Após umas horas a experimentar várias comidas, em Chinatown, no centro de Banguecoque, o calor intenso leva-nos em busca de água num pequeno café, à saída do mercado. Sentamo-nos e enquanto esperamos para ser atendidos observamos o espectáculo. No balcão encontram-se vários produtos e condimentos em frascos altos de vidro, e do lado de dentro, concentrada, uma cozinheira corta papaia com rapidez e destreza, deixando-a cair em tiras num enorme almofariz. Mexendo de forma constante, a mulher acrescenta os restantes ingredientes à vez: tomate, malagueta, camarões secos, amendoins tostados, molho de peixe, sumo de lima e açúcar de palma. É impossível ficar indiferente perante a cena, pelo que quando o empregado se aproxima, além de duas águas pedimos, também, uma salada de papaia verde, claro. E o popular prato fresco (e picante) tailandês, feito no momento, conjuga na perfeição os cinco sabores básicos - doce, salgado, ácido, amargo e umami -, correspondendo ao jogo de sedução que tínhamos observado.
Da comida de rua à cozinha de autor
Banguecoque é uma das capitais de comida de rua do mundo. Em qualquer lugar e a qualquer hora pode-se comer um pouco de tudo, de uma simples fruta cortada a um ramen chinês, passando, obviamente, pelos mais diversos pratos tailandeses com a sua variedade de produtos frescos (e alguns fermentados) adquiridos diariamente nos vários mercados da cidade.
Porém, para um gastrónomo, a capital da Tailândia não se esgota na comida de rua. Numa cidade com oito milhões de habitantes e um turismo muito forte – numa rua há mais hotéis de luxo do que em Lisboa inteira – é normal que haja igualmente um panorama interessante na cozinha de autor. Porém, se há duas décadas só havia comida de rua e restaurantes de hotel (normalmente de cozinha francesa), muito tem mudado nos últimos anos. Um dos responsáveis por essa mudança é Gaggan Anand, cujo restaurante Gaggan lidera há três anos consecutivos a lista de “Os 50 Melhores Restaurantes da Asia” – posição, aliás, que já tinha sido ocupada (em 2013) por outro espaço da cidade, o Nahm, de cozinha thai, do australiano David Thompson. “Este país mudou muito e eu faço parte dessa mudança. Há 20 anos só existia street food e resorts. Hoje o fine dining é forte. Há vários restaurantes de cozinha de autor tailandesa e de outras cozinhas estrangeiras não francesas - muitos deles fora dos hotéis”, conta-nos o chef indiano.
O mundo de Gaggan Anand
Gaggan Anand chegou à cidade em 2007 depois de uma vida atribulada na sua Índia natal. Nascido em Calcutá no seio de uma família pobre, cedo revelou dotes para a cozinha, o que lhe valeu um trabalho num dos melhores restaurantes do país, de onde viria a sair por não se rever na severidade e constante humilhação a que eram sujeitos os cozinheiros mais novos. Ainda na Índia, fez caterings, foi enganado por um sócio e tornou-se empresário. “Ganhava bom dinheiro mas não cozinhava” e isso não o fazia feliz. Um dia recebeu um convite para ser chef de um restaurante em Banguecoque, o Red. Sem nunca ter saído da Índia, quando chegou à Tailândia Gaggan ficou fascinado com os mercados e com todos aqueles produtos, que não encontrava, nem nos melhores restaurantes do seu país. O Red tornou-se um espaço bem sucedido, mas Gaggan só se viria a realizar quando conseguiu abrir o restaurante que leva o seu nome, em 2010. Hoje, os prémios amealhados com a sua cozinha “indiana progressiva”, como lhe chama, fazem dele uma referência mundial na área, sendo igualmente estimado na sua pátria de acolhimento, onde apoia e desenvolve vários projectos ligados à gastronomia e produção agrícola sustentável.