Quando era criança, Armando Teixeira da Rede decidiu que queria tocar no fundo do oceano. Tinha acabado de ver o Mundo do Silêncio, um documentário do comandante francês Jacques Cousteau, filmado entre o Mediterrâneo e o oceano Índico, que o “marcou para a vida”.
Tanto que a partir desse momento comprometeu-se com dois sonhos: haveria de mergulhar com Cousteau e haveria de mergulhar durante a vida toda. Ainda muito jovem, não cumpriu o primeiro “por muito pouco”. Agora, com 59 anos e com outra inspiração, Hans Hass, mergulhador austríaco “mais aventureiro” e “fora de lei”, conta-nos que não tenciona abandonar o segundo.
Passaram-se mais de 40 anos e cerca de três mil mergulhos desde que convenceu a mãe a comprar-lhe o primeiro fato de mergulho (que ainda hoje guarda), aos 12 anos, em Biarritz. Quando acabaram as férias na praia francesa, começou a usar o equipamento e a aventurar-se sozinho na pesca submarina, por mares portugueses. Por esta altura já tinha percebido que “debaixo de água se deslocava muito melhor do que à superfície”. Acabou por tirar o curso de mergulho com 18 anos, no Clube Fluvial Portuense, e um ano depois já era instrutor.
Mergulhou sempre, mas só em finais dos anos 1990 é que começou a fazer do mergulho profissão. Decidiu que “talvez fosse altura de realizar outro sonho” e abriu a primeira escola de mergulho do Norte.
Se fosse hoje, teria feito exactamente a mesma coisa, mas nas Maldivas. É que no Índico “mergulha-se a cores”, no meio de peixes de todos os tamanhos e formas. Armando diz que “parece que Deus os pintou um a um”, enquanto que no Atlântico é como “mergulhar num filme a preto e branco”.
Mas a falta de cor não o impede de mergulhar nas águas frias perto de Leixões todos os domingos ou de ter encontrado no Porto, num submarino alemão da Segunda Guerra Mundial afundado a 30 metros de profundidade, o sítio favorito para mergulhar em toda a costa de Portugal Continental.
É que o que Armando realmente gosta é de “mergulhar na história” — e com tubarões. E como ele há muitos outros aficionados do mergulho que escolhem ver a fauna que se esconde por entre carcaças de navios. Por isso é que, denuncia, com o mergulho a ser cada vez mais um negócio rentável, “torna-se mais comum afundarem-se barcos que estão para abate para criarem recifes artificiais para mergulho”.
Nas águas límpidas e temperadas de Porto Santo afundaram há pouco tempo um, conta. Foi também nessa ilha madeirense que há 15 anos Armando fez o mergulho mais profundo da sua carreira, 100 metros. Relata-nos que, enquanto voltava à superfície, os períodos de espera obrigatórios para o corpo se habituar à subida nunca se tornavam aborrecidos naquelas águas. “Eu conheço muita coisa no mundo e quando as águas estão no seu melhor, Porto Santo é capaz de ser o sítio com águas mais claras que conheço”, diz. Descreve-nos um cenário luminoso, mesmo a 100 metros de profundidade e garante que, se tivesse mergulhado mais 15 metros, continuaria a ver luz e peixes.
Talvez por isso nos tenha confessado que não chegou a ter medo. Não que desvalorize esta emoção, mas prefere ter antes “muito respeito pelo mar”.
Armando defende que o mergulho é um desporto seguro, tanto que já o fez mais de três mil vezes e só se consegue lembrar de um grande susto — e quando já estava fora do fato de mergulho. Na volta de um mergulho no Sri Lanka, o mar pregou-lhes uma partida e virou o barco onde iam, deixando-o ficar lá preso durante alguns segundos. Aqui sim, sentiu medo. Quando finalmente se conseguiu soltar, nadou em direcção a uma pequena aldeia e, ao levantar os olhos para terra, viu o condutor do barco, um nativo da ilha, a fugir enquanto outros corriam atrás deles empunhando paus. De repente, deixou de ter assim tanta pressa de sair do mar. Hoje ri-se quando se lembra do susto e de como acabou: com esses mesmos habitantes a tratarem as “feridas dos mergulhadores com lamas” e a culparem o condutor do barco de os ter levado para o mar, mesmo com condições pouco favoráveis.
Armando não consegue imaginar um susto capaz de o afastar do mergulho. Na verdade, não consegue imaginar-se longe do mar. Já tem tudo pensado: se algum dia deixar de ter força para carregar a garrafa de ar, carrega-a o neto, agora com dois anos e próximo companheiro de mergulho (esta actividade é sempre feita aos pares).
Também em todas as férias que faz acaba a mergulhar. Há um mês esteve na Indonésia: uma semana para andar de carro pela ilha de Java e cinco dias numa praia a mergulhar.
Nas viagens de turismo subaquático organizadas pela Escola de Mergulho do Norte, onde ainda é instrutor, quer seja a Sesimbra, Berlengas, Algarve ou México, Bahamas, Cabo Verde ou Egipto, a fórmula é diferente.“Toca a sineta de manhã, vamos mergulhar. Toca a sineta, voltamos para tomar o pequeno-almoço. Quando toca a sineta ou é para comer ou é para mergulhar”, explica.
Na sua casa no Porto, espalha pela mesa antigos cadernos de mergulho, livros de Cousteau e Hass e fotografias de fundos do mar e outras imagens onde está suspenso ao lado de tubarões, ainda a muitos metros do fundo. “As coisas mais bonitas que já vi foram debaixo do mar, de longe”, diz-nos enquanto arruma o espólio, “nós saímos deste mundo e entramos noutros”. Quando mergulha deixa de sentir o peso da gravidade, não ouve telemóveis a tocar nem o trânsito lá fora, só se ouve a si mesmo, a inalar e a exalar. Por tudo isto é que Cousteau lhe chamava o mundo do silêncio e também por tudo isto é que, quando neste sábado lhe perguntamos quando vai ser o próximo mergulho, a resposta é pronta: “já amanhã”.
Resposta rápida
Qual é o melhor sítio para mergulhar?
Isso é quase como os surfistas que andam sempre à procura da onda ideal. Eu gosto muito de mergulhar no mar Vermelho com tubarões. Em certas regiões, porque há outras que estão com turismo a mais.
O mergulho também sofre de demasiada exploração turística?
O mergulho hoje em dia movimenta mesmo muita gente. Tem ideia que o Egipto recebe mais pessoas para mergulhar do que para ver as pirâmides? A mim custou-me a acreditar, até lá ter ido.
Que preparação é precisa para se inscrever num curso de mergulho?
Nenhuma específica. Tem de ter à vontade na água e ter pelo menos 14 anos.