver a ressaca da II Guerra Mundial, foi restaurada três anos mais tarde e é, vigiada pelo monte Yokoyama, um dos destinos mais populares do Japão.

Volto a cruzá-la e chega-me, agora mais intenso, um aroma familiar. A flor de cerejeira. O odor penetra as narinas, enche o ar, magnetiza mas, ao mesmo tempo, devolve-me a outro tempo, a uma primeira infância, também entre as cerejeiras. Da janela contava os carros que passavam, via o comboio apressado, intrigava-me como a minha avó havia passado o rio a pé.

Ali não tinha uma ponte à mão. Mas era ali que me apetecia ter escrito esta história de pontes.

--%>