Pelo nariz de David Stewart já passaram, segundo as suas próprias contas, mais de meio milhão de amostras de whisky. Ou seja, cerca de dez mil por ano. Podem chegar a 200 por dia, mas não todos os dias. Muito menos são as amostras que leva à boca, menos de dez por cento. "O nariz diz quase tudo, mas algumas vezes faço a prova, para ver se está tudo bem", diz este escocês de 67 anos, que tinha apenas 17 quando entrou no negócio do whisky, um jovem aprendiz na destilaria, longe de pensar que tinha capacidades sensoriais extraordinárias. "Na altura nem sabia o que era um master blender ["mestre de misturas"]. Quando comecei, nunca pensei que ia cheirar whisky. Foi só depois, via o que o blender fazia e ele, ao ver-me no dia-a-dia, achou que eu podia fazer o nosing", recorda.
À beira da reforma, Stewart está já longe das marcas de maior produção da companhia - o "aprendiz" que treinou nos últimos nove anos, Brian Kinsman, é o responsável pelas duas marcas mais famosas da empresa - mas continua a fazer as suas experiências, a testar os líquidos que envelhecem nos cascos (de Jerez, Bourbon, Vinho do Porto ou Madeira) e a criar vintages. Como aquele que apresentou na última semana, o Balvenie Tun 1401 Batch 2, casamento em barril de dez maltes que estagiaram em diferentes cascos e de idade variável (o mais antigo era de 1967), que estará disponível no mercado a partir de Maio deste ano numa edição limitada de 3000 garrafas, com um preço a rondar os 170 euros por unidade.
"Tenho tido muita sorte em me terem dado rédea solta na companhia. Tenho liberdade para experimentar. Estamos sempre à procura", observa Stewart, para quem o grande desafio é manter a constância do sabor nas edições mais comuns do Balvenie, embora reconheça que possa haver ligeiras diferenças entre os lotes. E, por vezes, pode não correr bem, mas pode ser corrigido mudando o líquido de barril. "Há sempre surpresas. Mesmo entre dois barris que estão lado a lado pode haver diferenças. Depende do número de vezes que foi usado. Passa-se sempre qualquer coisa lá dentro. Algumas vezes pode não correr tão bem, mas podemos sempre mudar o casco."
Na destilaria do Balvenie, garante Stewart, existem whiskies a maturar desde o final dos anos 1950, mas o malt master ainda não tem planos para eles. Engarrafar o líquido também pode depender do que a companhia quiser. "A decisão é da equipa de marketing em Londres", reconhece. Mas só se não descaracterizar os sabores e aromas da própria marca. "Provei há pouco tempo esse whisky dos anos 1950 e era maravilhoso. Mas pode haver excepções. Pode ter ficado demasiado tempo em madeira e ficar demasiado intenso. E isso já não é Balvenie."
O whisky é uma alquimia complexa. Depende de muita coisa. Da cevada, da água (há 20 nascentes que alimentam a destilaria do Balvenie), do método de destilação, do tipo de madeira dos barris, da experiência dos que acompanham o processo, desde aqueles que movimentam diariamente o cereal para que as suas raízes não se entrelacem, os que fazem a manutenção dos barris, até aos malt masters. O Balvenie ainda é feito com os métodos tradicionais e isso, diz David Stewart, é parte do segredo, não admitindo "industrializar" o processo se a procura aumentar: "Podemos aumentar a capacidade sem descaracterizar o nosso whisky. Mas nunca iremos abandonar os métodos mais tradicionais."
Já em final de carreira, Stewart diz que nunca se fartou de provar ou de cheirar whisky. Também gosta de beber cerveja - tem uma apetência especial pela irlandesa Guinness - e vinho, mas não dispensa uma dose do líquido que também é a sua profissão quando está em casa a ver um jogo de futebol na televisão - tem lugar cativo nos jogos do Ayr United, equipa da segunda divisão escocesa. Os tempos em que se deixava entusiasmar pelo seu próprio trabalho e bebia mais amostras do que as que cheirava também já vão longe. "Agora sou mais sensato, sei quando parar. Quando ainda não sabia melhor, tive algumas más noites que se transformaram em algumas manhãs más. Mas consigo controlar-me, consigo beber bastante sem ficar muito mal", diz. Mas um whisky de malte é coisa para saborear. "No sítio certo e à hora certa."
A Fugas viajou a convite da William Grant"s and Sons