A escuridão descia sobre a terra e sobre as nossas cabeças o céu nocturno de Uppuveli iluminava-se de todas as estrelas. Retalhos de uma luz ténue dançavam no rosto da mulher que se sentava à minha frente, um rosto bronzeado e sulcado de rugas como alguns dos caminhos, depois das chuvas, que me conduziram até uma casa onde, numa noite como esta, silenciosa, escuto o rumor do mar e deito de vez em quando um olhar ao casal de crianças que dividem o tempo entre os trabalhos de casa e um desenho para mim ou para a mulher de cabelo curto e olhos verdes que me faz companhia.
- Quando casei, já tinha um filho, resultado de um acidente, de uma noite romântica numa praia para onde fôramos com o pretexto de celebrar o Midsummer, porque em Oslo não se festejava, era tudo muito aborrecido. Ele chamava-se François, escapara ao regime de Franco. Não me pergunte como, mas ele chegou à Noruega pouco antes de completar 15 anos, à procura de uma amiga que conhecera, uma funcionária das Nações Unidas.
Já antes apreendera o humor com que me relatava algumas das suas experiências de uma existência feita de múltiplas viagens. Imaginava que, depois do lado dramático de mais um relato, algo capaz de me fazer rir com vontade estaria a caminho. Como se ela, já contagiada pelo sorriso eterno do povo, personificasse a história recente do país, erguendo-se depois de guerras e catástrofes naturais.
- Ao fim de algum tempo descobri que ele tinha problemas, que bebia muito e, mais do que isso, que não podia ser um pai. Nessa altura, eu era enfermeira e, uns anos mais tarde, outra vez grávida, casei com um médico que aceitou adoptar o meu primeiro filho.
Ela esboça um sorriso que é um prenúncio das palavras humoradas que estão a chegar-lhe aos lábios.
- O meu marido era, já nesse tempo, um médico conceituado, para quem os pacientes estavam acima de tudo. Disse-me que não podia ir de lua-de-mel comigo, que não tinha tempo. No início, ainda pensei que não o devia levar a sério. Mas quando dei por mim já estava sentada num avião, a caminho da Grécia, com a minha irmã, o meu filho e grávida de outro. Ainda hoje acredito que sou um caso raro no mundo, a única mulher que foi de lua-de-mel com a irmã, um filho pela mão e outro na barriga.
Randi Nilsen passa quatro meses por ano no Sri Lanka, numa casa alugada, a meia dúzia de passos da guest house onde me encontro, em Uppuveli, e da praia que espero ver amanhã, quando o sol se levantar, aclamada como uma das melhores na região de Trincomalee e de volta aos seus dias de paz após anos e anos de conflitos.
- Caminha até ao final, para a tua esquerda, há uma aldeia de pescadores muito bonita, cheia de cor, do outro lado do rio.
Randi Nilsen regressa a casa, para terminar mais um esquema de palavras cruzadas que depois enviará para uma revista de saúde norueguesa. Haveremos de nos encontrar mais vezes nos próximos dias, para rir como se ri no Sri Lanka.
Nada mais se deseja
Mal acordara daquele sono profundo e retemperador, ainda aos primeiros alvores do dia, e deixei os meus passos levarem-me na direcção de onde vinha o rumor das ondas. Para quem, como eu, acabara de chegar de Jaffna, dessa cidade inacessível durante a guerra, Uppuveli surgia, mesmo sob nuvens baixas e cinzentas, como a primeira praia que realmente cativava o meu olhar, embora por vezes distraído mas quase sempre inquiridor. O sol procurava, já com alguma força, romper por entre aquele cortinado que não ameaçava chuva, um quadro tão do agrado das vacas indolentes que me olhavam com indiferença e menos dos poucos turistas que, a estas horas madrugadoras, estendiam as suas toalhas sobre as areias que acolhiam tudo o que o Índico rejeitara ao longo de uma noite em que namorara a praia.
Caminho, seguindo o conselho de Rami Nielsen, para a esquerda; para a direita, como uma varanda sobre o mar, avisto uma elevação que deve ser um miradouro com uma panorâmica soberba sobre a grande extensão de areia de Uppuveli; no final, identifico uma forte corrente de água que não me convida à travessia mas um barco pequeno aproxima-se, com dois homens em pé que parecem perscrutar nos meus olhos uma necessidade de consolo, talvez um pouco semelhante à de um náufrago — encostam a embarcação o mais que podem à margem e incitam-me, com gestos e sem palavras, a saltar para o interior, para me levarem até ao outro lado, onde a vida ganha mais vida e, como garantira a norueguesa bem-humorada, mais cor.
