À qualidade, civilidade e originalidade distintiva dos vinhos de Mosel, junta-se ainda uma paisagem absolutamente deslumbrante, simultaneamente austera e harmoniosa, imponente e graciosa, de uma sobriedade e monumentalidade quase indescritíveis. Apesar das muitas diferenças que as separam só outra paisagem associada ao vinho se lhe pode comparar na grandiosidade da natureza e na homília do esforço titânico do homem, na beleza e magnificência do horizonte e na conquista à mão de um território hostil, o Douro.
Em Mosel, como no Douro, a região ganhou o nome do rio que a atravessa e que tornou possível o milagre do vinho. Numa paisagem sempre matizada pelos meandros do rio Mosela, o grande obreiro do prodígio dos vinhos de Mosel, a cultura da vinha não seria viável sem o conforto das águas calmas do rio. Porque para todos os efeitos as vinhas de Mosel situam-se muito acima do limite norte de viabilidade da videira, capazes de medrar graças a um feliz conjunto de casualidades e de pequenos milagres que permitiram o sucesso do vinho em paragens tão nortenhas.
O vale profundo e incrivelmente tortuoso criado pelo lento deambular do rio Mosela em direcção ao Reno, desfraldado em sucessivas voltas e reviravoltas do rio, resguarda as vinhas dos ameaçadores ventos frios do norte. Ao mesmo tempo, as contínuas e vertiginosas encostas onde medra a vinha oferecem centenas de exposições graças às constantes contravoltas do rio Mosela, aquecendo e aconchegando as vinhas expostas a sul. Os solos xistosos soltos e profundos, numa nota extra de familiaridade com o Douro, absorvem e concentram o calor do dia, para mais tarde o reflectir e suavemente libertar durante as noites frias, ajudados pelo calor suave libertado pelo Mosela... que funciona também como espelho de água, repartindo os raios solares pelas vinhas das encostas mais escarpadas.
Finalmente, e em mais uma sucessão de analogias com o Douro, merecem destaque a enorme concentração de vinhas velhas e muito velhas, algumas delas ainda em pé-franco, isentas da praga da filoxera, bem como a impossibilidade de mecanização de qualquer faina em encostas tão íngremes, a dependência total de uma monocultura, a enorme fragmentação da posse da terra, com vinhas dispersas e muito misturadas, que em centenas de casos se resumem a uma simples linha de videiras. As afinidades culturais completam-se com a vinha mais velha disposta em socalcos e patamares, tão ao gosto do Douro, enquanto as vinhas mais jovens se dispõem ao alto, por vezes em ângulos quase absurdos e improváveis.
Porque em nenhum outro lugar do mundo se poderão encontrar vinhas tão loucas e inverosímeis como em Mosel, com declives que no seu apogeu chegam a atingir os 80º de inclinação, com mais índole para serem tratadas como paredes de escalada que vinhas onde alguém se disponha a podar, sulfatar... ou vindimar com um cesto pesado às costas. As escarpas são tão pronunciadas que, em vinhas de maior pendente, os trabalhadores se vêem forçados a envergar um arnês, presos por cordas face ao perigo de queda, tal qual um alpinista. Para aceder ao topo de algumas vinhas, para ajudar os trabalhadores a subir e posteriormente poder descer os cestos com uvas, foram construídos centenas de pequenos funiculares monocarril que avançam pelas vinhas arriba como se se tratasse de uma viagem galopante por uma montanha russa acima.
As desigualdades com o Douro extremam-se no protagonismo dado a uma só casta, o Riesling, obrigado a desembuçar centenas de estilos e perfis diferentes dentro de uma só região. E, por inacreditável que tal possa soar em vinhos assentes numa só casta, o estilo é mesmo dramaticamente diferente consoante a vinha onde nasceram. Por isso o nome da vinha, bem como o nome da vila mais próxima da vinha, é tão decisiva para a correcta descodificação dos vinhos de Mosel. Para os melhores vinhos, é esta aclaração que ajuda a identificar o estilo, já que algumas vinhas compartem nomes virtualmente idênticos, retratadas em dezenas de rótulos de produtores diferentes, diferenciadas apenas pelo nome da vila. Exemplo perfeito deste paradigma são as múltiplas vinhas conhecidas como Sonnenuhr (relógio de sol), identificadas por créditos tão famosos como Zeltinger Sonnenuhr, Wehlener Sonnenuhr ou Brauneberger Juffer Sonnenuhr, vinhas com enormes relógios de sol suspensos nas paredes verticais das encostas, estabelecidas respectivamente nas vilas de Zeltingen, Wehlen e Brauneberg.
Cada vinha oferece um perfil e estilo perfeitamente definidos, que podem variar entre a elegância suprema de Wehlener Sonnenuhr e a opulência barroca e genica extrema dos vinhos de Erdener Prälat. Até os nomes das vinhas declaram algo sobre as suas particularidades, contando histórias bizarras sobre a sua origem e os seus predicados, desvendando nomes deliciosos. Veja-se, por exemplo, vinhas com nomes como Erdener Prälat (o prelado de Erden), Erdener Treppchen (escadas íngremes de Erden, face ao declive pronunciado da vinha e à sua implantação em socalcos), Graacher Himmelreich (o reino dos céus de Graach), Bernkasteler Doktor (o doutor de Bernkastel, em referência ao facto de um bispo ter sido alegadamente curado de uma longa maleita logo após ter bebido um vinho desta vinha) ou Ürziger Würzgarten (o jardim especiado de Ürzig, por dar azo a vinhos especialmente especiados no aroma, com uma gama incrível de frutos tropicais e notas citrinas).
E para cúmulo, para além de se incluírem entre os vinhos brancos com maior potencial de guarda do mundo, podendo ultrapassar com facilidade os 60 e 70 anos de vida em garrafa, os vinhos anunciam-se com graduações alcoólicas baixíssimas, por vezes com apenas 6,5º, elegantes e delicados, numa filigrana aromática de sedução garantida. Tudo isto numa região onde, segundo a lógica da natureza, a vinha nem deveria ser capaz de sobreviver!