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A cultura portuguesa conta-se num Mar d’Estórias

Por Mara Gonçalves

É uma casa portuguesa, com certeza. E cada vez mais algarvia. Nela habitam marcas nacionais de mercearia, vinhos, decoração, loiça, acessórios de moda, livros, música, gastronomia e um terraço sob o sol algarvio. O Mar d’Estórias nasceu há menos de um ano no centro histórico de Lagos — e prepara uma temporada mais algarvia que nunca.

Há algum tempo que o gosto pelo artesanato alimentava o sonho de Célia Real abrir uma loja de produtos nacionais. No Algarve, região que há muito tinha entrado no mapa de afectos da lisboeta, sentia que “não havia um sítio onde se visse o que se faz bem em Portugal”. Passeava de localidade em localidade, repletas de turistas e veraneantes, e “não via nada que fosse genuíno e que representasse a cultura portuguesa”. Em todo o lado repetiam-se lojas de recordações atafulhadas e anacrónicas ou espaços descaracterizados, criados para estrangeiro ver. Cinco anos depois de se mudar para o Algarve,  conheceu Luís Ledo, empresário ligado à gestão de resorts e imobiliário na região, e do “orgulho” partilhado “naquilo que temos em Portugal” começou a nascer o Mar d’Estórias.

O projecto abriu portas no centro histórico de Lagos em Junho do ano passado, num edifício erguido no século XV para albergar o Compromisso Marítimo de Lagos, contíguo à igreja que acolhia a Irmandade do Corpo Santo dos Pescadores da Cidade. Mais tarde, foi armazém de vinho e cereais e, durante mais de cinquenta anos, sede e quartel de bombeiros. À entrada, ultrapassada a pesada porta de vidro e ferro, é a história do edifício que se conta numa infografia emoldurada na parede, em português e em inglês. Testemunho da arquitectura renascentista, ficamos a saber que o edifício chegou a ter talha dourada, vendida à Irmandade do Carmo em 1929, e um pórtico com dois medalhões esculpidos, trasladado em 1936 para o museu municipal, ali a dois passos. “It’s a cool building”, comenta uma turista enquanto percorre um dos apertados corredores abobadados. “It’s amazing”, responde a amiga.

Foram precisos três anos de obras para recuperar o edifício. À medida que a reconstrução ia decorrendo, os dois fundadores iam amadurecendo ideias, descobrindo que o pé alto da ala principal e a arquitectura labiríntica das restantes salas e nichos permitiam desmultiplicar o conceito e “integrar outras áreas que espelham a nossa cultura”. O que “começou pela loja”, que ocupa todo o rés-do-chão, expandiu-se a dois mezaninos — de um lado, livros, álbuns de música e um novo nicho infantil; do outro o café-bistrô com uma carta sazonal inspirada na gastronomia algarvia. Cresceu para salas interiores, com duas alas dedicadas a objectos de decoração e utensílios para casa e cozinha, e uma galeria, que funciona como sala de exposições e eventos, incluindo experiências gastronómicas (já lá vamos). E subiu ainda ao terraço, onde funciona o bar com esplanada e vista para a praia e para as torres sineiras da antiga igreja de Santo António (integrada no museu local).

O resultado é uma montra de marcas e de produtos portugueses, escolhidos a dedo pelos responsáveis, que reflecte o “gosto pessoal” da equipa e a “filosofia” da empresa. Inclui artigos tradicionais e objectos contemporâneos, marcas icónicas e pequenos produtores. E “aposta o máximo possível na região”. Aqui, as loiças Vista Alegre, Bordallo Pinheiro ou Cork Amorim, os utensílios da Antiga Barbearia de Bairro, as malas da Mud, as bolachas Paupério ou os chocolates Regina e Patagruel convivem com colheres de pau de madeira de urze feitas por um artesão de Monchique, com o sal de Castro Marim e o mel do Cotifo, com os produtos feitos pela Alcagoita, expressão regional para amendoim que dá nome a uma empresa de Aljezur, com as estrelas de figo, os morgados e as vianas cozinhadas em Lagos ou a charcutaria do Zambujal.

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