Há barcos ancorados, outros a chegar, outros ainda a partir; uns descarregam grandes quantidades de peixe, alguns partem para a pesca, mas a maior parte lança-se aos perigos do mar pouco depois da meia-noite e volta entre as seis e as sete da manhã — e todos os barcos, mais modernos ou mais primitivos, estão pintados de tonalidades que prendem o olhar. As palmeiras, com os seus troncos esguios e as suas folhas, reflectem-se nas águas como num espelho; contra o céu, cada vez mais azul, recorta-se, numa estabilidade precária, um pescador solitário e, ainda mais para lá, quase sobre a linha do horizonte, um cargueiro sulca as águas cada vez mais prateadas do imenso oceano.
Um caminho, em parte alcatroado, em parte em terra batida, bordejando o riacho que serve de porto de abrigo aos barcos e aos pescadores, conduz-me até um pequeno bar de paredes escurecidas e despidas; logo atrás, o mercado fervilha de vida, os vendedores, curiosos face à presença de um único turista, desviam os olhares das balanças rudimentares onde pesam o peixe para me observarem antes de me sorrirem, como quem, ao fazê-lo, aceita a minha presença. Homens com a água até à cintura, por vezes de lenço na cabeça para se protegerem do sol que já promete incendiar tudo à sua volta, atiram as suas redes e olham para aqui e para acolá de uma forma sonhadora ou apenas ausente.
Vestígios de turbulência
A vida, vivida de novo com alegria, entronca por vezes nos fantasmas da morte que a memória vai guardando num canto, como um utensílio sem utilidade que salta à vista quando se abre um armário. Aos poucos, um lugar martirizado, turbulento, reencontra a sua quietude, o ritmo de anos não muito distantes em que recebia, de sorriso emoldurado no rosto, os turistas com vontade de chegar e de adiar a partida. Quem avista pela primeira vez a praia de Uppuveli sente que tem tudo e nada mais deseja, mas Uppuveli oferece outros atractivos, um deles encerrando uma história triste e que se escreve no bem preservado cemitério da guerra da Commonwealth, servindo de última morada a mais de 600 homens que morreram em Trincomalee durante a II Guerra Mundial, a maior parte deles na sequência de um raide japonês no dia 9 de Abril de 1942 que afundou mais de uma dúzia de navios. Agora, nesta zona onde os bombistas suicidas dos Tigres de Libertação do Eelam Tamil (LTTE) usavam as embarcações para enfraquecerem o moral das tropas inimigas, colocando minas e lançando torpedos, a marinha já autoriza de novo excursões até Pigeon Island, e que os barcos, embora com poucos turistas ainda, cortem as águas do mar em busca do momento mágico em que se avista uma baleia ou um grupo de golfinhos.
Um tâmil, com quem me cruzara no mercado de peixe já depois de ter visitado o Salli Muthumariamunam Kovil, um templo com vista para o mar, e de um longo amplexo, do alto da suave colina, à língua de areia da praia de Uppuveli, convida-me para tomar café na sua casa. Leva-me na sua motorizada, pelo meio de uma vegetação grata aos humores do clima, para conhecer a sua família; mostra-me fotografias dos filhos que trabalham na Suíça, mais os buracos das balas nas paredes exteriores, fala-me de horrores, de torturas, encarna no rosto (e provavelmente na alma) uma tristeza que só mais tarde adquire um sorriso, no momento em que, despedindo-se de mim, me deixa na estrada asfaltada que segue para Nilaveli, mais uma das praias onde o viandante não aspira a muito mais do que a uma toalha e durante muitos anos considerada uma das mais belas de todo o país. São quilómetros de areia dourada, uma ou outra infra-estrutura com vocação turística, a proximidade ao Parque Nacional Marinho de Pigeon Island (não mais de dez minutos de barco), um conjunto de ilhotes rodeados de pequenas praias e de recifes de coral que são os mais bem conservados do Sri Lanka. No caminho de regresso à estrada, cruzo-me com um casal já para lá da meia-idade e escuto ecos do passado, a triste realidade de um povo alegre por natureza.
