-Conheces Ibiza? É mais ou menos a mesma coisa: praia, vida nocturna, diversão.
A afirmação, subindo aos lábios de Claudia Consalvo, peca por exagero. Como no caso da ilha das Baleares, Rimini tem muito mais para mostrar ao visitante, uma outra faceta bem menos hedonista, depende apenas do que cada um procura — mas no que a maior parte investe é mesmo na tríade definida pela jovem italiana, mais dada a uma vida pacata.
Com as suas bandeiras azuis e um controlo diário dos nivéis de poluição, a Riviera de Rimini estende-se ao longo de quilómetros, com praias de areia fina mas onde nem sempre é fácil (principalmente em Agosto) encontrar um espaço para deitar uma toalha. A época balnear começa, oficialmente, com a Notte Rosa, desde o momento em que as cores crepusculares banham a costa até ao instante mágico em que o sol nasce. É uma festa em que participam todos os bares e hotéis que enchem as margens do Adriático, com programas que incluem concertos de estrelas pop e rock italianas, bem como espectáculos de teatro, alguns deles tendo como palco o imponente castelo Malatesta, a residência de uma antiga família que dominou a cidade durante a Idade Média. Um pouco por todo o lado, nas ruas, nas praças e nas pracetas, a música enche a atmosfera, o rosa veste fachadas de casas, monumentos e hotéis, estimando-se que, só nessa noite, no centro histórico e ao longo das praias onde se dança sob as estrelas, Rimini receba um milhão de visitantes (e vinte milhões de dormidas durante todo o Verão).
Em algumas cidades europeias, a noite é branca, em Rimini é rosa como símbolo de bondade e de feminilidade — mas também porque a cidade é conhecida, pelo menos em Itália, como capital da hospitalidade.
- Há uns anos, mudei-me de Bolonha para Rimini com a ideia de criar o meu próprio negócio. Receava não me integrar mas a cidade surpreendeu-me desde os primeiros instantes, uma cidade heterógenea mas que mantém vivas muitas das tradições, enfatiza Antonietta di Bello, uma jovem empresária.
Com uma grande concentração de discotecas e de parques temáticos, Rimini atrai tanto uma multidão jovem como famílias, a maior parte italianos, dada a proximidade de urbes como Bolonha, Veneza e até mesmo Roma, a pouco mais de três horas de carro. Se, para norte e, para sul, até Riccione e, mais para lá, até Cattolica e Gabicce Mare, a costa está demasiado urbanizada, com praias que apenas se distinguem quando os chapéus-de-sol mudam de tonalidade, depois desta última, quando os penhascos começam a moldar a paisagem, há ainda alguns recantos para quem prefere um pouco mais de quietude e abdica das facilidades proporcionadas pelas praias mais concorridas — como é compensadora uma errância por trilhos silenciosos que rodeiam Gabicce Monte e pela reserva natural do Monte San Bartolo antes de um mergulho numa das enseadas aos pés das aldeias de Fiorenzuola di Focara e Casteldimezzo.
Centro histórico
- Rimini é uma cidade pequena, por vezes com uma atmosfera que mais se assemelha a uma aldeia, para onde se mudaram, nos últimos anos, muitos estrangeiros de diferentes proveniências, mas que poucas ou nenhumas alterações produziram, absorvendo rapidamente os hábitos locais, diz-me Antonietta di Bello, de olhos postos nos arcos da ponte di Tiberio.
- É o meu monumento preferido em Rimini.
Originalmente úmbria, depois etrusca, mais tarde a importante colónia romana de Ariminum, Rimini continuou a mudar de mãos ao longo da Idade Média, submtendo-se aos bizantinos, aos lombardos e ao poder papal na antecâmara de se entregar à família Malatesta no século XIII — e até integrar o reino de Itália, em 1860, ainda foi conquistada, no século XVI, por Cesare Borgia, um homem perverso, ambicioso e frio, antes de capitular perante Veneza e logo depois face aos Estados Papais.
- Como definir Rimini? Uma cidade com um lado mar e um lado montanha, atravessada ao meio pelo caminho-de-ferro. O primeiro, apenas desperto no Verão, vocacionado para o turismo e o entretenimento, é visto pelos locais como fonte de trabalho e de receitas; o segundo, com um centro rico em história, é um coração que pulsa ao longo de todo o ano e onde os residentes gostam de se refugiar mesmo nos meses de Verão, resume Antonietta di Bello, sempre de olhos postos na ponte com os seus elegantes cinco arcos de mármore de Ístria, cruzando as águas do Marecchia.
Erguida no século I, as suas obras foram iniciadas sob a governação de Augusto e concluídas já com Tiberio no poder, contando uma história de quase dois mil anos que a transformam no símbolo da cidade que vou descobrindo até que a noite substitua o dia.
