Quando chegou a hora de concorrer à universidade, Sandra Gonçalves ponderou alguns cursos da área de ciências e reparou num que não sabia muito bem o que queria dizer. Era enologia. Estávamos em 1994, Sandra vivia em Odivelas e não tinha qualquer ligação ao vinho. Foi ao dicionário e viu que "a definição era espectacular", lembra. E concorreu à Universidade de Trásos-Montes e Alto Douro, em Vila Real, a instituição de onde saiu a geração de enólogas e enólogos que tem vindo a mudar o panorama dos vinhos em Portugal.
Os dois primeiros anos confirmaram as suas melhores expectativas e no terceiro ano teve o primeiro confronto a sério com a profissão, quando foi fazer um estágio na Quinta da Romeira, em Bucelas. "Foi um teste à nossa capacidade, porque se trabalhava mais de 12 horas por dia e o engenheiro Cancela de Abreu [o enólogo responsável] era muito exigente", recorda. Quando acabou o estágio, Sandra disse para si: "Seja bom ou não, tenho a certeza que é isto que quero para a minha vida".
As certezas aumentaram no estágio de final de curso, realizado na Quinta do Vallado, no Douro - "Uma experiência extraordinária", confessa -, e durante o ano que trabalhou com Cristiano Van zeller e Sandra Tavares da Silva na Quinta do Vale D. Maria. "Gostei muito, mas tinha 26 anos e queria aprender mais e, para isso, precisava de trabalhar noutra casa maior", recorda.
Surgiu-lhe então a hipótese de ir trabalhar para Cortes de Cima, no Alentejo. "Hans Kristian Jorgensen [o proprietário] é um visionário, a casa produz vinhos mais comerciais mas em grande quantidade, e essa experiência foi muito importante para mim", conta.
Entretanto, Sandra apaixonouse por um alentejano, enólogo na Quinta do Mouro, em Estremoz, e a sua vida voltou a dar outra volta. A certa altura, o enólogo Luís Duarte - "pessoa a quem estarei eternamente grata" - sugeriu o seu nome a Júlio Bastos, que, depois de vender a marca Quinta do Carmo, estava a começar a reerguer a lendária propriedade sob o novo nome Dona Maria. Júlio Bastos vendeu a marca, hoje na posse da Bacalhôa Vinhos, mas manteve a Quinta do Carmo, uma belíssima casa apalaçada do século XVIII situada a um quilómetro de Estremoz. Plantou vinhas novas e comprou uma vinha velha, com cujas uvas eram feitos os vinhos de Alicante Bouschet antigos e que deram fama à casa e à região.
Luís Duarte era o consultor e, em 2003, Sandra Gonçalves entrou como enóloga residente. Em 2005, Luís Duarte saiu e Sandra passou a assumir a direcção da enologia da casa, que volta a estar na ribalta. Os vinhos são cada vez melhores. "Os antigos Quinta do Carmo estão agora extraordinários, mas nos primeiros cinco anos eram imbebíveis, tinham muita extracção e concentração. A ideia do Júlio é pegar no perfil dos vinhos antigos e torná-los modernos", explica, dando como exemplo o vinho Júlio Bastos Alicante Bouschet Garrafeira 2004, o seu preferido. "O vinho não envelhece na garrafa, continua com aromas fantásticos. É muito grosso e os taninos estão muito presentes, duros mas ao mesmo tempo redondos, se é que se pode dizer isto".