Nos últimos anos, alguns desses heróis têm vindo a ser resgatados do anonimato e do desconhecimento geral. E essa descoberta não só lhes presta justiça e homenagem como nos ajuda a perceber melhor as transformações ocorridas na viticultura moderna daquelas duas regiões.
Em 2008, o Museu do Douro montou uma exposição e editou uma espécie de estudo biográfico sobre Gastão Taborda (1917/1983), uma personalidade decisiva na construção do Douro contemporâneo. Recentemente, a Fundação Francisco Girão publicou uma obra sobre a vida deste advogado duriense (1904/1973 e o seu contributo para o desenvolvimento da vitivinicultura minhota enquanto proprietário da Quinta de Vilacetinho, em Alpendurada, Marco de Canaveses.
Curiosamente, há alguns pontos de contacto entre estas duas personalidades: ambos nasceram no Douro (Girão em Lamego e Taborda em Poiares, Freixo de Espada à Cinta), no meio de famílias abastadas, e passaram parte da vida em Lisboa, antes de regressarem definitivamente ao interior, embora por motivos diferentes. Francisco Girão deixou Lisboa, onde exercia advocacia, para tomar conta da enorme quinta de Vilacetinho, que herdou do pai; Gastão Taborda regressou ao Douro para poder aplicar os conhecimentos adquiridos com a licenciatura em Engenharia Agronómica no Instituto Superior de Agronomia.
Francisco Girão viria a destacar-se enquanto proprietário, pelas inovações que foi introduzindo nos sistemas de cultivo e na elaboração dos vinhos, ao passo que Gastão Taborda se notabilizou enquanto técnico e director do Centro de Estudos Vitivinícolas do Douro. Realizando um trabalho quase monástico (vivia em Poiares e passava os dias da semana na Régua, hospedado numa pensão), Gastão Taborda ajudou a erguer os alicerces do Douro moderno. Pouca gente saberá disto, mas o grande responsável pela recuperação da casta Touriga Nacional foi Gastão Taborda. Graças a inúmeros estudos experimentais que realizou sobre as castas e os vinhos do Douro, aquele técnico foi pioneiro na descoberta e divulgação do grande potencial da Touriga Nacional, evitando a sua extinção no Douro. Alguns desses estudos foram depois continuados e ampliados por José António Rosas e o seu sobrinho João Nicolau de Almeida, aos quais, na verdade, se deve o grande e decisivo trabalho de selecção e dinamização das melhores castas tintas e brancas do Douro.
O livro que o Museu do Douro lançou, escrito por Amândio Jorge Morais Barros, com a coordenação e a ajuda de José Roseira, revela uma personagem fascinante e, através dela, permite contextualizar a evolução da viticultura duriense nas últimas décadas. A obra dedicada a Francisco Girão tem uma vertente igualmente biográfica, dando-nos a conhecer aquele que foi um dos primeiros produtores-engarrafadores dos Vinhos Verdes, mas o seu interesse é mais vasto.
Dividida em dois volumes, a publicação conta com a colaboração de várias personalidades e traça um retrato das duas principais regiões vitícolas do Norte de Portugal e das inovações que ambas sofreram a partir dos anos 60 do século passado. António Barros Cardoso faz a ponte entre o Douro e os Vinhos Verdes, fixando as coordenadas essenciais destas duas regiões vitícolas até aos anos 70 do século passado. Rogério de Castro e Nuno Magalhães pormenorizam os avanços registados na viticultura minhota e duriense nos últimos 40 anos. Anselmo Mendes e João Nicolau de Almeida fazem o mesmo em relação aos vinhos, eles que são protagonistas essenciais da mudança. Manuel Pinheiro e Jorge Dias escrevem sobre a evolução institucional das duas regiões. E Antero Martins conta a história da selecção das castas em Portugal, a qual tem raízes no Douro e nos Vinhos Verdes.