Fugas - Vinhos

Dirk Niepoort: “Portugal tem tudo nas mãos… se não deitar tudo fora”

Por Pedro Garcias

Dirk Niepoort é um dos portugueses com mais mundo no negócio do vinho. Optimista por natureza, não esconde a preocupação pelo caminho que o sector está a tomar um pouco por todo o lado, em que a tendência é fazer vinhos cada vez melhores mas também cada vez mais iguais. Mas acredita que Portugal tem futuro, se respeitar o passado e aprender com os mais velhos a produzir vinhos mais ligados à terra.
Fundador do mais bem sucedido e mediático grupo de produtores do país, os Douro Boys, Dirk Niepoort deu a volta à empresa da família, a Niepoort, uma velha casa do vinho do Porto que é hoje também uma das mais dinâmicas na produção e comercialização de vinhos de mesa. O papel que tem tido na promoção dos vinhos do Douro e do próprio país já era merecedor de uma estátua.

Nesta entrevista à Fugas, Dirk traça um retrato sombrio da indústria do vinho e aponta a França como o exemplo a seguir, por ter conseguido "manter uma situação que quase já não existe em país nenhum: o vigneron, a pessoa que vive da terra, vive a terra, cultiva a terra, trata da vinha e faz o vinho o melhor que sabe".

O mundo está a mudar a uma velocidade que nos escapa. O negócio do vinho também?
No vinho também, sem dúvida. Muitas coisas estão a mudar a uma velocidade vertiginosa. Os grandes são cada vez maiores. Os pequenos estão a desaparecer. A globalização está a igualar cada vez mais os vinhos. As universidades, devido ao peso e lobby da indústria, globalizam cada vez mais os vinhos. Cada vez mais os vinhos são bem feitos mas iguais em qualquer parte do mundo. O jornalismo anda cada vez menos interessado e mais controlado por agências de relações públicas. O comércio do vinho depende cada vez mais das classificações de meia dúzia de jornalistas.
O peso das grandes superfícies é cada vez maior, as compras e vendas estão controladas por poucas e grandes empresas, com os preços a caírem a pique. Em muitos aspectos, não há duvida que a situação é preocupante.

Para onde vai evoluir?
Devido aos problemas que referi, começa a aparecer uma contra-reacção: os vinhos naturais. Infelizmente, como em quase tudo na nossa vida de hoje, as reacções são caricaturas e exageradas. A evolução passa, no meu entender, pelo renascimento de lojas de vinhos com pessoas interessadas, com uma responsabilidade para com os seus clientes, e que podem ser de vários tipos. Pessoas que investem tempo e dinheiro a procurar vinhos interessantes, com preços correctos, de várias partes do país ou do mundo, e não incompetentes que fazem as compras baseadas em pontos.
Temos que procurar andar mais devagar e tentar como produtores respeitar a natureza e fazer vinhos com carácter e personalidade. Fugir dos vinhos caricaturas (sobremaduros, pesados, amadeirados = vinhos impressionantes mas imbebíveis) e fazer vinhos (como dizem os franceses: des vins digest) equilibrados, interessantes, que dêem gozo beber.
Para mim, também é importante fazer vinhos que cresçam com a idade (não é o mesmo que vinhos que aguentam a idade e ficam durante 20 anos iguais), que ganhem sabedoria com a idade.

Quais são as tendências de consumo actuais?
Não sei, nem me interessa....O certo é que estamos cada vez mais a virar um mundo mais doce e com menos acidez, ou seja, boring" [aborrecido].

Que países estão a dar cartas e quais os que vão dar no futuro?
Penso que a França vai ser o país que irá dar cartas. Com todo o chauvinismo, conseguiram pelo menos manter uma situação que quase já não existe em país nenhum: o vigneron, a pessoa que vive da terra, vive a terra, cultiva a terra, trata da vinha e faz o vinho o melhor que sabe. Muitas vezes, os vinhos de vignerons são menos limpos e eventualmente com alguns defeitos, mas aparecem hoje jovens que estudaram, e não foram totalmente brainwashed [sujeitos a uma lavagem ao cérebro], que também respeitam as velhas gerações, fazendo vinhos bem feitos, interessantes, com personalidade, típicos da zona.
A Alemanha também parece fazer cada vez mais vinhos fantásticos. A Espanha, depois de destruir quase tudo, parece querer voltar atrás e aprender com o passado.

