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Aarhus: A Dinamarca não é só Copenhaga

Por Sousa Ribeiro

É a cidade dos cafés, a cidade dos museus, mas é também uma cidade que mantém a sua tendência para se abrir ao mundo, com um conjunto de iniciativas que nos mostram que há vida para além da capital do país. Aarhus, Capital Europeia da Cultura em 2017, existe, recomenda-se e pulsa de vida.

Único, luminoso e absolutamente mágico — assim define a organização o evento que marca o início das celebrações em Aarhus, já no próximo sábado, dia 21, com um programa que se estende das 19h até às 21h, curto mas repleto de magia, com sons angelicais, com músicas que o vento se encarregará de soprar para pairarem sobre as cabeças de uma multidão que dará as boas-vindas a uma das capitais europeias da cultura — a outra é Paphos, Chipre. Aarhus não tem dúvidas de que esta será uma das maiores manifestações comunitárias que alguma vez teve lugar da Dinamarca e, nesse sentido, faz desta noite um convite para que todos, sem excepção, tanto dinamarqueses como de outras nacionalidades, assistam à alvorada de um ano cheio de magnificentes eventos culturais.

O dia será, na verdade, de acordo com as iniciativas programadas, marcado por muitas das carícias com que a urbe da Jutlândia (o território mais extenso do país e o que apresenta a menor densidade demográfica) pretende presentear locais e visitantes, começando com uma verdadeira procissão nocturna que deixará o Musikhuset Aarhus às sete da noite e que será composta por milhares de lanternas, seis grandes barcos que nos transportam para o tempo do vikings, um coro que integra mais de um milhar de cantores, músicos, mais milhares de cidadãos com as suas embarcações profusamente iluminadas — tudo e todos darão o seu contributo para transformar o centro citadino num mar flutuante, de gente, de música, de cenários épicos.

No total, serão aproximadamente cinco mil os participantes neste cortejo cheio de luzes, obrigando os espectadores a suster a respiração, como quem está domiciliado ao céu, uma participação que não se remete a Aarhus mas a toda a região, um formigueiro humano que se encarregará de caminhar, de cantar e de gozar os prazeres da vida e, por muito fria que seja, da noite, acompanhado por músicos como Eivör Pálsdóttir, uma voz marcante das Ilhas Feroé, a Orquestra de Jazz e a Orquestra Sinfónica de Aarhus e ainda outras orquestras, todas elas cantarolando, cantando e tocando para um largo auditório mas também como se o fizessem apenas, como manifestação de gratidão, para o som produzido pelo mar, pelas suas ondas, por esse sussuro que tanto nos desperta como adormece.

A procissão culminará com um espectáculo de dimensões épicas, projectado como quadros num museu mas incidindo sobre os edifícios mais proeminentes do porto da cidade, cabendo a assinatura da realização da cerimónia de abertura a um nome que não suscita dúvidas, Nigel Jamieson, que trata o teatro e os eventos em grande escala como quem dá os bons-dias aos familiares, um homem cujo nome está associado a acontecimentos ímpares como os Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, onde dirigiu a icónica Tyn Symphony para a abertura dos mesmos, a cerimónia de encerramento dos Jogos da Commonwealth de Manchester e, ainda, a cerimónia de abertura de Liverpool, em 2008, quando a cidade inglesa foi eleita como uma das capitais da cultura nesse ano.

Casas de outro tempo

Logo que as sombras nocturnas avançam, as esplanadas junto ao canal ganham alma e, aos poucos, o lanço de escadas que desagua na água enche-se de grupos de jovens, de casais de namorados que vão conversando e rindo por entre goles de cerveja. Mal o dia nasce, o ambiente festivo dá lugar a uma atmosfera em que pouco mais se escuta do que raros e fracos sons, respeitosa, como a que se pede a quem se passeia, sem pressas, por um museu.

Aarhus, uma das capitais europeias da cultura este ano, é um museu. Mas é, mais em 2017 do que no passado, não apenas um museu, mas uma cidade aberta, tolerante, que defende a arte, que respeita as tradições, que enfatiza e molda os novos conceitos da gastronomia suportados pelas ideias dos mais velhos, com um coração que pulsa nas suas ruas, com uma alma que promete transformá-la não em mais uma cidade dinamarquesa, dos cafés e dos museus, mas numa cidade que vale a pena visitar e admirar, como quem passa, pausadamente, os olhos por um conto do vizinho (de Ostende) Hans Christian Andersen. 

