Fugas - Vinhos

  • Hotel The Yeatman em Vila Nova de Gaia
    Hotel The Yeatman em Vila Nova de Gaia

Vinhos com histórias e que nos fazem felizes

Por José Augusto Moreira

Há momentos que se tornam difíceis de esquecer e o jantar vínico da semana passada no The Yeatman, em Gaia, ficará seguramente entre as melhores memórias.
Pelos excelentes vinhos da Herdade do Mouchão, pois claro, mas também por uma singular conjugação de circunstâncias que fizeram daquela uma noite única.

Comece-se pelos vinhos, raros e com histórias para contar, associe-se o facto de ter coincidido com a notícia da atribuição da estrela pelo guia Michelin ao chef Ricardo Costa, e junte-se ainda o aniversário do responsável pela enologia do Mouchão, Paulo Laureano. Foi, de facto, muito especial.

As hostilidades começaram com um vinho de 1984, a bonita idade de 27 anos, portanto, a mostrar que também no Alentejo pode haver vinhos longevos. Como curiosidade, o facto de ter sido um vinho poupado aos excessos do tempo de ocupação da herdade nos anos que se seguiram à revolução, o que se agradece às artes e engenho do adegueiro João Alabaça. E o seu amor ao vinho, claro. Abençoado seja!

E o que se pode dizer deste vinho é que está ainda para durar, tal é ainda a vivacidade da cor, o equilíbrio de acidez e presença de taninos. Curioso também o confronto a que foi submetido com um créme brûlé de abóbora, que fez sobressair as notas de menta doce, para além da autêntica sinfonia de aromas (tabaco, açafrão, noz moscada...).

Igualmente histórico o vinho de 2001 engarrafado como Tonel 3-4, como só acontece aos ovinhos da casa que revelam uma qualidade extraordinária. E não por ser o ano do centenário da adega - começou a produzir em 1901 -, já que por mérito intrínseco que bem pode figurar entre os vinhos portugueses de maior personalidade e carácter. Feito apenas com uvas Alicante Bouchet, é de uma elegância rara que resulta do estágio de dois anos nos já famosos tonéis de carvalho português, com topos de macacauba e mogno.

O remate foi feito com o vinho mais novo. Um desafio que parecia contrariar as regras, ainda por cima tratando-se de um prato de caça, conjugando perdiz, faisão, veado, pombo e cogumelos. Mais: o Mouchão 2006, em garrafa Magnum, mostrou-se como um perfeito concentrado de fruta. Rústico, redondo e aveludado, mas também sedutor como só mesmo os vinhos mais extraordinários o conseguem.

Paulo Laureano disse tratar-se de um casamento onde o vinho não comia o prato e o prato não bebia o vinho. Acrescentaríamos que se tratou mesmo de um caso de paixão ardente, com o prato a pedir constantemente o vinho e este a reclamar a comida. Parabéns a quem consegue engarrafar tais vinhos, mas também ao chef Ricardo Costa e à responsável pelos vinhos do restaurante, Beatriz Machado, que ousou uma tal combinação.

É assim que nos tornamos mais sabedores, mas também, e sobretudo, mais felizes.

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