Essa espécie de vida pecaminosa que se respira junto ao mar não encontra paralelo no centro histórico de Rimini, a despeito da presença do Tempio Malatestiano. Dedicada a São Francisco, a igreja foi convertida, no século XV, num edifício renascentista para acolher o túmulo de Isotta degli Atti, a amante de Sigismondo Malatesta (mais tarde mulher), um dos membros do clã com o mesmo apelido a quem o Papa Pio II considerava um biltre, chegando mesmo a queimar a éfige dele em Roma e a condená-lo ao Inferno por uma longa lista de pecados que incluíam violação, incesto, adultério e assassinato, sem esquecer a forma como oprimia o povo.
Com a sua fachada inacabada, a obra, da autoria de Leon Battista Alberti, um dos mais conceituados arquitectos florentinos, era vista pela igreja como um “templo dos adoradores de Satanás”, apresentando-se nos dias de hoje como uma catedral que nada tem a ver com ritos pagãos e com capelas laterais que justificam mais do que olhares fugazes — não deixe de apreciar um fresco de Piero della Francesca, com Malatesta ajoelhado perante S. Sigismundo.
Não muito longe, está o Castel Sismondo, uma estrutura do século XV que também é conhecida como a Rocca Malatestiana, mas é na Piazza Cavour, com os seus palazzi (Palazzo del Município e Palazzo del Podestá, ambos encerrados ao público) que espero o momento em que a noite cai; passo pela Via Pescheria, um antigo mercado de peixe de Rimini, chego ao Arco di Augusto, construído no ano 27, e sigo em frente, ao longo do corso com o nome do Imperador, até desaguar no outro extremo, na ponte que se ilumina.
Para lá está o Borgo San Giuliano.
A vida é doce em Rimini.
Os olhos de Fellini
A pé ou de bicicleta, vagueando pelas ruas de Rimini, os encontros com os lugares que Federico Fellini inventava, recordava ou sonhava são inevitáveis. Um dos maiores cineastas italianos, o realizador de obras como Oito e meio, A vida doce, Amarcord ou, entre outros, Noites de Cabíria e A estrada da vida, a despeito de ter nascido em Rimini (em Janeiro de 1920 — faleceu em Roma em 1993), nunca filmou na sua cidade natal. Mesmo assim, é uma figura incontornável nas ruas desta urbe que adora o seu filho mais querido — e as artérias vão adquirindo um valor simbólico à medida que a sombra de Fellini as enche com as suas memórias.
Um dos melhores locais para iniciar o percurso que nos conduz, não sem uma certa nostalgia, pela vida do mestre, é o número 10 da Via Dardanelli, não muito longe da praia e muito perto da linha de caminho-de-ferro que atravessa a cidade, onde Fellini nasceu (a família mudou-se pouco depois para Roma mas logo regressou a Rimini, instalando-se no Corso d’Augusto, mais tarde na Via Gambalunga e, finalmente, na Via Clementini). Virado de frente para o mar, se cortar à direita, não tardará a encontrar uma avenida paralela, a Viale Principe Amedeo, com as suas casas elegantes construídas no início do século XX, que desagua na Piazzale Federico Fellini, dominada pela Fontana dei Quattro Cavalli. Se continuar em frente, respirando a brisa que vem do Adriático, chegará a uma área onde em tempos se erguia, majestoso, o Kursaal, um complexo balnear que, com as suas salas de baile, de teatro e um casino, atraía a aristocracia e figuras da vida política, transformando-se no verdadeiro coração mundano das férias em Rimini. Um cais ligava o edifício (destruído após a II Guerra Mundial) a uma plataforma flutuante onde Fellini e os seus amigos gostavam de se acomodar, enquanto perscrutavam, durante os meses de Verão, as pessoas a dançarem nas varandas.
De volta à praça, passando a fonte dos quatro cavalos, à esquerda, recortando-se contra o céu, encontra-se o Grand Hotel, com os seus jardins bem tratados, mágico e um símbolo da Belle Époque, seduzindo tanto hoje como no passado. Inaugurado em 1909, é considerado monumento nacional e transformou-se numa fonte de inspiração para os filmes de Fellini. Com uma infância cheia de nada, Federico dava asas à sua imaginação e cultivava as suas fantasias, olhando através do portão enquanto o seu cérebro se pintava com cenários de volúpia, de belas mulheres dançando nos luxuosos salões do hotel. Muitos anos mais tarde, quando a existência pobre já fazia parte do passado, Federico Fellini tornou-se um cliente habitual do Grand Hotel, onde foi vítima de uma hemorragia cerebral umas semanas antes de falecer.
