Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

Dão Primores à boa maneira de Bordéus

Por Pedro Garcias

A Comissão Vitivinícola Regional do Dão realizou, em Viseu, o primeiro Dão Primores, apresentando os vinhos da colheita de 2010. Um bom ano no Dão, sobretudo para os vinhos brancos.

A declaração oficial de colheita com a apresentação dos vinhos em primor (vinhos que, em muitos casos, ainda não estão engarrafados) aos comerciantes e à imprensa especializada é uma prática comum em algumas regiões importantes, como Bordéus, onde gera sempre grande repercussão mediática. Mas, em Portugal, à excepção do vinho do Porto em "ano Vintage", quando a maioria das casas declara Porto Vintage clássico, não há essa tradição. A Comissão Vitivinícola Regional do Dão viu aí uma boa oportunidade de promoção e, na passada segunda-feira realizou, em Viseu, o seu primeiro Dão Primores, dando a conhecer os vinhos da colheita de 2010.  

Cerca de 40 produtores, incluindo todos os pesos-pesados da região, responderam à chamada. João Paulo Gouveia, enólogo (faz o Pedra Cancela e colabora noutros projectos) e professor no Instituto Politécnico de Viseu, fez a apresentação da colheita pelo lado da viticultura; Manuel Vieira, enólogo da Quinta dos Carvalhais, explicou os vinhos. A sentença não foi ao estilo de Bordéus, onde quase todos os anos se proclama a colheita da década ou até do século. Mas parece haver consenso de que 2010 foi um bom ano no Dão, sobretudo para os vinhos brancos e, em particular, para o Encruzado, a grande casta branca da região (a tinta é a Touriga Nacional)

Devido às alterações climáticas, o clima do Dão, uma das mais-valias da região, está a mudar, caminhando de moderado para quente, razão pela qual o grau médio dos vinhos tem vindo a aumentar. O ano de 2010 reflectiu, aliás, o novo paradigma climático mundial: aumento da temperatura e ocorrência de episódios meteorológicos extremos. No Dão, choveu muito no Inverno e, nos três últimos meses do ciclo da vinha, que coincidem com a maturação das uvas, choveu pouco e fez muito calor. A vinha gosta de calor e um final de ciclo quente não seria problema, desde que os solos retivessem a água acumulada no Inverno. Acontece que os solos do Dão são, na sua maioria graníticos e estes têm fraca capacidade de retenção de água. Por isso mesmo, a maturação decorreu já com as vinhas em situação de stress hídrico moderado. Mas ainda assim, como sublinharam João Paulo Gouveia e Manuel Vieira, as vinhas reagiram bem.

Sendo bom, 2010 não será um ano histórico, de qualidade generalizada a toda a região. Mas são de esperar grandes vinhos, até porque o Dão é muito diverso (possui sete sub-regiões). Manuel Vieira ouviu alguns enólogos e as suas respostas ajudam a entender um pouco melhor o último ano vitícola. Para Nuno Cancela de Abreu (Quinta da Fonte do Ouro, Quinta da Giesta e Boas Vinhas), 2010 foi um ano de "brancos excepcionais". Álvaro de Castro (Quinta da Pellada) considera que "foi um bom ano para o Alfrocheiro". Rui Reguinga (Quinta dos Roques) defende que foi "um ano de Encruzado". Na opinião de António Mendes (Adega Cooperativa de Mangualde), da vindima de 2010 saíram os "melhores brancos dos últimos anos". E Carlos Lucas (Quinta de Cabriz) resumiu a colheita como "o último ano de uma década a consagrar a qualidade e regularidade dos vinhos do Dão".

Mesmo com a temperatura a aumentar e o grau médio das uvas a subir, o Dão tem vindo a melhorar a qualidade geral dos seus vinhos, tanto nos tintos (frescos, estruturados e elegantes), como nos brancos (muito minerais e contidos de aroma). O potencial é enorme, mas a região ainda tem muitos problemas para resolver, como o abandono das vinhas (foi a região do país que mais aderiu ao programa de arranque de vinhas) e uma reduzida notoriedade nacional e internacional (o número de produtores a fazer bons vinhos ainda é pouco significativo). Arlindo Cunha, o presidente da Comissão Vitivinícola Regional do Dão, sabe disso, razão pela qual quer transformar o Dão Primores num grande evento. Este ano, destinou-se apenas ao mercado nacional, a partir de 2011 poderá já contar com operadores e jornalistas estrangeiros.

Com o país em crise, a saída está no mercado externo, que continua a ser amigável para os vinhos portugueses. Embora se temesse uma queda nas vendas de vinho no primeiro trimestre do ano, os resultados apontam para uma subida de 5 por cento em valor, segundo adiantou Edite Azenha, a presidente do Instituto da Vinha e do Vinho. Em volume, registou-se uma queda de 0,2 por cento.

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