Quando aterrámos em Jacarta, para a partir daí atravessar a ilha até ao porto de Katapang, sabíamos mais ou menos ao que íamos. Sabíamos do caos e dos bairros de lata da capital, do charme de Yogyakarta, da maravilha dos templos de Borubudur e Prambanan e dos impressionantes vulcões. Ou achávamos que sabíamos, porque uma vez lá não podíamos ter ficado mais surpreendidos.
Desde logo com a quantidade de turistas não ocidentais que encontrámos, ou melhor que não encontrámos, e logo a seguir com a cortesia dos javaneses. Os nossos “terima kahsi”, obrigado, eram sempre recebidos com sorrisos e elogios ao nosso eloquente indonésio, mesmo quando esclarecíamos que era a única palavra que sabíamos dizer.
Outro exemplo: num momento de grande aflição, em que foi preciso entrar por uma mesquita adentro para usar o quarto de banho, lá estavam os afáveis javaneses a pedir para deixar os sapatos à porta e a indicar o caminho.
Sim, muito provavelmente, os javaneses são o melhor de Java, mas as paisagens naturais e as construídas por antigas civilizações competem entre si.
1.ª paragem: Jacarta
O ponto de partida para conhecer a ilha foi Jacarta. A capital da Indonésia costuma ser uma cidade de passagem e para nós, infelizmente, não foi diferente. Mesmo assim, um dia deu para ficar com um cheirinho (literalmente) desta grande metrópole e até com vontade de lá voltar com mais tempo. Uma vez que já subimos ao Monumento Nacional, ou Monas, a última extravagâncias de Sukarno (que é uma espécie de tocha olímpica com 132 metros de altura), já vimos o Museu Wayang e almoçámos no Batavia, sobra mais tempo para as outras coisas. Como por exemplo, entrar na Mesjid Istiqlal, que dizem ser a maior mesquita do sudeste asiático e a seguir na Catedral em frente.
Há quem diga que é como ver a Mesquita Azul em frente à Sagrada Família e até se compreende o exagero. A proximidade das duas construções foi propositada e procura simbolizar a liberdade religiosa do país. Apesar de se ter vindo a questionar, cada vez mais, a tolerância religiosa, um dos porta-estandarte da Indonésia, ainda hoje, os dois templos religiosos convivem harmoniosamente, cedendo, cada um deles, espaço nos domingos e festas de guarda. Isto é, na Páscoa e no Natal a mesquita empresta o seu parque de estacionamento aos católicos e nas orações do Eid, a catedral cede o seu espaço de parqueamento aos mulçumanos.
Mas nem só de religião vive a cidade, obviamente, e isso é muito notório na velha Batavia, o antigo nome da capital, na altura em que sediava a Companhia das Índias Orientais Neerlandesas (VOC). É nesta zona, hoje conhecida como Kota, que se encontra a maior parte dos museus e a praça Fatahillah, onde várias pessoas pedalavam em bicicletas coloridas na altura em que nos dirigíamos ao Café Batavia para almoçar. Sim, o edifício colonial de dois pisos, com decoração art déco, é lindíssimo e a comida é muito boa.
Depois, e como o Museu Wayang estava mesmo ali ao lado (e porque começou a chover) fomos ver a mais completa colecção destas marionetas. Todas as legendas estão em indonésio, mas o colorido e a variedade das figuras, bem como o espaço em si – uma antiga igreja – justificam absolutamente a visita.
As mais conhecidas são as Wayang Kulit, as marionetas de sombra, geralmente construídas em pele (kulit) e é muito comum verem-se reproduções das principais personagens um pouco por todo o lado. Nós trouxemos uma miniatura de Abimanyu (é favor googlar, os textos hindus, que servem de base às histórias recriadas no teatro de sombras dão uma excelente desculpa para procrastinar).
Bom, nesta altura o dia já se adiantava e a breve caminhada em direcção ao porto, atravessando canais mal cheirosos e mercados manhosos, serviu para sentir o pântano sobre o qual a cidade está construída e que aos poucos ajuda-a a afundar-se.
