Rui Barbosa Batista tem um lema sobre viagens: “As boas histórias acontecem nos países complicados”. Até pode parecer uma frase feita de quem regressou há pouco de férias, mas este jornalista sabe do que fala.
Com 46 anos, Rui chegou a um número redondo (e invejável) na contabilidade de viagens: o Japão foi o 100.º país que visitou. Era “um sonho de há muitos anos”, diz, cumprido com outras dez pessoas em mais uma viagem com o cunho da plataforma Born Freee. Rui anuncia, no Facebook, onde vai, quando e com quantas pessoas está disposto a partilhar a viagem.
A Internet, a rede de contactos que foi fazendo e a vontade que muita gente tem de viver experiências diferentes lá fora fazem o resto. “Tem havido gente suficientemente louca para alinhar nisso”, brinca, apesar de este ser um assunto sério na sua vida. “Para relaxar, quando estou stressado, ponho-me a pesquisar viagens, destinos que não estou a pensar conhecer já. As férias são um bem escasso e precioso.”
Tudo começou porque os amigos não largavam o jornalista da Agência Lusa quando este viajava, sobretudo para os tais “países complicados”. Recebia muitos e-mails com perguntas sobre a viagem, que locais visitava, onde ficava, o que comia. Como não queria deixar de responder — “e perdia muito tempo com isso” —, criou o Born Freee, plataforma que funciona como uma “garantia de memória” dos 100 países que já conheceu. E das melhores histórias.
As favoritas são “as de fronteiras”, quando “viajar era mais romântico”. “Dava para fazer um livro só com isso: já tive que subornar polícias, passar fronteiras a fingir que não estava a perceber as pessoas ou a andar de boleia em boleia porque não se podia passar a pé”, conta, no Porto, onde vive desde que entrou para a faculdade.
Antes de explorar outros continentes, Rui deu “cinco voltas de carro à Europa, com amigos” — e começou “muito tarde”, antes de os voos low-cost abrirem horizontes a muitos. A exploração do “Velho Continente” está quase completa. Bielorrúsia, Islândia e Chipre são os únicos países europeus em falta. Correcção, eram. No dia que este texto é publicado, o vimaranense está na ilha do Mediterrâneo a riscar mais um país na sua lista. “Sou um vendido.
Tinha prometido a mim próprio que neste segundo semestre do ano precisava de abrandar e só ia ao Japão. Entretanto já fui ao Canadá e agora o Chipre.” Encolhe os ombros e aceita a inevitabilidade: “Tenho necessidade de, muito regularmente, ouvir uma língua estrangeira e provar comida diferente, viver em casas distintas.”
Andou pelos países bálticos oito vezes, quatro na China, três na Argentina e no Canadá, duas na Patagónia. O Egipto, a Birmânia e o Irão foram partilhados com mais viajantes, normalmente pessoas “que não querem ir sozinhas nem em grupo, numa agência, a seguir uma bandeirinha”. A maior parte são solteiros, “entre os 35 e os 45 anos”. “Antes da viagem, promovo um ou dois jantares em casa para todos se conhecerem, crio uma página no Facebook e todos contribuem”, explica. O programa nunca é fechado, a ideia não é “ir numa excursão”. “Não é o dinheiro que me move, o que quero mesmo é curtir, ter uma experiência fixe.”
Viciado no “imprevisto”
“Nas minhas viagens, a regra é: se queres tudo direitinho, vai com uma agência de viagens.” Rui é viciado no “imprevisto” — e a imprevisibilidade, como as histórias, é mais incrível nos “países complicados”. Os favoritos são, sempre, “os menos ortodoxos”. “O primeiro mundo, a mim, não me puxa muito”, confessa. “É muito igual em todo o lado. As paisagens mudam, sim, mas não experimentas propriamente dificuldades inesperadas.” Quando as coisas correm mal — e às vezes correm, claro, não se conhecem 100 países sem alguns calafrios —, “ficas com uma grande história”. “No momento, sofro; mas enquanto estou a sofrer, já estou a pensar como vou contar aquilo.”
Em “países direitinhos” seria mais difícil coleccionar momentos como aquele que viveu, em 2005, na Tunísia (e que relatou numa crónica, publicada no P3 em 2012). Num mercado turístico, Rui conheceu Muammar Abu Minyar al-Gaddafi (Khadafi), com quem conversou durante uns minutos entre “capangas e repórteres de imagem”. “Foi uma conversa cinco estrelas, sobre Portugal.” No fim, o fotógrafo oficial acedeu ao pedido de imortalizar o momento e as imagens foram entregues, em casa do jornalista, que recebeu correio de Khadafi.
É a prova de que o mais importante, nisto de viajar muito, “são mesmo as pessoas” — e a “gente verdadeiramente incrível” com a qual se tem cruzado, nos últimos 20 anos, tem mudado a sua consciência. Passar várias semanas na China, na África do Sul ou na Etiópia é benéfico até “para perceber que nós, no Ocidente, estamos com valores completamente invertidos”, reflecte. O mesmo é válido para o Irão — “possivelmente, o país de que mais gostei até hoje” — ou para a Colômbia, tudo estados “menos recomendáveis”.
Entre fotografias, vídeos e textos no Born Freee, Rui vai guardando o que vive mundo fora. Os carimbos ficam gravados no passaporte. Ou nos passaportes, que 101 países obrigam a mais do que um livrinho. “É uma relação difícil de explicar”, descreve, esta com o documento de identificação que abre fronteiras. O primeiro de todos, “com o carimbo do sítio mais austral do planeta”, nunca lhe foi devolvido: “Tenho um trauma por ter perdido esse primeiro passaporte que tanto me orgulhou.”
Finda a viagem no 101.º país, Rui já estará a pensar na próxima. A Argélia está na mira já para o próximo ano, bem como outro desejo antigo, o Quirguistão. Pelo meio, gostava de explorar mais o interior de Portugal. “Temos paisagens brutais, natureza profunda, paz, gente brutal, e eu tenho saudades do Portugal da minha infância e que ainda se consegue encontrar em aldeias pequenas.” Ir, conhecer pessoas, sentar-se num banco de pedra e ficar por lá. “As pessoas também gostam de falar com estranhos.”