Com quase mil metros de comprimentos, o principal pavilhão da Vinexpo começava e acabava em português. Numa das pontas, estavam os vinhos do Brasil, na outra, os vinhos de Portugal, divididos em duas famílias: de um lado, os produtores durienses, abrigados no stand do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, do outro, os do resto do país, reunidos nos stands da Viniportugal. Todos sobre um chapéu comum, a marca "Wines of Portugal". Não era o melhor lugar, mas, para a dimensão do país, ninguém se pode queixar.Além do mais, algumas das maiores companhias portuguesas, como a Sogrape, a Taylor`s e a Symington, ocuparam espaços mais nobres da feira.
Alguns participantes portugueses queixavam-se da fraca afluência, outros mostravam-se optimistas com os contactos estabelecidos, sobretudo com importadores asiáticos e do Canadá. Portugal não está propriamente na moda, mas a percepção estrangeira dos vinhos portugueses parece estar a mudar. E a participação nesta Vinexpo pode ter ajudado um pouco. Sem a opulência de outras representações, a presença portuguesa não envergonhou ninguém, surgindo com uma imagem jovem e colorida.
Helicópteros e boutiques
Um dos sons típicos da Vinexpo é o barulho dos helicópteros a pousar ou a descolar. É um vaivém aparentemente improvável para uma feira do género, mas o mundo do vinho está cada vez mais ligado a exibições de riqueza e charme.
Os preços que algumas garrafas atingem justificam bem o luxo e a ostentação. Voar de helicóptero do château para a feira e da feira para o château permite fugir ao trânsito e impressionar os clientes. Mesmo aqueles que não estão directamente ligados ao vinho.
Algumas das mais renomadas casas francesas fazem vinhos para milionários. Os stands de algumas delas parecem autênticas boutiques de alta-costura e relojoaria. As garrafas surgem como objectos raros e exclusivos, dissimuladas em cenários de luxo e sofisticação.
A atracção chinesa
A forte afluência de jornalistas e importadores chineses na Vinexpo chegou a abrir telejornais em França. Não há produtor de vinho no mundo que não olhe para a China como o novo eldorado.
Os seus importadores são hoje as figuras mais pretendidas e bajuladas do negócio. Todos lhes querem vender vinho, mas os chineses já não compram de olhos fechados. Só mesmo quando os rótulos têm impressos nomes franceses lendários.
Argentina em alta
As grandes revistas da especialidade têm antecipado que esta será a década dos vinhos argentinos. Mas, como sublinhava, Ricardo Rebelo, vice-presidente e CEO da Finca Flichman, a empresa argentina da Sogrape (integra o top five das maiores empresas argentinas, vendendo por ano cerca de 18 milhões de garrafas), DR o país já está na moda há algum tempo. "Há 10 anos, a Argentina exportava 90 milhões de dólares de vinho. Em 2009, exportou perto de 900 milhões [já ultrapassou Portugal]", lembrava.
Apesar de conotada com o chamado Novo Mundo do vinho, a Argentina tem uma história vitivinícola antiga. Em Mendoza, a principal região do país, faz-se vinho pelo menos há 400 anos, desde que monges portugueses plantaram ali as primeiras vinhas.
Os argentinos sempre produziram muito vinho, mas também sempre consumiram muito (cerca de 90 litros por pessoa anualmente). Era pouco o que exportavam.
Há cerca de duas décadas, com a modernização da economia e abertura do país ao investimento estrangeiro, a situação mudou.
Os preços estabilizaram e a chegada de companhias europeias e americanas abriu o país à exportação. Apesar de não haver ajudas públicas à plantação, o investimento compensava, e continua a compensar, porque a terra é barata e altamente produtiva. Para os vinhos de gama média, as produções atingem facilmente os 15 mil quilos de uvas por hectare. Para os de topo, chegam aos sete mil quilos. Com estas condições, a Argentina pode começar a oferecer qualidade a bom preço. "Os vinhos argentinos vendem-se cada vez melhor porque são bons e baratos. Têm a melhor relação qualidade/preço do mundo", assegurava Ricardo Rebelo, lembrando que beneficiam ainda da ajuda de três produtos argentinos de grande impacto mundial: o tango, o futebol e a carne.
A excitante Torrontés
A casta bandeira da Argentina é a tinta Malbec, mas alguns dos mais surpreendentes vinhos argentinos são brancos e produzem-se a 1800 de altitude na região de Salta, a partir da casta Torrontés. Vale a pena fixar este nome: Felix Lavaque e o seu admirável Quara Torrontés, em especial o Quara Viña de la Esperanza 2009. Descobrimo-lo na Vinexpo. Felix tem vinhas no vale de Cafayate, às portas do deserto de Atacama. A precipitação média anual é de apenas cinco milímetros e, no entanto, os seus vinhos de Torrontés, além de aromáticos e secos, possuem uma acidez que os torna incrivelmente frescos. O segredo está no solo, que é arenoso e profundo, permitindo conservar a humidade.