Resumindo, num dia, neste caso num sábado (poderá fazer diferença no que diz respeito ao trânsito) é bem possível ficar com uma ideia muito simpática de Jacarta, circulando entre o centro, ali à volta da praça Merdeka, e a parte velha – Kota, sobretudo porque há um autocarro que tem um corredor exclusivo e que faz precisamente este trajecto. É só comprar o bilhete (um cartão carregável que também dá para entrar em alguns museus) em frente ao Museu Nacional.
2.ª paragem: Yogyakarta
A angústia do turista perante o que fazer em Yogyakarta (Jogjia para os amigos) é grande. Primeiro, porque vai sempre com os dias contados, depois porque a cidade dentro e fora do Kraton (já lá vamos) merece ser visitada com algum tempo e, além disso, nas redondezas existem dois dos templos mais emblemáticos do sudeste asiático: Brobudur e Prambanan. Isto para não falar no Merapi, o vulcão mais ativo da Indonésia e que muita gente gosta de escalar.
Portanto, tendo em conta que metade de um dos três dias reservados para a cidade do Sultão foi (bem) passado dentro do comboio que nos levou de Jacarta a Yogyakarta, sobrava pouco mais de um dia para conhecer a cidade, antes de explorar os templos. Sim, um dia dá para passear pela Malioboro, ver o mercado Beringharjo, comprar batiks (o melhor é escolher pelo preço, porque é impossível uma pessoa decidir-se por um ou dois, ou meia dúzia, entre os milhões de tecidos pintados à mão), comer na zona de Sosrowijayan e tomar decisões difíceis como: é melhor penalizar o ambiente e subir para um beckac a motor, ou usar um homem e sentar num a pedais. Enfim, questões com que os turistas não têm que se preocupar, portanto siga a motor.
No Kraton é que não, aqui, ou melhor nas redondezas do Kraton quisemos andar a pé. Não é todos os dias que se pode visitar o palácio de um sultão vivo. Ah, pois, a região de Yogyakarta é governada pelo sultão Hamengkubuwono X. Bom, na verdade mais do que o palácio, o que impressiona é tudo o que envolve esta pequena cidade dentro da cidade.
Apesar de não se verem propriamente muralhas, sabemos que estamos dentro de uma espécie de Valência asiática (só que muito maior e com muitos mais véus islâmicos) e uma das grandes atrações é o Tamansari (Palácio da Água), um complexo de piscinas e palácios onde noutros tempos o sultão desfrutava dos prazeres da vida, que não tinham que ver só com banhos.
O arquitecto do belíssimo complexo foi um português que, diz-se, teve de ser assassinado para que os compartimentos secretos não fossem conhecidos. Graças a esse pormenor vimo-nos num dos poucos sítios da Ásia onde somos portugueses como o arquitecto e não como Cristiano Ronaldo.
O nirvana em Borobudur (e Prambanan)
Mas a grande obra de arquitetura ainda estava para ser vista e “um boi a olhar para um palácio” é uma expressão que se adequa muito bem ao momento em que se põe os olhos no templo budista. A sensação ao escalar os três níveis de um templo com mais de mil anos, construído em forma de mandala e com desenhos esculpidos nas pedras é, além de difícil de explicar, de grande pasmo.
Não quisemos acordar de madrugada (ou ficar acordados até essa hora) para assistir ao nascer do sol lá de cima, onde estão as 72 estupas com o Buda no interior (excepto a do meio que representa o Nirvana), mas o astro rei que nos perdoe, aqui quem reina é o magnificente templo. A qualquer hora do dia.
O templo hindu de Prambanan, que fica a uns 40 quilómetros de Borobudur, é igualmente imponente, mas visitado a seguir a Borobudur não consegue ser tão impactante. Não que seja necessário, ou útil, fazer comparações, mas já se sabe que é quase inevitável. Tão inevitável como correr à chuva depois de deixar Shiva, Vishnu, Brahma e os seus vahana para trás. Ou ter de passar pelo infindável corredor de lojas de souvenirs à saída.
