Fugas - Vinhos

Luís Ramos

Vinhos bons, preços sensatos

Por Rui Falcão

Apesar do aperto da crise e dos momentos difíceis a que estamos condenados, nunca como hoje foi tão fácil encontrar vinhos bons e baratos, vendidos a preços mais que sensatos

Apesar de ainda estarmos bem longe de chegar ao ponto mais baixo dos sérios apuros financeiros em que estamos metidos, a depressão já se instalou de vez no espírito colectivo nacional. Ainda nem sabemos com acuidade o que nos vai atingir, e com que magnitude, e já nos defrontamos com a azia de ouvir falar na palavra crise, esse termo que mal chega para definir a aflição em que nos encontramos. Qualquer que seja o lado para onde nos reviramos, qualquer que seja a perspectiva, mais optimista ou mais derrotista, já não é possível deixar de sentir uma angústia profunda a assenhorar-se dos nossos corações.

Os tempos não são de bonança e as desventuras aproximam-se a passos largos, sem qualquer promessa de subtileza ou brandura. Adivinham-se convulsões dolorosas que, dentro do restrito universo do vinho, deverão ser ainda mais drásticas e aflitivas por se tratar de um bem que dificilmente poderá ser encarado com um produto de primeira necessidade. Não se antevêem facilidades e os próximos anos não serão tempos de vacas gordas ou de dinheiro fácil. Porém, e tal como em todas as crises do passado, e do futuro, os próximos anos poderão ser a quadra certa para ocupar espaços ainda mal preenchidos, tempo de grandes oportunidades... para quem souber antecipar os anseios e necessidades do mercado.

E a verdade é que nunca foi tão fácil beber bom vinho, vendido a bons preços, a preços mais que justos, como hoje! Depois dos muitos excessos grotescos do passado, onde se prometeram vinhos a preços demenciais, de que alguns ainda não se conseguiram libertar, arribamos agora à idade da racionalidade e sensatez, sobrando os exemplos de vinhos com uma excelente relação qualidade/preço. Vinhos que num passado muito recente seriam propostos quase ao dobro do preço a que hoje os poderemos encontrar nas prateleiras de garrafeiras e supermercados. Para que a felicidade pudesse ser verdadeiramente absoluta bastaria apenas que a restauração mostrasse maior respeito e consideração para com o vinho e com os seus clientes, aceitando de vez que o vinho não pode continuar a ser a galinha dos ovos de ouro que garanta a fatia principal do retorno de operação, devorado por margens irracionais que espantam os clientes do seu consumo.

Os bons exemplos de vinhos propostos a preços sensatos transbordam por todas as regiões nacionais, apesar de uma, em particular, se destacar das demais neste binómio entre o preço e a qualidade, a península de Setúbal. Entre os vinhos da Bacalhôa, Ermelinda Freitas, Cooperativa Agrícola de Pegões e José Maria da Fonseca, há muito por onde escolher. Na Bacalhôa, merecem relevo especial os Serra de Azeitão, nas versões rosada, branca e tinta, enquanto na Casa Ermelinda Freitas a atenção centra-se particularmente nos Terras do Pó e nos múltiplos Ermelinda Freitas varietais. Na Cooperativa Agrícola de Pegões, inspiradora de muitas das melhores relações qualidade/preço do mercado, sobressaem os vinhos Fonte do Nico, com destaque para o original Fonte do Nico Light, bem como pela meia dúzia de vinhos estremes sob o nome genérico de Adega de Pegões. A José Maria da Fonseca é sobejamente conhecida pelos históricos Periquita, agora divididos entre tinto, branco e rosado, bem como pelos BSE e Quinta do Camarate.

Mas nem só em Setúbal nascem vinhos ajuizados no preço e na qualidade. O Alentejo é outra das regiões onde a oferta neste segmento é particularmente alargada. A começar pelos urbanos ".com", nas traduções branca e tinta, vinhos educados e risonhos que apelam a um mercado mais cosmopolita. Continuando pelo D. Rafael, o vinho mais acessível da Herdade do Mouchão, uma das referências mais seguras na restauração lusitana. A saga prossegue com os vinhos Lusitano da Ervideira, acompanhados pelas imensas referências de vinhos estremes com o nome da casa. Bem construídos e apelativos, os vinhos da Adega Cooperativa de Borba, sobretudo os "adegaborba.pt" e os Senses, nas diferentes versões estremes, distinguem-se pela positiva. Antes de sair do Alentejo tempo ainda para referir os Loios e Marquês de Borba, de presença obrigatória, de João Portugal Ramos, bem como os Herdade das Albernoas, do Paço do Conde, em Beja.

No Douro o relevo imediato tem de ser assacado aos vinhos da Lavradores de Feitoria, um dos projectos mais entusiasmantes e originais de um Portugal de temperamento demasiado individualista, numa corporação que consegue apresentar um conjunto de vinhos absolutamente coerentes e estimulantes, capitaneados pelos vinhos Três Bagos e pelos vinhos de nome homónimo, os Lavradores de Feitoria branco e tinto. Mas a lista nunca poderia estar pronta sem o Vallado, um vinho tinto sedutor e rigoroso, uma das melhores relações qualidade/preço do mercado... e o refúgio mais seguro da restauração nacional no que toca a vinhos tintos. Ou ainda nos múltiplos vinhos da CARM, um dos produtores mais queridos de quem quer beber bom e barato!

Na região do Vinho Verde avulta o Soalheiro, o refúgio mais seguro da restauração no capítulo dos vinhos brancos, bem acompanhado pelo Muralhas, um dos ícones maiores dos vinhos brancos nacionais virtuosos e acessíveis. Mas a região estende-se muito para além destas duas referências obrigatórias, agraciando nomes como os vinhos da Casa de Oleiros, Casa de Vilacetinho, Camélia, Casa do Valle, Quinta de Gomariz, Don Ferro, Tormes ou os originais vinhos Rolan.

Na região do Dão ressaltam os vinhos Boas Quintas, admiráveis e vendidos a um preço inacreditável para tamanha qualidade, enquanto no Tejo não me canso de elogiar os vinhos da Quinta da Lagoalva, merecedores de muito maior consideração... que aquela que lhes é habitualmente dispensada. Finalmente, a região de Lisboa, onde repincham os incontáveis vinhos da DFJ e Casa Santos Lima, desenhados a régua e esquadro por José Neiva, um dos maiores obreiros e ideólogos dos vinhos bons e acessíveis.

Motivos de sobra para encarar a crise actual, e a que se adivinha nos próximos anos, com um olhar mais sereno e esperançoso.

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