O fabuloso champanhe Collard-Picard
Collard-Picard. Umas das melhores lembranças da Vinexpo. É o nome de um casal (Collard pela parte dela, Picard pela parte dele) que decidiu juntar a ligação de ambos ao vinho (um ao Pinot Noir e ao Pinot Menieu de la Vallée de la Marne, outro ao Chardonnay de La Côte des Blancs) e fazer um champanhe com uvas próprias.
Um grandíssimo champanhe, que mistura modernidade com tradição. Soberbo o Cuvée Des Archives Millésimée 2002. Brevemente, deverá estar à venda em Portugal.
Jantar com a Dão Sul em Saint-Emillion
A Dão Sul, liderada por Carlos Lucas, levou quase toda a equipa de enologia e viticultura à Vinexpo.
É assim que se aprende e se abrem horizontes. Ao segundo dia de feira, acompanhámos o grupo num jantar em Saint-Emillion, a pequena cidade de pedras que se ergue por entre um imenso e geométrico mar de vinhas. Património da Humanidade desde 1999, Saint-Emillion é um verdadeiro museu ao ar livre. Não há nada fora do sítio. É tudo imaculado, desde as vinhas aos monumentos e ruelas de pedra. O jantar deixou memória pela companhia e por um Chablis que acompanhou umas entradas. Melhor mesmo foi o champanhe que se bebeu na rua já noite alta.
O Château Pichon Longueville abriu-se ao Douro
A participação duriense na Vinexpo ficou marcada pela soirée que o imponente Château Pichon-Longueville, em Pauillac, dedicou aos grandes vinhos do Douro, perante a presença de centenas de convidados, entre importadores, sommeliers e jornalistas estrangeiros. O Château pertence à AXA Millésimes, que é proprietária da Quinta do Noval. Alguns dos seus quadros são também donos da Quinta da Romaneira. O principal elo de ligação destes activos é Christian Seely, o inglês que dirige o château Pichon-Longueville, já foi o responsável máximo da Noval e é accionista da Romaneira.
A festa começou com uma concorrida prova de vinhos de cada um dos produtores convidados nas caves do Château e terminou com um jantar com vinhos do Douro e comida de inspiração portuguesa. Foi uma grande acção de promoção, que ajudou a dar um pouco mais de notoriedade internacional aos vinhos de mesa durienses. Apesar do prestígio crescente da região, os seus vinhos ainda são pouco conhecidos no mundo, tal como o próprio país. Domingos Alves de Sousa, da Quinta da Gaivosa, testemunhou isso mesmo durante a prova, quando, ao passar pela sua bancada, um importador chinês lhe perguntou se os vinhos que estava a provar eram espanhóis.
A estreia dos vinhos Cottas
A festa do Douro no Château Pichon-Longueville, vizinho de casas míticas como a Latour e a Margaux, representou para alguns produtores durienses uma espécie de ritual de iniciação, a passagem do anonimato para a alta-roda do vinho. Marcas ainda relativamente novas como a Duorum, MUX (ex-Muxagat), Marka e Cottas puderam partilhar os holofotes com outras já consagradas, como as referências dos chamados Douro Boys, Sogrape, Real Companhia Velha, Symington, Gaivosa, Poeira e Pintas, entre outras.
No caso do vinho Cottas, foi uma estreia de sonho. O primeiro tinto saiu para o mercado apenas em 2009. É um reserva de 2008, muito contido de aroma, mas bastante carnudo e envolvente, com excelentes taninos e uma acidez deliciosa. O reserva de 2009, apresentado na Vinexpo, é menos fresco mas está mais elegante e pronto a beber. O primeiro branco, também reserva mas de 2009, saiu em 2010. Fermentado em madeira, é um vinho bastante mineral e gastronómico, mas menos complexo do que o excelente reserva 2010.
A história do vinho Cottas começou em 2006, quando a família Carmo, que detinha, 31,5 por cento da Sogrape, alienou a sua participação a Joe Berardo. No dia seguinte, Pedro Carmo, que era administrador na Sogrape, deixou o cargo. Um ano depois, criou uma sociedade com a mulher, Isabel, e comprou uma quinta de 10 hectares perto da aldeia de Cotas, no concelho de Alijó, mesmo junto à Quinta da Romaneira. Mais tarde comprou uma outra propriedade de sete hectares junto ao rio Távora, em Tabuaço. Foi plantando e recuperando vinhas e, há dois anos, sob a direcção enológica de João Silva e Sousa, também ele antigo quadro da Sogrape, lançou os primeiros vinhos.
Por agora, a produção não passa das 35 mil garrafas e a ideia de Pedro Carmo é não crescer muito mais. Por agora, faz os vinhos em instalações alugadas e só em 2010 deverá ter pronta a sua própria adega, a que chama uma "casa de bonecas". Nessa altura, tenciona lançar o seu Quinta de Cottas, a marca reservada para os grandes vinhos da casa.
A FUGAS viajou a convite da Quinta de Cottas