Fugas - Viagens

  • Adriano Miranda
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Uma casa de padres escondida em Coimbra

Entre o refeitório e a capela de São Miguel vão 118 degraus, numas escadas em caracol sem qualquer apoio central que criam um efeito de vórtice. A capela recebe-nos com um retábulo em estilo rococó e seis colunas em cada flanco, com a particularidade de cada uma ter, quando foi construída, relíquias de cada um dos apóstolos. No entanto, com as invasões francesas, algumas relíquias foram destruídas ou danificadas. Na capela está também um dos quatro corpos inteiros de mártires expostos no seminário. No altar, atrás de uma vitrina, repousa São Vicente (o romano), que foi ali parar na sequência de uma autorização especial concedida por Roma e de um procedimento de transporte que à época era complexo.

A poucos metros da capela estão os aposentos do bispo de Coimbra, que se mudou para ali em 1910, depois de ter deixado o Paço Episcopal (hoje Museu Nacional Machado de Castro). A lógica de austeridade exterior dos corredores contrasta com o interior adornado com papel de parede. A grande intervenção neste espaço foi feita no início do século XX, com algumas peças provenientes da antiga habitação do bispo. Ali estão dispostas mobílias incrustadas em bronze e madeira com detalhes dourados, alfaias litúrgicas em ouro e prata e crucifixos, um dos quais em marfim.

Depois da vista panorâmica sobre Coimbra, desce-se 119 degraus da outra escada em caracol, de arquitectura semelhante à anterior. Abrem-se então as portas que resgatam a biblioteca velha à tranquilidade e protegem das condições exteriores. As paredes são decoradas com cerca de nove mil volumes, publicados entre 1500 e 1800, naquela que o padre Nuno Santos descreve como “uma das melhores bibliotecas de teologia do mundo deste tempo”. Nas estantes estão uma das primeiras edições d’Os Lusíadas, livros que vão da história ao direito, da teologia à literatura e… um livro de contos eróticos. Pelas mesas estão dispostos velhos antifonários, muitos do século XVII, que serviam para guiar os cantos das celebrações.

A penúltima paragem é a Sala dos Azulejos, palco das lições mais importantes, como as de abertura e encerramento do ano. Os painéis de cerâmica que preenchem as paredes são provenientes de fábrica de Domingos Vandelli, o professor italiano que o Marquês de Pombal trouxe para o país.  

A caminho da Igreja da Sagrada Família deixamos para trás o tromp l’oeil que impressionou o actual reitor quando jovem. Neste ponto, a madrepérola e o marfim regressam aos olhos dos visitantes, para decorar as portas da igreja. Já lá dentro, a área do templo octogonal é exígua, mas a cúpula que se ergue no topo dos três andares confere-lhe monumentalidade e torna obrigatória uma paragem para a contemplação. As estátuas de Maria e José vieram de Nápoles, mas o órgão de 1500 tubos é o único elemento cuja origem — mas não a aparência — destoa, tendo sido construído pelo espanhol João Fontana de Maquera.

No altar-mor, o retábulo exibe uma pintura que representa o episódio bíblico de Jesus entre os doutores. Muito apropriado para uma cidade conhecida pela sua universidade.

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