As 26 ruas
Conduzindo os seus passos de novo em direcção ao mar, seguramente que não deixará de reparar, na rotunda de frente para o Grand Hotel e o Parco Fellini, à direita, numa gigantesca máquina fotográfica Ferrania que aqui se encontra desde a década de 1940 e que funciona como antecâmara da Fundação Fellini do mar (a sede da instituição, criada em 1995, funciona na Via Gambalunga). Rimini é uma cidade que se percorre facilmente a pé e, a curta distância, quase sem dar por isso, surge a Viale Regina Elena, com as suas vielas que, como afluentes, correm para a rua principal — são ruas estreitas, num total de 26, situadas no coração da marina, com uma atmosfera única, com um intenso aroma a Fellini porque, com efeito, a sua toponímia é inteiramente dedicada ao realizador e aos seus filmes, sem esquecer a que presta homenagem à sua mulher, Giulietta Masina, a meia dúzia de passos da Piazzale Federico Fellini, como um polvo de onde partem todas essas artérias, estendendo os seus tentáculos entre o canal do porto e a Piazza Marvelli, na Marina Centro.
A viagem prossegue, impregnada de melancolia, pela outrora chamada Piazzale Tripoli (actualmente Piazzale Marvelli), vigiada pela igreja da Ordem Salesiana (oficialmente a Chiesa di Santa Maria Ausiliatrice), cujos trabalhos iniciais foram presenciados por Federico Fellini num tempo em que era conhecida como Chiesa Nouva; para se perceber a relação de Fellini com a cidade é necessário ver a obra: passa-se, uma vez mais pela estação ferroviária, e evocam-se as palavras do cineasta — “Uma vez, vimos um comboio azul. Era um comboio-cama. Um cego subiu e surgiu um homem em pijama”. Há mais, poucos minutos depois, na Via Roma, no número 41, a casa que pertencia a Titta, uma grande amiga de Fellini dos tempos do liceu, tantas vezes frequentada pelo mestre que a caracterizou em Amarcord, com o seu portão e a escadaria que conduz à porta principal, a mesma que, no filme, o avô de Titta, a famosa advogada conhecida como Benzi, não consegue localizar, perdido nas brumas de um nevoeiro, naquele que é um retrato fiel de uma família da Romanha nessa época.
Atravesso, uma vez mais, a ponte Tiberio e sou recebido, com um rumor que vai crescendo à medida que caminho, no Borgo San Giuliano, uma antiga aldeia de pescadores onde se sente Fellini como em poucos outros lugares em Rimini, com os seus murais conferindo cor às fachadas das casas, as suas vielas, as suas pracetas, os seus becos cegos, remetendo para um tempo do qual não resta mais do que uma memória mas, ainda assim, abrigando um ambiente mágico, do qual tenho dificuldade em desligar-me, não fosse a atracção que o Corso d’Augusto exerce sobre mim, convidando-me a regressar à cidade, errando como erram locais e turistas, sem grande diferença em relação aos dias em que Fellini por aí caminhava. De repente, à direita, o olhar dirige-se para a Chiesa dei Servi, uma igreja escura e fria que tantas vezes assustou o realizador quando não era mais do que uma criança; mais à frente, também à direita, o cinema Fulgor, onde Fellini assistiu, na companhia do pai, ao seu primeiro filme, Macciste al’Inferno, descrito em Roma, mas também o lugar onde tentou seduzir Gradisca, como admite em Amarcord.
Chego à última morada de Fellini em Rimini, o cemitério, onde o mestre descansa ao lado de Giulietta Masina e o filho de ambos, Pier Federico, que viveu apenas alguns dias. O dia morre subitamente, a noite instala-se; umas luzes varrem o Adriático, prometendo eternizar a festa junto à praia.
Também Fellini ficará para a eternidade.
Guia prático
Como ir
Não existem ligações directas entre Lisboa (ou o Porto) e Rimini. Mesmo com uma escala numa cidade europeia, pode revelar-se uma tarefa complicada e dispendiosa chegar ao aeroporto Federico Fellini, situado a oito quilómetros a sul do centro da cidade. Ainda assim, não perde nada em verificar os sites de companhias aéreas como a Air Berlin ou a Luxair. Como alternativa, pode recorrer ao aeroporto Guglielmo Marconi, em Bolonha, que dista cerca de 120 quilómetros de Rimini. De Lisboa, a TAP é a única companhia aérea com ligações directas à capital e maior cidade da região de Emília-Romanha, mas, se uma escala não constituir problema, pode pesquisar junto da Alitalia, que também voa para Rimini, ou da Air France, entre outras. Do aeroporto, há sete ligações diárias de autocarro a Rimini (pode sair na via Annibale Fada ou na estação ferroviária). O ideal é adquirir o bilhete no site, no interior do aeroporto ou através de uma agência de viagens — neste caso paga 20 euros, se comprar no autocarro paga mais cinco (se não levar apenas bagagem de mão terá de desembolsar mais 10 euros ou 15 quando se apresentar sem bilhete junto do motorista por cada mala ou outro equipamento de maiores dimensões).
