Fugas - Viagens

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Manuel veio a Portugal confirmar que toda a gente pertence “a todo o mundo”

Por Andreia Marques Pereira

A Momondo promoveu um concurso que permitia aos participantes, através do seu ADN, descobrir onde tinham raízes. Manuel Maqueo ganhou: mexicano com genes dos cinco continentes. E mãe com sobrenome português, Pereira. Veio a Portugal e a Fugas acompanhou-o numa viagem sentimental.

Quem não sabe ao que vai nunca o encontrará. É apenas o GPS que nos guia e nos envia para um caminho estreito, terra batida com os buracos habituais. Quem não o procura não o encontrará, mas foi aí que Manuel Maqueo Martínez se encontrou. Como uma criança deslumbrada perante as ruínas que aparecem dispersas do Castelo de Faria (Barcelos), entre denso arvoredo pintado de verde pálido que acompanha o verde dos musgos que cobrem os troncos e é um contraste evidente com o verde pujante, húmido, que forram as pedras e rochas, dos fetos.

Às vezes, é difícil distinguir o que é natural do que foi construído por mão humana. Isso não importa a Manuel, que toca rochas e pedras, às vezes parece que fala com elas. Salta de umas para outras, desce carreiros impossíveis. Veio do México, via Tessalónica (Grécia), onde por estes dias faz os seus estudos de mestrado em engenharia aeronáutica (depois de ter passado pela Suécia e Alemanha). Tem 27 anos, um bisavô português — o sobrenome da mãe assim o indica: Pereira. Por isso quis vir a Pereira, freguesia de Barcelos. Se a sua escolha foi toponímica, poderia ter ido a Pereira em Montemor-o-Velho, ou Pereira em Mirandela, mas nas suas pesquisas, diz, descobriu que os Pereira vieram originalmente daqui, de Barcelos.

Manuel chegou a Portugal pela primeira vez há quatro dias, num périplo “patrocinado” pela Momondo. Foi o vencedor de um concurso promovido pelo site de pesquisa de voos e hotéis (que tem como lema “vamos abrir o nosso mundo”), que queria mostrar que todas as pessoas têm ascendências diversas. The Momondo DNA Journey começou em Abril de 2016 e o vencedor ganharia uma viagem aos países onde tinha ascendência.

- Tínhamos de escrever 200 caracteres sobre o que viajar significa para nós e como cremos que pode mudar o mundo. Eu escrevi que, como mexicano, viajar é como comer um taco, é saboroso, exótico e picante, mas nunca se compara como quando o partilhamos: é mágico.

Os pais riram-se muito “com os tacos”, que lhe valeram ter sido um dos seleccionados para receber o kit de ADN. Três semanas depois chegaram os resultados e o vídeo, obrigatório, da abertura do email com estes, revelando paixão a falar da história da família, do seu gosto por viajar e a emoção com que ia lendo as descobertas valeu-lhe viagens por todos os locais onde tem raízes. No seu caso são os cinco continentes.

- É como descobrir que pertencemos a todo o mundo.

O que mais o surpreendeu nos resultados foi a Ásia.  Na verdade, Ásia, Médio Oriente e Oceânia, somados, constituem cerca de 3% do seu “sangue”, como Manuel gosta de dizer. Ele que sempre viajou e que não tenciona deixar de o fazer, agora, com falta de tempo, quer seguir o apelo do sangue.

- Algo que me emocionou muito foram as raízes africanas. Dizia-se na família que um dos meus antepassados maternos, europeu, tinha casado com uma africana. Mas nunca conseguimos confirmar.

Até agora. Em Dezembro passado fez uma pequena incursão africana sem conseguir ir ao Senegal, o seu objectivo principal.

- Perguntei à minha mãe, uma vez que também são as suas raízes, onde gostaria de ir. Ela não hesitou, Senegal.

Mas o visto demorava mais tempo do que aquele que tinha disponível. Ficou por Marrocos, o Sara sempre o atraiu — e acabou por passar o Natal aí, no deserto, sob um manto de estrelas que mostra, ainda deslumbrado, no telemóvel —, e pela Tanzânia, queria ver os animais e ir a Zanzibar. Aproveitou para dar um salto ao Médio Oriente, à Jordânia, onde logo à entrada foi parado.

- Interrogaram-me: viaja sozinho?, sim, conhece alguém no país?, não. Então o grande problema era o que é que um mexicano, que viajava sozinho e tinha estado em Marrocos e na Tanzânia, ia fazer à Jordânia. “Where is the coke?”, insistiam. Eu só me ria. Revistaram tudo e encontraram um saco com areia do Sara.

Continua a rir-se quando recorda o episódio. Ri muito, sorri ainda mais. Ele, que antes de começar a viajar tanto não tinha muita esperança na humanidade, acredita agora que “a maioria das pessoas é boa”. “Em todos os locais em que estive, encontrei gente generosa, amável, nunca me senti em perigo por viajar só. Há que ser sensato, claro.” Por isso, continua, é que viajar é um instrumento valioso.

