Goste-se ou não da realidade, incomode ou não, a verdade é que os consumidores portugueses entenderam privilegiar duas denominações nacionais, Alentejo e Douro, atropelando e condenando as demais regiões a um estranho ostracismo. São múltiplas, complexas e nem sempre fáceis de entender as razões que concorrem para esta realidade.
O primeiro factor de diferenciação, e provavelmente o mais decisivo de todos eles, assenta no dinamismo ímpar destas duas denominações. Porque se formos intelectualmente honestos há que reconhecer que Alentejo e Douro são as duas regiões que mais inovam, as que menos se acomodam, as que se demonstram maior abertura, e, naturalmente, as que mais e melhores investimentos conseguem recrutar.
Porém, apesar do inegável dinamismo destas duas regiões e da aceitação que detêm junto do público, as restantes regiões não são mera paisagem para encher o olho. Bem pelo contrário, já que muitos dos grandes vinhos portugueses nascem em locais inesperados. Alguns nascem mesmo em locais sem qualquer registo histórico, ou, nos casos mais extremados, em regiões sem direito sequer a denominação de origem.
Cada denominação, com a sua individualidade e personalidade próprias, contribui para justificar vinhos originais, promovendo perfis suficientemente distintos para enriquecer o património colectivo. Nada pior que os discursos monocórdicos assentes numa só nota. A diversidade é o propulsor do progresso e da inovação.
Uma dessas denominações que não possui uma tradição histórica especialmente robusta, sem o pedigree dos grandes nomes, é Lisboa. Depois da façanha de ter passado por vários nomes, de Oeste a Estremadura, a região deliberou assentar no registo mais prosaico de Lisboa, nome que engloba os vinhos da antiga Estremadura (Alenquer, Arruda dos Vinhos, Encostas d'Aire, Óbidos e Torres Vedras), a que se somam os nomes de três das mais afamadas e documentadas denominações de Portugal, Bucelas, Carcavelos e Colares.
A região de Lisboa, a antiga Estremadura, uma amálgama de várias sub-regiões, um puzzle de diferentes identidades e realidades, continua, infelizmente, a sofrer com problemas graves de imagem e identidade. Por ter sido em tempos a principal abastecedora das tascas de Lisboa, ainda hoje sente dificuldade em descolar dessa imagem negativa. Não é fácil trabalhar em Lisboa, pela falta de reconhecimento que o nome transporta.
No entanto, e apesar das sombras que pairam no ar, sente-se algum investimento na região, vontade para mudar e fazer diferente, querença e saber para aproveitar as vantagens do clima de forte influência atlântica, ambiente que permite apresentar vinhos frescos, originais e atrevidos. Uma mão-cheia de produtores lidera o nome da denominação, estimulando o aparecimento de mais contribuições... bem como o nascimento de novos projectos, em novas zonas, novas áreas geográficas dentro da denominação Lisboa.
Mafra é um dos exemplos mais gritantes desta nova tendência. Assestada às portas de Lisboa, quase pegada ao mar da Ericeira, é uma vila mais conhecida pelo palácio-convento, pela magnífica Tapada de Mafra ou pela Escola Prática de Infantaria, do que pelo vinho. Apesar de sempre terem existo videiras por Mafra, como de resto por todo o país, Mafra nunca foi famosa pela sua ligação ao vinho. Mas este é um axioma que James Frost decidiu transfigurar desde que arribou a Mafra, à Quinta de Sant'Ana, no início da década de noventa.