É esse o ar que se respira, de museu, quando, caminhando sob o firmamento pálido, parto à descoberta da Den Gamle By, a cidade antiga, um museu ao ar livre feito de casas que numa época mais distante repousavam sobre a terra de outros lugares próximos da cidade dinamarquesa. Como numa construção de legos, todas elas, algumas com uma vida de mais de quatro séculos, parecem encaixar na perfeição e contribuem para tornar mais harmoniosas e mais belas as artérias onde, aqui e acolá, me cruzo com um artesão que teimosamente dá continuidade a técnicas manuais que são de um outro tempo mas tão do agrado pelo menos dos mais pequenos.

Continuo a caminhar por Den Gamle By e aprecio, mais do que tudo, essa felicidade, menos efémera do que a dos adultos, a felicidade dos miúdos, observando, de forma afectuosa, o labor de artistas, dessas técnicas perdidas, de fabricantes de velas, de agulhas, de sabão, e surpreendidos com um mundo que não esperavam encontrar a não ser num supermercado, entre prateleiras ordenadas que tudo lhes oferecem, a eles e aos pais.

Um dia antes da cerimónia de abertura, já na próxima sexta-feira, Aarhus, seguindo a tendência do país de tornar mais bela a vida das crianças, convida os mais pequenos de toda região central da Dinamarca, representando 19 municípios, a assistir a uma jornada que tem tanto de maravilhosa como de divertida na procura dos lugares e das paisagens mágicas e especiais, um projecto denominado Land of Wishes, a terra ou um mundo de desejos que funcionará com uma espécie de cortina que se abre para o início das festividades mas também para o futuro, imaginando esses dias que estão para chegar de uma forma criativa e tendo como pano de fundo uma dança e uma música únicas, da autoria dos conceituados intérpretes Alberte Winding e Jan Rørdam e inspirada nos desejos e nas esperanças das crianças para dar as boas-vindas a um ano que se prevê verdadeiramento mágico para a cidade.

A lista de acontecimentos é extensa, não cabe neste espaço, mas alguns não podem, de forma alguma, ser ignorados. Aarhus fervilha de vida, é um mar de cultura, nada nem ninguém a pode deter em 2017, quase levando os mais pequenos e os pais a ignorarem os lugares mais míticos da Den Gamle By, por onde continuo a desfrutar da minha errância, da minha quietude, da minha melancolia, porque o lugar a isso mesmo nos conduz, calmamente, tornado-nos melancólicos, exacerbando essa saudade tão portuguesa, essa nostalgia que nos atormenta quando olhamos esse passado feito de alguns objectos que aprendemos a admirar e, não raras vezes, a ver como funcionavam sem perceber a sua mecânica. Com que espanto perscruto o interior da farmácia velhinha de tantos séculos, com que êxtase, maior ainda do que a coleccionador de artefactos, pouso os meus olhos naqueles frascos de cerâmica, de um ano que não me atrevo a perguntar, como um ignorante incapaz de confrontar tanta sabedoria. Den Gamle By pede-me, a mim e a todos, algum tempo, a sua harmonia, as suas casas habitando aquele espaço como se nenhum outro conhecessem, carecem de companhia, motivam a reflexão, obrigam a pensar na evolução dos tempos, mais ainda na Dinamarca, onde o design representa, nos dias de hoje, uma inovação sem limites e sem fronteiras — quando visito, mais ou menos demoradamente, algumas destas casas que por vezes me parecem olhar com tristeza por terem abandonado o seu habitat natural, tenho mais facilidade em compreender a evolução da decoração de interiores no país, o próprio desenvolvimento do país em áreas tão distintas, em parte saudosista desses tempos que o continuam a cativar mas de olhos bem postos no futuro.

A herança viking

Um dia, já com o sol atirando os seus raios sobre a Terra, visitei Moesgård e o seu museu abrigado numa mansão que nos remete para a aristocracia do século XVIII, um museu que erra pelo tempo da mesma forma que um viandante erra pelo mundo — nele nos tornamos menos ignorantes, nele aprendemos e apreendemos mais sobre a Idade da Pedra e a Era Viking, nele observámos, com espanto, o homem de Graballe, esse corpo intacto e tão completo que foi resgatado de uma zona não muito distante e pantanosa, um corpo que remonta ao ano 55 a.C., alegadamente submetido a uma morte ritual, provavelmente menos violenta do que a que enfrentaram outros quatro corpos encontrados nas proximidades, dois deles femininos e nus, à excepção de um gorro de pele que um deles ostentava na cabeça.