- Olhe para os meus braços. Fico com pele de galinha só de recordar esses momentos. Eu e a minha mulher tivemos de abandonar Unaveli três vezes. Mas está tudo na mesma, com a diferença de que antes havia ruído e agora reina o silêncio. Se eu, por exemplo, viajar de autocarro, lendo um jornal tâmil, os muçulmanos queixam-se. Onde estão os nossos direitos, o acesso à escola e ao emprego serão iguais para todos? Estive três anos e meio preso, fui torturado, pendurado pelos pés ao tecto, conta-me Mattullai Fernando, para quem a vida voltou a sorrir com a ajuda de uns amigos alemães que pagaram a um advogado de forma a poder ver de novo a luz do dia.
Em Maio de 2009, após 26 anos de conflitos entre os militares e o LTTE que terão provocado mais de 70 mil mortos, estes últimos, encurralados, admitiram a derrota — uma estrada de esperança abria-se para todos e hoje, oito anos depois de restabelecida a paz, o país, um dos mais belos do mundo, volta a receber turistas, mesmo no Norte, onde a guerra deixou mais marcas. No espaço de um ano — o primeiro após o fim das hostilidades —, o antigo Ceilão, assim designado até 1972, recebeu 400 mil visitantes e em 2011 esse número subiu para 1, 5 milhões, espalhados um pouco por todo o país e ocupando praias que durante mais de dois decénios não viram um único ocidental.
Trinco e o lingam
Antes de rumar mais para sul, sentado à janela de um autocarro que tantas vezes me deixa ver o mar, dedico um pouco do muito tempo de que disponho para errar por Trincomalee, uma cidade onde vivem umas 60 mil almas e situada mesmo ao lado de um dos mais bonitos portos naturais do mundo. Trinco, para os mais íntimos, acolhe um dos mais importantes lugares espirituais da comunidade hindu, o Koneswaram Kovil, um templo que, por sua vez, abriga o resgatado lingam (um símbolo fálico hindu), conhecido entre os locais por Swayambhu Lingam e com uma história a que estão associados os portugueses — não a conto por agora, ainda tenho de suar até chegar ao lugar que traça as suas origens.
Fico, durante uma hora ou mais, a observar a pitoresca Dutch Bay, com os seus barquinhos coloridos, uma vez ou outra ajudo os pescadores a arrastarem para a areia as suas frágeis canoas, converso com eles e depois, sob um sol tórrido, caminho na direcção do Forte Frederik, construído pelos portugueses, reconstruído pelos holandeses e com uma porta que também é um túnel repleta de insígnias britânicas. Parte da estrutura está ocupada pelos militares mas ninguém me impede a entrada e, ao contrário do que sucedia ainda num passado recente, já não há lugar para qualquer medida de segurança — um soldado, curioso e sorridente, oferece-me mesmo uma manga acabada de colher e que tempera com sal. Com outros dois subo até me sentir um anão ao lado da imponente estátua de Buda que domina o templo Gokana e, agora sozinho, avanço ainda mais, ao encontro de Swami Rock, um penhasco que se eleva a 130 metros e vulgarmente designado como o salto dos amantes.
A panorâmica sobre Trinco, o mar e os barcos com as suas tonalidades bem definidas, sobre a Back Bay, mesmo até bem mais para lá, abarcando Uppveli, tudo prende a minha atenção antes de focar o meu olhar numa antena de rádio que se projecta mesmo em frente a Swami Rock. Neste lugar, existia em tempos um mítico palácio habitado por um demónio de dez cabeças, o rei Rawana, anti-herói de Ramayana, a quem supostamente terá raptado a mulher, Sita, levando-a para o Sri Lanka juntamente com o Swayambhu Lingam que recolhera no topo de uma montanha tibetana e que logo começou a ser objecto de veneração.
O mar, aos meus pés, está sereno.
Muitos anos mais tarde, em 1624, os portugueses destruíram o templo no dorso do rochedo escarpado, lançando toda a estrutura, incluindo o lingam, nas águas do oceano. O símbolo fálico apenas foi recuperado em 1962 por uma equipa de mergulhadores que tinha como companhia Arthur C. Clarke — o escritor descreveu a experiência em The Reefs of Taprobane e o operador de câmara, Mike Wilson (1934-1995), o primeiro a ver o lingam, viveu uma experiência tão profunda que renunciou à sua carreira e à própria família para se tornar no hindu Swami Siva Kalki.
