Fugas - Viagens

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Coasteering?: “Não penses, salta”

Por Carlos Cipriano

Progredir através da encosta rochosa da serra da Arrábida saltando para o mar, subindo rochedos, nadando, explorando grutas, é uma actividade radical que está a ganhar adeptos. A esta mistura de trekking, natação, escalada e espeleologia chama-se coasteering. Vai um salto para a água?

- Salta!
- Não sei, não sou capaz...
- Vá lá.
- É muito alto.
- Não olhes para baixo. Olha em frente e salta.
- Tenho medo...
- Não penses. Salta.

O diálogo é gritado. Metade do grupo flutua na água lá em baixo e a outra metade está ainda cá em cima. Uns expectantes e solidários com a rapariga que hesita sobre a rocha, outros confiantes e cheios de adrenalina à espera da sua vez para se lançarem ao mar. Por fim a jovem salta, cumprindo as regras, a mão a segurar o capacete para que a presilha não arranhe o pescoço com o impacto na água, mergulha e vem rapidamente à superfície sendo recebida por uma chuva de aplausos.

Os saltos das rochas para a água são a parte mais radical do coasteering. Há-os para todos os gostos, mas em geral não excedem os seis metros e o cenário em fundo é paradisíaco — as águas azul-turquesa da encosta da Arrábida, um mar calmo e uma corrente relativamente fraca.

Nada que se pareça às perigosas escarpas e ao mar bravio da costa inglesa, onde consta que teve início a actividade de coasteering. “Não deve ter sido uma coisa muito pensada. Foi mais ao estilo do ‘bora lá’. Os tipos começaram a mandar saltos para o mar e a avançar assim ao longo da costa”, conta Pedro Garrido, que, com Marco Lince, gere a Discover All Nature, empresa especializada em animação turística.

De alguma forma o coasteering é filho do canyoning (ou canionismo), que consiste em progredir ao longo de um rio transpondo os obstáculos através de escalada, rappel e saltos. O mesmo conceito passou assim a ser aplicado à progressão através da costa.

E é isso que agora se pratica nas escarpas marítimas da Arrábida que, segundo o monitor, tem condições ideais para este desporto. O mar não é violento, a paisagem é bonita e as rochas calcárias proporcionam a descoberta de covas e grutas ao longo do percurso.

Voltemos ao grupo. Um a um, todos iniciam o percurso com um salto para a água. Equipados com os fatos de neopreno, calções, colete salva-vidas, arnês e capacete, não é fácil nadar. Demonstrar as habilidades de um estiloso crawl está fora de questão. Na verdade, todos parecem uns sapos ou umas lontras a nadar contra a corrente que, a esta hora, na enchente, teima em empurrar o grupo em sentido contrário.

A melhor maneira é nadar de costas e é assim que se percorrem as dezenas de metros que separam a enseada de Alpertuche (Portinho da Arrábida), onde teve início este “passeio”, de umas salvíficas escadas de cimento talhadas na rocha por onde agora o grupo sobe até à próxima descarga de adrenalina — um rappel na rocha que tem a particularidade de ter a corda só até meio. Isto é, o feliz aventureiro vai descendo pela corda até que chega um momento em que não lhe resta alternativa a não ser deixar-se cair na água.

Pernas esticadas, corpo afastado da rocha, um braço segura a corda e controla a progressão, o outro não serve para nada. Saltinhos curtos. Numa parede lisa seria mais fácil, mas a rocha é irregular. Agora nem rocha há. Desce-se no vazio até que a corda acaba e, perante risos e gritos de excitação, os últimos metros são uma queda livre sobre o mar.

Estamos em frente a uma gruta de grandes dimensões na qual, depois dos olhos se habituarem à escuridão, se vislumbra um estranho altar. Helas! Isto do coasteering também tem uma componente cultural. À nossa frente está uma capela do século XVII, construída pelos pescadores em honra da sua padroeira. A julgar pela quantidade de velinhas e de ex votos ali presentes, a devoção mantêm-se ainda hoje dentro da gruta.

Próximo passo: o corrimão. Trata-se de uma escalada horizontal através de uma parede rochosa na qual Pedro Garrido e Marco Lince tiveram o cuidado de colocar uma corda que permite fazer a travessia em segurança. A alternativa talvez fosse mesmo ir pelo mar porque, em caso de queda, apesar da pouca altitude, a escarpa rochosa deixaria o corpinho bastante arranhado e maltratado.

Atenção à segurança. Os dois mosquetões vão presos à corda ao longo de todo o percurso, que termina com um novo salto sobre o oceano. Depois nada-se até à Lapa do Eremita, um local estranho onde se vêem os restos de uma habitação construída na gruta por um homem que ali viveu isolado. E depois há novamente rappel.

Na maré vazia o aventureiro é surpreendido na descida pelo aparecimento de uma gruta com águas de um azul-turquesa muito límpido nas quais apetece logo mergulhar. Ninguém resiste a explorar este local magnífico e há quem se sinta pirata das Caraíbas ou o conde de Montecristo e pergunte onde está a arca do tesouro.

Esta magia, porém, não acontece na maré alta porque a gruta fica submersa. Em contrapartida, os mais radicais aproveitam para dar saltos cada vez mais altos porque a profundidade da água o permite. Outros preferem apanhar sol estirados nas rochas ou explorar a nado as formações calcárias da encosta.