No mesmo museu, em Moesgård, mas no topo do edifício, terá lugar um dos momentos altos do programa da cidade para o ano que agora começa — o Røde Orm, uma extraordinária saga viking que é o resultado de uma colaboração que envolve o Teatro Real Dinamarquês, o Museu Moesgård e a organização do Aarhus 2017. A performance baseia-se numa lenda viking que certamente irá seduzir muitos dos visitantes e residentes e é considerada pela organização como uma das maiores manifestações culturais a céu aberto a que alguma vez a Dinamarca assistiu. Sob a direcção de Frede Gulbransen, Røde Orm é uma adaptação do romance clássico de Frans G. Bengtsson feito por Henrik Szklany, durante a qual a assistência irá seguir, de forma entusiástica, Orm, o protagonista que em criança foi tornado prisioneiro e mantido como escravo num barco viking. A peça acompanha o percurso de Orm e enfatiza o seu temperamento ao ponto de ser aceite, ainda que de forma gradual, como um dos membros da tripulação, uma coexistência que marca apenas o início da sua aventura através da Europa e do Médio Oriente, até essa longa jornada o devolver, tempos mais tarde, ao castelo de Jelling, antes de criar inimigos e amigos — e sem esquecer uma ou outra paixão.

Gosto de escutar esta música, imaginando o silêncio à minha volta: “There is a black river/ It passes by my window/ And late at night/ All dolled up like Christ/ I walked the water/ Between the piers/ Singing/ Oh/ River of sorrow/ river of time, river/ River of sorrow/ Don’t swallow this time”.

Anthony and the Jonhsons, agora transformado em Anohni, é o artista residente de Aarhus enquanto capital europeia da cultura, o artista que também deseja evoluir, como a cidade que cria projectos como Coast to Coast, como Water Music, como Aarhus Story, como River Art 2017, como festivais de literatura infantis, com temáticas como “O que seria se algum dia as mulheres mandassem no mundo”, como The Journey, uma iniciativa que fica a martelar no meu cérebro, porque The Journey é também uma viagem, um itinerário que, organizado pelo Moesgård Museum e o Filmby Aarhus nos conduz, desde a tenra idade, da Dinamarca até África, depois até ao Sul da América, mais tarde ao encontro da Oceania, à América do Norte, ao Pólo Sul e, finalmente, à Àsia — porque todos somos seres humanos, porque há sempre algo de humano em nós, porque a viagem, a de Aarhus e a da vida, é feita de amor, de crenças, de receios, de sentimentos de perda e, por fim, uma vez mais porque somos todos humanos, de morte.

Ignoro se, algum dia, Hans Christian Andersen, natural da vizinha ilha de Fionia, mais concretamente de Odense, onde sempre se recusou a voltar, passou, durante a sua existência, por Aarhus. Mas, no momento em que deixo a cidade, ao pensar na história do patinho feio, na história do soldadinho de chumbo, em tantas outras que foram preenchendo o meu imaginário de criança, nada mais me ocorre do que uma frase do escritor que ultrapassará os meus dias e os de tantos outros que estão para nascer e para morrer — viajar é viver. Até que a morte nos encontre, como em The Journey, em Aarhus.

 

Guia prático

Quando ir

Aarhus está situada numa zona que goza de um clima continental húmido e as condições atmosféricas sofrem forte influência do sistema de baixas pressões. A instabilidade é uma constante ao longo do ano, mas, pelo menos em teoria, as temperaturas são amenas em Abril e Maio, sobem significativamente entre Junho e Agosto, enquanto Setembro e Outubro recebem, por norma, dias chuvosos e com vento, antecedendo os dias frios de Inverno, que se podem prolongar de Dezembro a Março, por vezes com neve e gelo. Para quem não teme o frio, esta pode ser a melhor época para visitar a cidade; durante o período que vai da Páscoa a Setembro, as noites são brancas e longas. Julho e Agosto, com 15 graus centígrados de média, são os meses ideais para se conhecer o país — a baixa altitude e a proximidade do mar produzem variações mínimas do clima na Dinamarca.