Ao encontro de Arugam
No terminal, por onde se passeiam os veados, apanho um autocarro com destino a Batticaloa mas peço ao motorista para me deixar uns quilómetros antes, num cruzamento, em Valaichchenai. À boleia, com um padre protestante, e a pé, chego a Passekudah, uma curva de areia de cortar a respiração, onde os coqueiros se lançam sobre as águas cristalinas entregues a uma única família que vive um momento de felicidade e numa simplicidade que contrasta com a imponência do resort recentemente construído quase sobre a praia e vigiado por um segurança. Também eu me sinto feliz por ver Passekudah nesta quietude mas imagino já a praia daqui a uns anos, quando, uma vez cumprido o desejo das entidades governamentais, for quase engolida por 14 hotéis luxuosos, enchendo de satisfação alguém que um dia sonhou em transportar Cancún para o Sri Lanka. Ando um pouco mais, uns dois quilómetros, para sul, pelo meio da vegetação, e chego a Kalkudah, uma bonita baía, uma meia dúzia de turistas e alguns pescadores com quem vou conversando estendido na minha toalha, grato por abraçar este cenário de fantasia, sobre as areias finas que de quando em vez me conduzem às águas que rebrilham à minha frente.
Neste país que não pára de me encantar, à boleia, de autocarro, de tuk-tuk, por vezes olhando os estragos provocados, em 2004, pelo mar enfurecido, é já de noite que Arugam Bay me recebe, como se, na sua intimidade, desejasse esconder-me toda a sua beleza até à manhã do dia seguinte.
Nessa noite, iluminada por um ou outro relâmpago que furava as trevas, o meu quarto estava instalado numa árvore; regressava à minha infância e escutava, pela madrugada dentro, o tumulto do mar.
- Era domingo, não havia escola e eu não estava em casa. Foi a minha mulher, meses depois, quem me contou...
A voz embarga-se-lhe e desvia o olhar até à pequena janela que emoldura um mar agora sereno.
- A minha filha mais velha, com 13 anos, estava a tomar banho. A outra, com 10, brincava com o irmão mais novo, de oito. Eram 8h40 quando as primeiras ondas gigantes, com mais de dez metros, levaram tudo à sua frente. Vinte e cinco minutos mais tarde, o cenário repetiu-se e, finalmente, às 9h45, outra vez.
Ramlan Mresuana limpa as lágrimas com as costas da mão esquerda, na outra tem uma faca com que vai cortando os legumes às primeiras horas de uma manhã esplendorosa, em Arugam Bay.
- Morreram todos e a minha mulher, que também estava em casa, foi internada num hospital, em Colombo, onde esteve seis meses em coma.
Ramlan Mresuana recompôs a sua vida, aluga um pequeno espaço onde prepara e serve comida deliciosa — e tem um filho. Mas a recordação trágica daquela manhã de 26 de Dezembro de 2004, quando o tsunami roubou a vida a mais de 30 mil pessoas em todo país, deixando muitos mais feridos, sem abrigo e órfãos, essa Ramlan Mresuana continua a carregar e dela não se desprenderá até aos fim dos seus dias.
Há um único turista fazendo exercício naquela que é uma das praias preferidas dos turistas no Sri Lanka, uma praia pela qual caminho até um riacho me obrigar a desviar para o interior, até uma ponte onde fico a observar os pescadores, as casas que se insinuam por entre a vegetação, bordejando a lagoa de águas dóceis. A estrada corre para sul, chega a Panama, depois a Okanda e, para lá desta, estende-se o Parque Nacional Yala East e a Reserva Kumana, território de pássaros, de veados, de elefantes e, embora mais raros, de leopardos.
O mar, esse monstro
Sou obrigado a um desvio de muitos quilómetros, de Pottuvil a Monaragala, de Monaragala a Hambantota e, finalmente, outra vez tendo o mar como vizinho, chego a Tangalla, a meio de uma tarde que ainda me oferece algumas horas de sol. Sentado numa esplanada, ouvindo o som das vagas, deixo que o dia decline sobre a praia de Medaketiya.
Quando a manhã desperta, anunciando mais um dia glorioso, caminho ao longo de Medaketiya, detenho-me na lagoa, na parte da praia decorada com mais barcos, volto a ajudar os pescadores a colocarem as suas embarcações em zonas mais abrigadas; assisto a todo aquele frémito de vida e inspiro as fragrâncias que anunciam a proximidade do porto de pesca e do mercado de peixe, onde tomo café com os pescadores antes de passar pela Rest House, em tempos ocupada por administradores holandeses, e de me entregar à tranquilidade de praias como a de Goyambokka e Marakolliya.