Os vinhos portugueses têm futuro nesta nova ordem mundial?
Portugal tem tudo nas mãos... se não deitar tudo fora. Portugal faz lembrar a África do Sul (tendo Portugal um potencial muito maior), que passou de fazer vinhos agrestes, defeituosos, agressivos, oxidados, para vinhos castrados, frutados, alcoólicos, amadeirados.
Temos um passado fantástico do qual já ninguém se lembra. Seria interessante averiguar o que se passou em Portugal entre os anos 40 e hoje (há explicações fáceis, como o cooperativismos exagerado, as fronteiras fechadas...).
Existem poucos mas alguns vinhos antigos fantásticos que mostram bem o potencial do nosso país. Temos que aproveitar os conhecimentos modernos mas respeitar o passado e aprender com os mais velhos.
Existe uma história fantástica, muita cultura vitivinícola e um conhecimento empírico que os novos estão a deitar fora. Uma vez deitado fora, não mais se voltará atrás.
Há que manter alguma vinha velha. Um dos nossos trunfos é termos ainda formidáveis vinhas velhas, no Douro, no Dão, na Bairrada...(e não só, claro).
Fazer vinho de uma vinha velha é diferente de fazer vinho de uma vinha nova. É como as pessoas: um rapaz novo tem muita energia, força (cor taninos, fruta), com a idade perde algumas coisas, mas ganha conhecimentos, experiência, complexidade, paciência (finesse, elegância, profundidade, complexidade).
Temos que respeitar algumas (muitas) castas antigas e adaptarmo-nos a elas. Antigamente, o adegueiro adaptava-se às castas e aos terroirs, hoje é o enólogo que faz tudo ...
Eu acredito profundamente no potencial de Portugal, mas tenho muito medo de um dia acordarmos e já não haver nada para salvar. Aí, teremos que lutar pelo nosso lugar de igual para igual com o resto do mundo....e aí não teremos hipóteses. Mantendo muito do velho e fazendo melhor com algumas das modernas possibilidades que temos, podemos ter um grande futuro.

O que tem faltado a Portugal?
Respeito pela natureza, respeito pelos mais velhos, falta de interesse em ver o que o mundo faz de melhor e aprender, provar e tentar perceber o que de melhor se faz no mundo. Também tem faltado comunicação, humildade, abertura e diálogo com colegas, institutos, embaixadas, etc.
Têm faltado estratégias comuns.

Como vê o sector do vinho do Porto?
Mesmo com o meu conhecido optimismo, vejo com muita apreensão o futuro do vinho do Porto. Vejo os grandes a ficarem maiores e os pequenos a desaparecer, as empresas a serem geridas cada vez mais por financeiros e os preços a caírem. Toda a comunicação do vinho do Porto parece passar hoje pela redução dos preços. Há uma grande falta de educação sobre o vinho do Porto.
Eu continuo a olhar o vinho do Porto positivamente. É um dos mais fantásticos vinhos do mundo. Tenho dedicado muitíssimo tempo a este vinho único e ao quanto ainda se pode fazer para o melhorar e afinar. Curiosamente, quase todas as pequenas melhorias que temos feito passam, mais uma vez, por olhar para o passado e aprender com os antigos.

Estará o vinho do Porto condenado a ser uma raridade? Na Niepoort, por exemplo, o D.O.C Douro já é responsável pelo grosso das vendas, quando ainda há poucos anos era o contrário...
Espero que não. O facto de na Niepoort o vinho do Porto ser responsável por 40 % das nossas vendas (e temos crescido nos últimos anos) e os D.O.C por 60% é muito positivo. Ao contrário de outros colegas, eu acho que o futuro do Douro passa pelo vinho do Porto, pelo vinho de mesa e pelo turismo. Se formos inteligentes e fizermos as coisas bem feitas, não tenho dúvida de que estas três prioridades bem geridas serão uma mais-valia enorme para a região e para o país.

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