- Viajar abre a mente, torna gente tolerante, mas, sobretudo, disponível, para viver mais coisas. Estou convencido de que viajar pode fazer do mundo um lugar mais feliz sempre que nos ensinem ou aprendamos que viajar é conviver com as pessoas. Devia ser criado um comité mundial que pusesse toda a gente a viajar durante algum tempo, assim ganhariam ferramentas que podem ajudar na convivência.

 

Gente, comida, música

Manuel teve o seu “comité”, a Momondo. No entanto, não sabe se terá tempo para tudo o que tem planeado, por causa dos estudos. Crê que precisará de dois meses e meio para o que lhe falta. Ainda irá à Ásia (China, Japão, Camboja, Filipinas, Laos ou Mongólia), Oceânia (Austrália e Nova Zelândia) e América do Sul (Argentina e Ilha da Páscoa). Para trás, já ficou também Bérgamo.

E Bérgamo e Pereira eram os locais mais directamente ligados à história que conhece da sua família. De Bérgamo para o México foram dois irmãos Maqueo com o exército garibaldino, Giuliano e Stefano, este último, curiosamente, conhecido como “o viajante”. Não regressaram. No México lançaram raízes, Manuel pertence à sexta geração, e o seu sobrenome, tão exótico no contexto mexicano, sempre despertou a curiosidade de Manuel. E o engraçado é que em Itália não existe este sobrenome, segundo o registo civil. Terá sido adaptado ao espanhol. Se o sobrenome que herdou do pai não é mexicano, o da mãe tão-pouco.

- A minha mãe sabia que o meu bisavô se chamava José Manuel Pereira Murcia. Até podia ser espanhol, de pai ou mãe português. Morreu muito jovem, a minha mãe não sabe muito dele, apenas que tinha olhos verdes.

Pereira, o sobrenome, então, como motor desta vinda a Portugal. Lisboa, Sintra, Porto com este desvio até Pereira, aldeia como tantas outras no Minho e paragem em Barcelos para se sentar à mesa: adora comer.

- E o que faz uma viagem, para mim, é a gente, a comida e a música.

Pede polvo na brasa, prova bacalhau também na brasa, arroz de pato e cozido à portuguesa, acompanha com vinho. O arroz de pato é uma estreia, o bacalhau (a la vizcaína) é tradição natalícia no estado de Veracruz, onde fica Catemaco, o joelho de porco e os enchidos acha-os “muy ricos”. Adora tudo, e ainda sai do restaurante com um pequeno galo de Barcelos como recordação.

De Portugal conhecia algumas coisas. Muitas ligadas ao passado, adora história — “os portugueses foram os primeiros europeus a chegar à Índia com Vasco da Gama, teve muito poder”. Outras mais actuais, como o vinho do Porto e o fado, que gostaria de ouvir ao vivo, a mãe recomendou-lhe — “só o ouvi em restaurantes e nos autocarros turísticos em Lisboa”. E tinha ideias vagas dos tempos de juventude.

- Sempre tive a impressão de Portugal como um país com muita classe, muito pitoresco, bonito e com pessoas correctas e elegantes.

Entre Barcelos e Pereira, dez minutos de carro, olha com atenção pela janela. Sabe que está a ver um Portugal que poucos turistas vêem, que está “a ver o que não se vê”.

- O que há aqui, não sei. Não sei o que me espera, não tenho ideia do que vou encontrar. Mas mais do que encontrar, quero sentir, deixar-me levar.

A tabuleta de Pereira surge na estrada, casas de um lado e doutro. Seguimos para a igreja, junta de freguesia, centro paroquial. Não há muita gente na rua, passam alguns carros. Mas Manuel caminha num mundo seu, espreita para além de muros, tira algumas fotografias. Diante de uma casa, imagina a da avó, no México. “Te lo juro”, assegura, olhando o portão onde se vê ao fundo uma casa aos retalhos, partes arruinadas, o quintal com árvores de fruto, couves. Entra no cemitério, vê alguns Pereira nas lápides, mas é a paisagem para além dos muros que mais o fascina.

- É tudo tão verde! As aldeias no México são totalmente diferentes. Aqui, temos as casitas, os vinhedos ao redor, a montanha, as pessoas que se cumprimenta.

Num café entabulamos conversa, mas ninguém tem memória tão antiga como a que Manuel procura. Fala-se do Castelo de Faria e Manuel encontra a sua próxima paragem. São ruínas, como avisaram, mas para Manuel é um parque infantil, onde dá rédea solta ao seu gosto por “trepar coisas, saltar, como um miúdo”.

- Qué lugar más chiflón! A paz, o silêncio, o vento, o cheiro. Que paz! Estou feliz, com vontade de brincar. Sinto-me ridículo, sentimental, ao dizer estas coisas, mas é verdade. É um sítio incrível, podia ficar horas. Pereira foi tranquilo. Mas o castelo é “wow!” [coloca as mãos na cabeça], uma sensação imensa de surpresa, de emoção.

Mais uma vez pede desculpa pelo sentimentalismo. Mas já percebemos que para Manuel viajar é sentimento. E Portugal? É o país mais romântico que já conheceu. E, como já lhe tinha acontecido em muitos países por onde andou, sente-se em casa.

 

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