Durante uma semana fico instalado em Galle, a cidade que me serve de base para conhecer algumas das mais inspiradoras praias do sul da ilha. Um dia, vou um pouco para norte, até Hikkaduwa, descoberta pelos hippies na década de 1970 e perfeita para quem se está a iniciar no surf; a maior parte do tempo, recorrendo ao mitíco comboio que liga Galle a Matara, uma linha arrancada pelas ondas do tsunami, passo-o na zona leste, em paraísos como Polhena, a escassos três quilómetros do centro de Matara, onde a vida decorre sem pressa, em Mirissa, mais ídilica ainda e tão próxima de Weligama, onde gosto de me sentar, num rudimentar banco de madeira, olhando os pescadores, as vacas, os surfistas, a minúscula ilha mesmo à minha frente, a Taprobana, refúgio de artistas e escritores, como Paul Bowles, que aqui, neste lugar onde se pode dormir por um pouco mais de mil euros, escreveu The Spider’s House nos anos 50 do século passado.
Ando muito tempo a pé, sempre junto ao mar, esse mar onde as crianças e os adultos passavam muito do seu tempo, mesmo não sabendo (como a maior parte da população) nadar, esse mar que a determinada altura passaram a ver com um monstro que rouba vidas e empregos, destrói casas e deixa milhares e milhares sem um tecto; faço companhia a pescadores, a três crianças de olhos negros e brilhantes que se banham nas águas revoltas do oceano, descubro a excelência da baía de Unawatuna, mais uma praia para sonhadores, percorro-a de uma ponta à outra, aprecio-a do alto de um promontório e, uma vez de regresso às suas areias, inicio uma caminhada mais longa que me irá levar, ao fim de algum tempo, a uma das praias mais isoladas, a Jungle Beach, onde me limito a deixar o tempo passar como se dele nada mais esperasse. Deito os olhos a um mapa, a essa forma de lágrima, procuro localizar as mais belas praias por onde errei ao longo de semanas e a recordação mais vívida que me chega à memória é a de todos os sorrisos que fizeram o favor de me oferecer nesta ilha com tantas lágrimas derramadas.
Guia prático
Como ir
Uma vez que não há qualquer ligação aérea entre Lisboa ou o Porto e Colombo, quem pretender viajar para o Sri Lanka terá, inevitavelmente, de fazer pelo menos uma escala. Diferentes companhias aéreas servem a capital do país mas, atendendo à qualidade do serviço, às horas de escala e à tarifa praticada, duas delas parecem ganhar alguma vantagem sobre as outras — a Turkish Airlines (www.turkishairlines.com) e a Emirates (www.emirates.com). No caso da primeira, tendo como referência, por exemplo, a última semana de Fevereiro e os primeiros dias de Março, espere pagar cerca de 780 euros, devendo contar com uma escala em Istambul. Quanto à Emirates, proporciona preços na ordem dos 830 euros, com uma paragem no Dubai. Não deixe, ainda assim, de fazer uma pesquisa junto de outras, como a Lufthansa e a KLM, ou de tentar destinos próximos e provavelmente mais em conta, tendo em atenção que a AirAsia, por exemplo, serve Colombo desde diferentes cidades do continente asiático. De resto, desde o aeroporto internacional de Bandaranaike, em Colombo, pode optar por um táxi ou pelo autocarro 187, que o deixará no terminal da cidade (Bastian Mawatha) e, desde este, é fácil movimentar-se por toda a ilha, com bons preços mas talvez pouco do agrado daqueles que não abdicam de um certo conforto e que têm pavor à velocidade e a algumas manobras perigosas (prepare-se para ouvir buzinar durante uma grande parte do percurso mas também para viver experiências que permanecerão por muito tempo na memória).
