Comece-se pelos vinhos, raros e com histórias para contar, associe-se o facto de ter coincidido com a notícia da atribuição da estrela pelo guia Michelin ao chef Ricardo Costa, e junte-se ainda o aniversário do responsável pela enologia do Mouchão, Paulo Laureano. Foi, de facto, muito especial.
As hostilidades começaram com um vinho de 1984, a bonita idade de 27 anos, portanto, a mostrar que também no Alentejo pode haver vinhos longevos. Como curiosidade, o facto de ter sido um vinho poupado aos excessos do tempo de ocupação da herdade nos anos que se seguiram à revolução, o que se agradece às artes e engenho do adegueiro João Alabaça. E o seu amor ao vinho, claro. Abençoado seja!
E o que se pode dizer deste vinho é que está ainda para durar, tal é ainda a vivacidade da cor, o equilíbrio de acidez e presença de taninos. Curioso também o confronto a que foi submetido com um créme brûlé de abóbora, que fez sobressair as notas de menta doce, para além da autêntica sinfonia de aromas (tabaco, açafrão, noz moscada...).
Igualmente histórico o vinho de 2001 engarrafado como Tonel 3-4, como só acontece aos ovinhos da casa que revelam uma qualidade extraordinária. E não por ser o ano do centenário da adega - começou a produzir em 1901 -, já que por mérito intrínseco que bem pode figurar entre os vinhos portugueses de maior personalidade e carácter. Feito apenas com uvas Alicante Bouchet, é de uma elegância rara que resulta do estágio de dois anos nos já famosos tonéis de carvalho português, com topos de macacauba e mogno.
O remate foi feito com o vinho mais novo. Um desafio que parecia contrariar as regras, ainda por cima tratando-se de um prato de caça, conjugando perdiz, faisão, veado, pombo e cogumelos. Mais: o Mouchão 2006, em garrafa Magnum, mostrou-se como um perfeito concentrado de fruta. Rústico, redondo e aveludado, mas também sedutor como só mesmo os vinhos mais extraordinários o conseguem.
Paulo Laureano disse tratar-se de um casamento onde o vinho não comia o prato e o prato não bebia o vinho. Acrescentaríamos que se tratou mesmo de um caso de paixão ardente, com o prato a pedir constantemente o vinho e este a reclamar a comida. Parabéns a quem consegue engarrafar tais vinhos, mas também ao chef Ricardo Costa e à responsável pelos vinhos do restaurante, Beatriz Machado, que ousou uma tal combinação.
É assim que nos tornamos mais sabedores, mas também, e sobretudo, mais felizes.