 

Como ir

Diferentes companhias aéreas ligam Lisboa a Copenhaga mas apenas a TAP e a easyJet efectuam o trajecto entre as duas capitais sem qualquer escala. Desde Copenhaga, pode utilizar o avião, o comboio ou o carro para chegar a Aarhus.

Se adquirir um AarhusCard tem a possibilidade de viajar de forma gratuita nos autocarros amarelos e azuis nas zonas 301, 302 e 303, as quais cobrem a maior parte das atracções da cidade e, caso utilize carro próprio ou viatura de aluguer, o cartão também lhe dá direito a estacionamento grátis. Tenha em atenção que um novo cartão, com mais ofertas, será lançado no próximo mês de Fevereiro. Entre as vantagens, o AarhusCard garante 30% de desconto em Den Gamle By, o museu ao ar livre da cidade antiga, no ARoS Aarhus Art Museum e no Moesgård Museum.

 

Onde dormir

Com um estatuto de quatro estrelas, o Comwell Aarhus (www.comwellaarhus.dk), na Værkmestergade 2, recebe-o num edifício moderno, com a assinatura da conceituada Hay, o que significa uma decoração contemporânea com forte inspiração nas décadas de 50 e 60 do século passado. O hotel tem mais de 200 quartos, divididos por 12 andares, com panorâmicas soberbas sobre a cidade e uma tarifa diária que ronda os  . Para quem viaja com menos dinheiro, há múltiplas alternativas na cidade, como o City Sleep-In (www.citysleep-in.dk), na Havnegade, 20, o Danhostel (www.aarhusdanhostel.dk), menos central mas situado no meio de uma floresta e a curta distância da praia, tanto para norte como para sul da cidade, na Marienlundsvej, 10, em Risskov, e ainda o Aarhus Hostel (www.aarhushostel.dk),  localizado num subúrbio a dez quilómetros do centro, na Beringvej, 1, em Hasselager, com singles, duplos e espaços para quatro pessoas.

 

Onde comer

Goza de um ambiente sofisticado e é, provavelmente, o melhor restaurante da cidade — é o Frederikshoj (www.frederikshoj.com), na Oddervej, 19/21, um dos bons exemplos da cozinha nórdica, com pratos bem confeccionados e uma apresentação soberba. Para uma ementa inovadora e contemporânea da gastronomia à qual não falta um toque francês, tente o Et (www.restaurant-et.dk), na Aaboulevarden, 7, também com uma boa lista de vinhos, quase todos servidos a copo. Em Aarhus, como um pouco por todo o lado, as tapas e o sushi são muito populares, pelo que pode experimentar o Morena Mia (www.restaurantmorenamia.dk), na Nørre Allé 98, e o Sota Sushi Bar (www.sotasushibar.dk), na Vestergade, 48, ou o Restaurant Soya 2 (www.restaurantsoya.dk), também em Vestergade, mas no número 36 (da mesma cadeia, mas mais luxuoso, tem como alternativa o Soya, na Jægergårdsgade). Agradável pode tornar-se, também, a experiência no mercado central de comida, na Skt. Knuds Torv — e imperdível a de se deliciar, num dos muitos cafés de Aarhus (vulgarmente designada como a cidade dos cafés), com as típicas sandes smørrebrød.  

 

Informações

Para visitar a Dinamarca apenas de precisa de um documento de identificação — tanto pode ser o passaporte, como o bilhete de identidade ou ainda o cartão de cidadão.

A língua oficial é a dinamarquesa mas uma parte significativa da população (especialmente entre os mais jovens) domina o inglês.

A moeda oficial é a coroa dinamarquesa e um euro equivale a aproximadamente 7,40 coroas.

Em caso de necessidade, Portugal dispõe de uma embaixada em Copenhaga, na Toldbodgade, 31, 1, que pode ser contactada através do telefone 00 45 33 13 13 01 ou do correio electrónico copenhaga@mne.pt.

Para consultar o programa de Aarhus como Capital Europeia da Cultura deve aceder a www.aarhus2017.dk, onde pode obter todas as informações sobre os projectos e as propostas da cidade até Dezembro nas mais diferentes áreas culturais.

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