Ah, pelo meio ainda passeamos pela encosta do Merapi, o vulcão mais perigoso de Java, mas mesmo tratando-se de um bonito passeio de jipe pela floresta, e tendo em conta que não somos pessoas de regozijar com esqueletos de animais e objectos derretidos pela lava que o vulcão cuspiu na última erupção, em 2010, não há grande interesse. Sobretudo, porque as nuvens não permitiram que tivéssemos um vislumbrezinho do cume do Merapi, e apesar do nosso motorista/guia nos ter mostrado fotos no telemóvel, é bem possível que a visão das nuvens seja mais frequente do que a do vulcão.
O mesmo não se pode dizer sobre a quantidade de camiões que circulam na estrada com areia do vulcão, por ser de melhor qualidade para a construção. Estes sim, são uma presença constante. “Os camionistas estão mortinhos para que haja outra erupção, porque este é um negócio muito rentável”, revelou-nos o nosso taxista, sem conter um esgar de terror. Disse que se lembrava muito bem do última e do quanto ficou assustado.
3.ª paragem: Malang
De qualquer forma, o nosso verdadeiro encontro com um vulcão ainda estava para acontecer. E o caminho até lá levou-nos a Malang.
Fizemos a viagem de comboio de Yogyakarta até Malang em pouco mais de oito horas (das 8h00 às 16h00), num comboio não tão bom como o anterior e com mais turistas na nossa carruagem. A paisagem, com menos campos de arroz, pareceu-nos menos interessante do que a leitura do livro, mas o dangdut (a música pop indonésia) lá estava a passar na televisão, felizmente, também sem som.
Em Malang fomos surpreendidos por uma cidade diferente do que tínhamos visto até então. As estradas são largas e em muitas delas existem enormes moradias. No centro, há um enorme jardim bem cuidado com um parque infantil cheio de crianças a brincar sob o olhar atento dos pais e mães. A imagem que temos desta parte do mundo (e que se confirma em muitas aldeias, vilas e até cidades do sudeste asiático) é de crianças à solta, com lindos sorrisos e cabelos emaranhados. Não em Malang.
Em Malang parece tudo arrumado. Tudo o que se consegue ver num dia, claro. Tudo muito civilizado, com a tolerância religiosa representada na mesquita, ao lado da igreja protestante e logo a dois passados da igreja católica. Também no mercado das flores e dos animais, se nos conseguirmos abster da crueldade que é ter morcegos e corujas em gaiolas, é possível perceber uma certa ordem.
Se houvesse muitos estrangeiros a passear por Malang, diríamos que esta cidade está feita para “turista ver”, mas nem os russos, ou o outro casal de turistas que vinham na nossa carruagem, encontrámos por ali. Só quando fomos jantar ao Tugu, um hotel que é um museu, encontrámos um outro casal ocidental. E eles e nós éramos os únicos clientes.
O incrível Bromo
A nossa intenção era, a partir de Malang, seguir para o Bromo e daí para Banyuwangi, ou mais especificamente para o porto de Katapang, para apanhar o barco até Bali. E a nossa intenção, realmente, foi levada a cabo, mas com um pequeno senão: fizemos tudo no mesmo dia. Isto é, saímos de Malang às 8h00, de carro com um motorista, e chegamos ao hotel, em Banyuwangi, às 22h00. O percurso não é longo, no total não chega a 300 quilómetros, mas aqui não se pode medir as distâncias dessa forma. É que se excluirmos as três horas que passámos a explorar o vulcão, foram onze horas de estrada, com pequenas paragens para comer e para o nosso motorista rezar a Alá.
