Confesso sem hesitação, tenho uma relação algo dúbia com as prédicas e os postulados da biodinâmica, com os preceitos e as práticas, com a filosofia que lhe é subjacente. Se por um lado a minha formação académica científica e racional me distancia dos conceitos fundamentais da biodinâmica, a prática, essa, apesar da inexistência de explicações razoáveis, tem demonstrado que a prática biodinâmica pode proporcionar resultados notáveis.
Se a lógica e o raciocínio cartesiano me distanciam por inteiro do conceito, a perspectiva de uma agricultura mais saudável, respeitadora do ambiente e do homem, são juízos que me seduzem abertamente. Se a tendência para o evangelismo e o proselitismo dos fundamentalistas da biodinâmica me incomodam, os resultados práticos, esses, costumam ser excitantes.
Claro que é fácil perder o contexto e desvalorizar os fundamentos, saboreando os ângulos mais caricatos da biodinâmica. Claro que é fácil desprezar o essencial, deixando que seja o burlesco a reinar. Sim, é fácil escamotear a verdade, esquecer os princípios, esquecer o respeito para com a terra e os elementos, esquecer os resultados, centrando a atenção na ideia do oculto, na chacota, na negação categórica do que não se compreende.
Apesar de ninguém adivinhar os porquês, apesar da total ausência de respostas por parte da ciência racional, a prática evidencia que a agricultura biodinâmica consegue produzir resultados inexplicáveis, oferecendo uma vitalidade e qualidade ímpar na vinha. Efeitos confirmáveis, mesmo que meramente empiricamente, por todos aqueles que já visitaram vinhas doutrinadas na prática biodinâmica, visíveis na qualidade da fruta, na ausência de doenças... e na abundância de vida pela vinha.
Tal como na agricultura orgânica, a utilização de fertilizantes sintéticos, fungicidas, herbicidas ou pesticidas é considerado um anátema nas práticas biodinâmicas. Adubar significa fecundar ou vivificar o solo e não simplesmente emprestar nutrientes às plantas. Em alternativa aos fertilizantes e sistémicos de síntese habituais, a agricultura biodinâmica utiliza diversos preparados que, aplicados segundo o calendário da natureza, incentivam o regresso da vida no solo.
Ora é precisamente nos preparados, no exotismo de alguns dos compostos e elaborações, que a atenção mediática se agarra. Nada mais invulgar, e aparentemente caricato, que imaginar um corno de vaca recheado de excrementos do animal a ser enterrado no solo, numa data concreta, para ser posteriormente desenterrado numa outra data concreta segundo o compasso dos ciclos lunares. É o preparado 500, um dos muitos preparados e tisanas indispensáveis à prática da agricultura biodinâmica.
Serve o intróito para discorrer sobre os magníficos vinhos do produtor austríaco Nikolaihof, plantado na região de Wachau. Durante anos, mantive uma opinião ambígua sobre o produtor, apreciando os seus vinhos mas sem verdadeiramente perceber a filosofia, a coerência e a lógica da criação. Hoje, apresento-me como um dos muitos convertidos, como um dos devotos da causa, como um dos apreciadores atentos dos poucos vinhos que o produtor Nikolaihof vai lançando regularmente no mercado.