Em Agosto juntam-se barcos de recreio nas enseadas da Arrábida. Há quem passeie de canoa junto às rochas e até praticantes de paddle fazem a sua aparição deslizando sobre a água. Em terra há quem observe com estranheza este grupo colorido, equipado a rigor, que lá em baixo solta gargalhadas e gritos a nadar e a saltar por entre as escarpas.

O passeio termina junto à praia dos Pilotos da Barra. No trekking caminha-se, em média, três quilómetros numa hora. Na canoagem essa cifra é de 1Km/hora. E no coasteering progrediu-se à vertiginosa velocidade de 150 metros por hora. Ou seja, quatro horas para fazer 600 metros.

“Há dois tipos de pessoas que fazem isto: a malta viciada em actividades desportivas e radicais que quer experimentar uma coisa nova, e pessoas na casa dos 30 aos 40 anos que olham para trás e descobrem que nunca fizeram nada de muito aventureiro, que nunca saíram da sua zona de conforto e que resolvem inscrever-se.” É assim que Pedro Garrido traça o perfil dos seus clientes, acrescentando que uma grande parte vem arrastada por outros que já fizeram e que não resistem a partilhar a experiência e a recomendá-la.

A verdade é que, apesar do rótulo de actividade radical, o percurso é exequível por qualquer pessoa e não exige grandes atributos físicos. Até mesmo o saber nadar torna-se relativo. “Não precisam de saber nadar. Basta estarem à vontade dentro de água. Com o fato e o colete ninguém vai ao fundo”, diz o monitor.

A maioria dos participantes são casais, embora apareçam grupos de amigos e até pessoas sozinhas. Em termos de género, uma pequena surpresa: há mais mulheres do que homens a querer experimentar o coasteering.

Sagres, Figueira da Foz, Setúbal e Sesimbra são alguns dos locais onde se pratica esta actividade. Pedro e Marco têm em vista um percurso que pretendem inaugurar para o ano em Cascais. A partir daí, para Norte, é difícil porque o mar é perigoso. Por exemplo, o Guincho, o Cabo da Roca ou as encostas de Peniche e Berlengas são muito atractivas para os verdadeiros radicais que na Inglaterra inauguraram o coasteering, mas demasiado perigosas para nelas se comercializarem percursos organizados.

- Salta!
- Ai... isto é tão alto...
- Imagina que tens cães a correr atrás de ti.
- Sim, que tens um dragão a apanhar-te. Foge. Salta!
- Olha os gajos das finanças! Salta depressa.
- Força. Estamos à tua espera. Vem ter connosco.

O rappel nas escarpas, nadar num mar meio encrespado ao pé das rochas, escalar paredes na falésia, podem impressionar e provocar receios. Mas os saltos são claramente a origem de todos os medos.

Hesita-se, respira-se fundo, decide-se saltar, decide-se não saltar, olha-se para baixo, olha-se para a frente, olha-se para trás, faz-se tudo isso em segundos e de repente o vazio, o mergulho na água azulada e um triunfal e redentor regresso à superfície.

Tomás Domingos e Claudemira Pinto têm ambos 28 anos. Ele é militar, ela médica e é a primeira vez que praticam esta actividade. “Gostei muito disto. Senti um nervoso miudinho para saltar, até porque gosto mais de escalada na montanha do que na água, mas consegui”, diz Claudemira.

“Eu o que gostei mais foi vê-la saltar (risos). A sério, também gostei mais dos saltos porque o rappel já tinha feito nos exercícios militares”, diz Tomás.

João Santos, 31 anos, e Ana Mesquita, de 25, vieram, respectivamente, de Coimbra e Santarém e estão de acordo que o melhor de tudo foram os saltos. “Era o que eu tinha mais medo de fazer”, reconhece Ana. “Mas depois de ultrapassar o medo fica-se com vontade de repetir.”

Já Rita Rodrigues, 41 anos, psicomotricionista, diz que prefere o rappel. “O mais difícil foram os saltos. Gosto de desportos radicais e já fiz alpinismo. Adoro o rappel e o mais giro foi o rappel que acaba a meio e caímos na água,”

Para Sérgio Gomes, 38 anos, empresário, esta foi também uma primeira vez. “Na verdade já tinha feito estas actividades todas em desportos diferentes, mas assim tudo junto num só pacote foi uma estreia. As alturas assustaram-me um bocado. Apesar de eu achar que faço os desportos todos, descobri que as alturas não são a minha cena. Mas acho que isto está ao alcance de toda a gente e mesmo ao nível de segurança está tudo muito bem organizado.”

O tom de voz do monitor é calmo e confiante. “Não salte de cócoras. Mande bem o corpo para a frente e ponha a mão no capacete para não magoar a jugular ao entrar na água. Vá. É sem pensar. Não pense. Não olhe para baixo. Olhe para a frente e salte. Vá. Agora.”

Informações

Preços: a actividade custa 30 euros quando adquirida através dos cupões da Odisseias, Top Vendas, Descontos.pt e Lycolor. Está sujeita a um número mínimo de dez participantes. Pode ser comprada directamente na Discover All Nature ao preço de 165 euros por pessoa (grupo de dois), 55 euros para grupos de quatro, 50 euros para grupos de seis ou 30 euros para grupos de dez.

Contacto: 918294019; 915962970
disallnat@discoverallnature.pt
www.discoverallnature.pt

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