Quando ir
A melhor altura para visitar o Sri Lanka é entre Dezembro e Março, teoricamente os meses mais secos para percorrer a costa ocidental e a parte sul do país, enquanto a parte oriental, a despeito de conhecer maior precipitação durante esta época do ano (é mais recomendada entre Abril e Setembro), possibilita muitas horas de sol ao longo do dia e a chuva, se cair, não se prolonga por muito tempo — a um forte aguaceiro sucede um céu de um azul sem uma única nuvem. Desta forma, facilmente se conclui que qualquer altura é boa para errar pelo país, numa ou noutra costa há sempre uma praia à espera do viandante, não raramente desertas ou com meia dúzia de locais, pescadores ou curiosos. No Sri Lanka, o clima tropical não obedece a qualquer regra: num lugar onde, numa época, devia brilhar o sol, pode chover; num outro, onde a chuva, no mesmo período, devia cair, o sol surge em toda a sua plenitude. Ainda assim, pode-se falar de uma (ou mais do que uma) época das chuvas e de um período seco — de Maio a Agosto, a monção Yala transporta chuva para a parte sudoeste da ilha, a monção Maha varre o Norte e o Leste entre Outubro e Janeiro e o Sri Lanka acolhe ainda uma outra, intermédia, nos meses de Outubro e Novembro, que, com maior ou menor intensidade, atinge toda a ilha. Entre os meses de Dezembro e Março regista-se também uma maior afluência de turistas, principalmente de europeus que procuram escapar aos rigores do Inverno, um afluxo que ganha maior dimensão durante o Natal e o Ano Novo, tornando por vezes mais difícil encontrar alojamento nos lugares mais concorridos da ilha.
Onde comer
Em Colombo, desde que não opte por almoçar ou jantar em restaurantes de hotel, tente a comida deliciosa do Norris Hotel & Bakery (não significa que disponha de quartos), na 185 Olcott Mawatha, não muito longe do terminal de autocarros Mawatha Bastian, muito popular entre os locais e especializado em comida e pastelaria indianas. De resto, espere encontrar restaurantes simples mas com comida saborosa um pouco por todo o país e com um pouco mais de charme e atmosfera se decidir ficar em Galle para explorar as praias dos arredores.
Onde dormir
Se desejar passar uma noite em Colombo, antes de iniciar a sua aventura pelo país, o hotel mais confortável da capital do Sri Lanka é o Hilton Colombo (www.hilton.com), na 2 Sir Chittampalam A Gardiner Mawatha, com seis restaurantes (um serviço de 24 horas, pelo que há sempre um que está aberto), um bar e um centro de fitness. Se preferir alojar-se por um preço mais em conta não faltam alternativas na cidade, entre elas o Mrs Lyn Mendis, na 11 College Avenue, uma guest house com uma atmosfera hospitaleira onde também é possível cozinhar as suas próprias refeições.
Em Trincomalee, pode instalar-se no centro da cidade, no Welcome Hotel, na 66 Orr’s Hill Lower Road, mas o ideal é seguir (há autocarros com frequência que partem do terminal) um pouco mais para norte, até Uppuveli ou Nilaveli. Na primeira, a curta distância a pé da praia, o Alex Room, no 38/12, Beach Road, Alles Garden, com um ambiente familiar, é um espaço básico mas barato; em Nilaveli, também próximo da praia, na Nilaveli Beach Hotel Road, dispõe da H & U Guest House, gerida por um simpático casal e com preços em conta (há quartos com e sem ar condicionado). Para um pouco mais de luxo, basta seguir a estrada de terra batida que conduz ao mar, ao encontro do Nilaveli Beach Hotel, completamente renovado após o tsunami, com elegantes cottages e mobiliário de madeira e bonitos jardins que, a determinadas horas do dia, são igualmente do agrado dos macacos. Em Galle, não terá dificuldade em encontrar alojamento em hotéis-boutique ou em casas particulares e, mesmo ao longo da costa sul, a oferta supera, na maior das vezes, a procura, a exemplo do que acontece em Arugam Bay ou em Kalkudah e Passekudah (na costa leste).
Informações
Os cidadãos portugueses necessitam de um passaporte com uma validade mínima de seis meses para entrarem no Sri Lanka.
O sinhala e o tâmil são as duas línguas oficiais do país: a primeira é a língua nativa do povo cingalês, o que representa cerca de 70% da população (aproximadamente 13 milhões, embora também seja falada por outros grupos étnicos como segunda língua); já o tâmil é utilizado por cerca de cinco milhões (15% da população total do Sri Lanka), subsistindo outros dialectos entre minorias como os rodiya, os crioulos malaios (também conhecidos como bahasa melayu), os mouros e os veddah. De qualquer forma, quem visitar o país não sentirá dificuldade em comunicar em inglês com os locais — a ilha foi colónia do Império Britânico, serve muitas vezes de ligação entre quem fala sinhala e tâmil e, embora não imposta a uns e a outros, a língua inglesa é utilizada preferencialmente por governantes e instituições do estado.
A moeda em circulação é a rupia — um euro equivale a mais ou menos 160 rupias cingalesas.