Quando ir
Rimini, situada na zona mais meridional da província homónima, pode ser visitada em qualquer altura. Com uma temperatura média anual a rondar os 13 graus, a cidade goza de um clima temperado quente, húmido ao longo de todo o ano, com características de transição para o clima mediterrâneo. Janeiro é, por norma, o mês mais seco e mais frio (média de quatro graus centígrados), enquanto Julho e Agosto são aqueles em que o calor mais aperta, com os termómetros registando não raras vezes entre 30 e 35 graus. Sendo uma zona balnear por excelência, o Verão é a melhor época (nos meses referidos a água do mar regista uma média ligeiramente superior a 25 graus mas em Outubro também anda próxima dos 20) para desfrutar de Rimini em toda a sua plenitude, se bem que a Primavera e o Outono ofereçam a possibilidade de ser admirada com outra quietude, longe dos milhões de turistas que todos os anos procuram as suas praias e vida nocturna. A maior precipitação ocorre especialmente entre finais de Setembro e meados de Dezembro.
Onde comer
Não deixe Rimini para trás sem provar uma piadina (ou piada), uma meia-lua de pão ázimo com recheio saboroso e a base da comida da região, alegadamente já confeccionada pelos romanos, que a terão aprendido a preparar no Médio Oriente. Um dos melhores locais na cidade para viver esta experiência gastronómica é a Casina del Bosco, na Via Beccadelli, 15, um espaço que goza de grande popularidade há quase quatro decénios. Para algo mais exótico, uma piadina banhada em tinta de choco, feita na hora com ingredientes frescos, deve dirigir-se ao NudeCrud, na Via Tiberio, 27/29, no Borgo San Giuliano, um bairro onde também encontrará outros dois restaurantes altamente recomendáveis: La Marianna, na mesma rua, no número 19, especializado em peixes e mariscos, e o Osteria de Borg, na Via Forzieri, 12, vocacionado para as carnes.
Onde dormir
Rimini, com uma população a rondar os 150 mil habitantes, tem mais de mil hotéis — difícil mesmo é escolher. Mas não pense que são muitos: se a oferta parece não ter limites, a procura é superada, pelo menos em Julho e Agosto (muitos espaços encerram entre Outubro e Abril), quando os preços chegam a um patamar que não está ao alcance de todos os bolsos. Se tiver problemas, durante a época alta, para encontrar um quarto disponível, pode sempre recorrer a Rimini Reservation, na Parco Federico Fellini, 3. Para orçamentos mais reduzidos, o Hostel Jammin, na Viale Derna, 22, pratica preços em conta e proporciona ainda um ambiente familiar, com turistas de tão distintas proveniências. Situado a curta distância da praia, dispõe de quartos espaçosos (alguns com vista para o mar) com preços que variam entre os 18 euros, em dormitórios com quatro e seis camas, e os 28 para um duplo, enquanto um single custa 20 euros.
A visitar
Estando em Rimini pode sempre aproveitar a proximidade para visitar a pequena república de São Marino, mesmo tendo em conta que esta pouco mais oferece do que uma rua. Entre Rimini e São Marino há pelo menos 11 ligações diárias de autocarro (partem da estação ferroviária). O preço de um bilhete de ida e volta ronda os oito euros e o percurso cumpre-se em 45 minutos.
Se estiver em Rimini no início de Setembro (entre 2 e 4), não perca a Festa de Borg, uma manifestação popular que ocorre em anos pares e encarna o verdadeiro espírito do Borgo San Giuliano e recupera a atmosfera da cidade.
Caso viaje em família e com crianças, Rimini e arredores proporcionam múltiplas atracções para os mais pequenos. Uma delas é a Fiabilandia (na Via Gerolamo Cardano, 15, em Rivazzura, podendo recorrer ao autocarro n.º 9, que parte da estação, ao trólei n.º 11, desde o centro da cidade, ou utilizando a A14, saída Rimini Sud, caso disponha de carro), um parque temático semelhante à Eurodisney; tem também o Itália in Miniatura (na Via Popilia, 239, em Viserba, acessível de comboio e, desde a gare, de Rimini ou Viserba, utilizando o autocarro n.º 8, ou a saída Rimini Norte da A14 caso utlize viatura própria ou alugada), um parque de diversões que contempla os mais icónicos monumentos do país a uma escala reduzida; finalmente, o Aquafan, um parque aquático que celebra 30 anos em 2017 e que se encontra em Riccione (autocarro n.º 58 ou o 11 desde Rimini até ao final da linha e depois o 58).
Informações
Os cidadãos portugueses apenas necessitam de um documento de identificação (bilhete de identidade, cartão de cidadão ou passaporte) para visitar o país.