Fugas - Viagens

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  • Tom Sponheim com os negativos comprados em Barcelona em 2001
    Tom Sponheim com os negativos comprados em Barcelona em 2001 DR

Quem é o autor das “fotos perdidas de Barcelona”?

Por Mara Gonçalves

Há cinco anos que um norte-americano procura o autor das fotografias que comprou em 2001 durante umas férias na Europa. A primeira pessoa retratada nas imagens dos anos 1950 e 60 foi identificada no final de Janeiro. O autor mantém-se um mistério.

Duas idosas de lenço sobre os cabelos conversam num banco de jardim enquanto uma rapariga pára atrás delas a olhá-las, a ouvir a conversa. A imagem, a preto e branco, foi a primeira a sair dos negativos que Tom Sponheim comprou há dezasseis anos numa feira de velharias em Barcelona. “Quando a vi, soube que tinha um verdadeiro tesouro”, recorda em entrevista à Fugas.

“Sobre o que falam as mulheres? Porque é que a miúda parou para ouvi-las? O que é que a conversa significa para ela?” As interrogações surgem em catadupa sem que o norte-americano ensaie qualquer resposta. É provável que nunca venha a descobrir, mas aquela continua a ser a sua imagem preferida entre as dezenas que encontrou naqueles velhos envelopes, comprados a mais de 8000 quilómetros de casa.

Barcelona era a última paragem das férias com a mulher pela Europa, depois de uns dias na Noruega e em Londres. “Estávamos a caminhar da estação de metro para a Sagrada Família, quando nos deparámos com uma feira de velharias”, recorda. Entre as bancas do Els Encants Vells, o maior mercado do género da cidade catalã, Tom reparou naqueles pacotes castanhos, atraído pela velha paixão por fotografias antigas. Abriu um deles para ver se os negativos estavam em condições, sem prestar grande atenção às imagens. Decidiu comprá-los. No último ano em que circularam pesetas em Espanha, pediram-lhe o equivalente a cerca de 2,50€. “Dei 3,50€ porque achei que eram demasiado baratos”, conta o norte-americano, que há 30 anos trabalha na Solar Cookers International, uma organização não-governamental que promove a utilização de fornos solares.

As férias continuaram. Regressou a Seattle, onde mora, sem voltar a pensar nos negativos. Até que um dia decidiu começar a digitalizá-los – e descobriu que as fotografias “tinham sido tiradas por um fotógrafo muito talentoso”. O souvenir revelou-se uma rara colecção de retratos e de fotografias de rua da Barcelona dos anos 1950 e 60. Padres de capa negra a caminhar por uma rua enevoada, uma fila de meninas de pomposos vestidos brancos atrás de uma freira, uma procissão, um casamento, miúdos impecavelmente vestidos, um rapaz com uma enorme fatia de pão na mão, dois artistas de circo a agradecer as palmas. De cada negativo iam saindo vislumbres do quotidiano vivido na principal cidade da Catalunha durante a ditadura de Franco. Algumas parecem captar instantes familiares, outras são de composição e exposição calculadas.

Na parede da sala de jantar de Tom habitam desde então as suas preferidas – mas a pequena exposição privada não lhe enchia as medidas da curiosidade. Quem eram aquelas pessoas? Quem tinha tirado aquelas fotografias? Que histórias estavam ali a ser contadas? Em 2012, decidiu tomar as rédeas do mistério e criar uma página no Facebook para partilhar as imagens com o mundo. Chamou-lhe Las Fotos Perdidas de Barcelona. O objectivo era apenas um: achar-lhes o dono. “Percebi que seria a única forma de descobrir mais acerca das pessoas retratadas e identificar o fotógrafo”, conta.

Ao longo dos últimos anos, tem colocado anúncios no Facebook, sempre com um alvo específico, para tentar aumentar as probabilidades de sucesso: “pessoas que vivem num raio de 32 quilómetros de Barcelona e que gostem de fotografia”. Procura dar uma identidade ao fotógrafo desconhecido como quem indaga por um novo parceiro ou por um ente querido de quem se perdeu o rasto. Foi visto pela última vez em Barcelona, nos anos 1960, gosta de fotografia.

Até ao momento, Tom já gastou cerca de 450 dólares (aproximadamente 420 euros) nestes anúncios. A página tem mais de 11 mil seguidores e são muitos os que comentam as fotografias. Alguns reconhecem a rua ou o prédio; outros acreditam identificar nas crianças a preto e branco o rosto da avó, os traços de uma vizinha. São poucos os que arriscam um nome para o autor das fotografias. Confirmar qualquer um dos palpites tem sido o processo mais difícil.

A primeira – e até agora única – confirmação chegou no final de Janeiro. Cinco anos depois da criação da página no Facebook. Numa fotografia tirada a várias raparigas numa sala de aula está Rosalia Serrano. A menina de bibe às riscas e fita no cabelo tem hoje 66 anos. Estava a ver uma reportagem sobre a história dos negativos misteriosos com a filha quando, de repente, se reconheceu numa das imagens. A filha entrou em contacto com Tom, enviou-lhe outra fotografia da mãe quando tinha a mesma idade. Confirmaram: era a mesma pessoa.

Com a identificação de Rosalia veio o nome da escola onde a fotografia foi tirada. “Desde então já entrei em contacto com a escola para ver se conseguiam dar-me mais alguma informação, mas ainda não responderam”, lamenta Tom. “Também me disseram o nome de duas raparigas que surgem entre a fila de crianças atrás de uma freira numa das fotografias. Escrevi a pessoas com o mesmo nome no Facebook, mas ainda não recebi qualquer resposta.” É um processo moroso, dificultado pelo hiato de 50 ou 60 anos, que faz com que mesmo os mais novos nas fotografias estejam hoje numa faixa etária arredada das redes sociais.

A esperança do norte-americano, contudo, não esmorece. Ganhou até um novo alento no início do ano. Quando a investigação parecia ter chegado a um beco sem saída – e sem ter percorrido longo caminho – o jornal El Periodico descobriu a história com laivos de Vivian Maier. Será o fotógrafo desconhecido uma versão espanhola da ama norte-americana, cujo acervo de mais de 100 mil fotografias das ruas de Chicago só foram descobertas – assim como o seu talento – anos depois da sua morte? Outra publicação noticiou a história. E outra e outra. Em Espanha, nos Estados Unidos, em França. O optimismo renasceu.

Na cidade catalã existem “algumas pessoas a trabalhar” na resolução do mistério e com a recente cobertura mediática, Tom não desarma. “Tenho esperança de encontrarmos o fotógrafo ou pelo menos a sua família”, diz. Dezasseis anos passaram desde aquelas férias em Barcelona. Tom e a mulher nunca mais lá voltaram, embora gostassem de regressar. Quem sabe para devolver em mãos as memórias de um grande fotógrafo que um dia levaram de souvenir.

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