Mas vamos à parte do dia que realmente interessa. A chegada a Ngadisari, em Cemara Lawang (junto ao hotel Yoschi’s), para a partir dali seguir de jipe em direção à grande cratera Tegger. Ao pisar aquele deserto percebe-se imediatamente que se está num sítio especial. É verdade que é quando se sobe ao ponto onde a maior parte dos grupos de turistas costumam ver o nascer do sol, junto às antenas, que o Bromo e o Batok (o outro dos três vulcões que fazem parte da cratera), revelam toda a sua fotogenia, mas é a caminhar naquele mar de areia que se percebe que poucas coisas são tão poderosas como a natureza.
É uma experiência e tanto fazer aquela travessia a pé (também é possível fazê-la a cavalo) e depois trepar pelo Bromo. Chega-se à cratera do vulcão escalando 253 degraus e lá em cima é assombroso e terrivelmente assustador, sobretudo para quem viaja com crianças, porque não se pode dizer que seja muito seguro. O som das entranhas da terra e o fumo que sai lá de dentro tornam tudo ainda muito mais intenso e cinematográfico.
O mar de areia à volta dos vulcões não é menos impressionante e, se acontecer o vento soprar um bocado mais forte e formar pequenos tornados e a seguir começarem a cair umas gotas de chuva que formam um arco-irís, todo o ambiente se torna ainda mais sobrenatural e inesquecível.
Não foi fácil seguir viagem depois disto. A montanha rodeada de campos de cebolas e os javaneses a fazer lembrar o Lawrence da Arábia pediam mais uns dias de contemplação, mas a vida de turista nem sempre é fácil. E lá nos fizemos à estrada, uma espécie de EN1, que serve sobretudo de transporte de mercadorias entre as ilhas de Bali e Java.
No dia seguinte, já no barco a caminho de Gilimanuk, a olhar para o cone do vulcão Ijen pareceu-nos que devíamos mesmo ter ficado mais tempo.
Guia Prático
Quando ir
O clima em Java é quente e húmido com temperaturas estáveis ao longo de todo o ano. Os meses mais secos são entre Junho e Outubro. Os mais chuvosos são Janeiro e Fevereiro.
Como ir
A Emirates voa de Lisboa para Jacarta com escala no Dubai. O voo de ida e volta pode custar entre 900 a 1100 euros.
Se quiser viajar de comboio em Java o ideal é comprar os bilhetes com pelo menos um dia de antecedência.
Se apanhar o barco para Bali, tenha em atenção que os operadores que estão a vender bilhetes de autocarro só o levam até uma central de camionagem e não até ao destino que pede. A partir daí, e independentemente do que tenha pago, tem de apanhar um táxi.
Para viajar entre ilhas, há sempre a opção de apanhar um voo doméstico.
Onde comer
Tal como na maior parte dos países do sudeste asiático, a comida de rua é boa e barata. O nasi goreng, ou o mie goreng (arroz frito, ou noodles, com vegetais e carne ou camarão) e o bakso (uma espécie de sopa de almôndegas), são as mais comuns.
Para uma experiência gastronómica única:
Batavia
Pintu Besar Utara, 14 Jacarta
www.cafebatavia.com
Mediterranea
Tirtodipuran, 24 A Yogyakarta
www.restobykamil.com
Tugo
Tugo, 3 Malang
www.tuguhotels.com
Onde ficar
Há soluções para todos os gostos. As nossas opções foram:
M Hotel
Melawai VI, 27, Blok M Jacarta
Simples, central, com pessoal simpático e pequeno-almoço bastante aceitável.
www.mhoteljakarta.com
Tiga Lima
Affandi (Gejayan) Kepuh GK III / 946, Gondokusuman, Yogyakarta
Um pequeno hotel, muito simpático, com um excelente pequeno-almoço. O único senão é ficar distante do centro.
www.tigalimahomestay.com
Kertanegara
Semru, 59 Malang
Auto-intitulam-se de premium guest house, mas pareceu-nos um hotel comum, com vários andares e quartos confortáveis. Não servem pequeno-almoço continental, mas quem gostar de comer arroz ou massa logo pela manhã fica bem servido
www.ketanegaraguesthouse.com